Nos colégios eleitorais que fogem à regra brasileira da maior representatividade masculina nas Câmaras dos Vereadores, nenhum conta com população acima de 50 mil habitantes, e são marcados, quase sempre, por histórias de oligarquias dominadas por políticos homens
Por Giulliana Bianconi*
Existe um Brasil que elege mais mulheres do que homens para as câmaras municipais, e não é o Brasil das capitais nem das grandes cidades. É o das cidades pequenas, onde a política local costuma ser dominada por poucas famílias, e por isso as mulheres que se elegem não raramente apresentam algum parentesco com políticos homens que mantêm influência histórica no município.
No último pleito municipal, foram 23 municípios que elegeram maioria feminina para suas câmaras de vereadores, de acordo com dados estruturados pelo pesquisador do IBGE e professor da Escola Nacional de Ciências e Estatísticas José Eustáquio Diniz. A Gênero e Número analisou o número da população de cada uma dessas cidades e constatou que nenhuma chega, sequer, a 50 mil habitantes – na classificação do IBGE, uma cidade passa a ser média quando tem população maior que 100 mil habitantes. Nos grandes centros urbanos, aqueles com mais de 500 mil habitantes, e nas cidades com expressivos orçamentos municipais não há e nunca houve até hoje câmara com mais mulheres do que homens. No maior colégio eleitoral do país, São Paulo, as mulheres são ainda apenas 12,2% dos vereadores.
O município de Fronteiras (PI), com população em torno de 11 mil habitantes, foi o que apresentou a maior porcentagem de vereadoras eleitas em todo o Brasil no último pleito. Elas foram 66,7% em um total de nove eleitos. Entre as seis mulheres empossadas, pelo menos três são de uma mesma família, a Bezerra, e fazem parte da mesma coligação, a “Unidos para Avançar”. Uma delas, Célia Maria Bezerra (PSB-PI), comemorou na ocasião seu terceiro mandato. É neta do primeiro prefeito da cidade, Antônio Francisco Pereira, que esteve no cargo executivo nada menos que cinco vezes. Há casos em que as mulheres, a fim de capitalizar nas urnas a tradição política da família, abrem mão até da própria identidade, como em Sítio Novo (RN), cidade onde o gênero feminino é 55,6% da câmara municipal. A candidata mais bem votada entre todos os que se lançaram na disputa à câmara de Sítio Novo em 2012 fez campanha com o nome Aninha de Paulo, pelo PMDB-RN. Paulo, ex-prefeito do município potiguar de cerca de 5 mil habitantes, é seu pai.
Com esse perfil, as 23 cidades que têm atualmente mais mulheres nas suas respectivas câmaras não representam “ilhas” de avanço feminino na política, como fica evidente quando se analisa o contexto. No entanto, há candidatas Brasil afora, entre as mais de 150 mil que se cadastraram neste ano para a disputa da vereança em cidades de diferentes tamanhos que, na esteira do levante do movimento feminista ocorrido recentemente, chegam às eleições carregando no discurso a busca por protagonismo, equidade de gênero e diversidade na política. Mulher negra e feminista que nasceu e cresceu no Complexo da Maré, Zona Oeste do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL-RJ) corre atrás de uma cadeira para legislar na segunda maior do capital país. “Sou filiada ao PSOL desde 2008, mas apenas este ano, durante um evento que discutia exatamente a presença das mulheres no espaço público, realizado na semana do 8 de março, enxerguei a possibilidade da candidatura”, conta Marielle. A candidata e socióloga, que está se lançando ao seu primeiro cargo eletivo, já trabalha com a política municipal, coordenando a Comissão de Direitos Humanos da Alerj (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro). “Ter um cargo é disputar o Estado por dentro, e isso já faço, no dia-a-dia, com as articulações que estão ao meu alcance, mas para uma empreitada maior como essa eu sabia que dependeria do coletivo como nunca antes”, diz. “Falar sobre gênero é importante, sempre, mas para mim o recorte no debate de gênero é também racial, sempre”, pondera.
No estado do Rio de Janeiro, o retrato das câmaras ainda é masculino. Aliás, quando se observa todas as câmaras municipais agregadas por estados brasileiros, o Rio de Janeiro, com 8,92% de mulheres nas câmaras, fica atrás do Espírito Santo, que na média apresenta 7,58% de mulheres na composição das câmaras municipais.
Em 2016, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgou, pela primeira vez, estatísticas de raça para as candidaturas municipais. Das cerca de 152 mil mulheres que se cadastraram para disputar o cargo de vereadora, apenas 8,6% são negras. A maioria, 52,8%, é branca. As amarelas, pardas e indígenas somam 38,6%, sendo as indígenas as que amargam menor representatividade entre todas.
Quando elas são apenas as esposas dos “fichas-sujas”
Na segunda eleição municipal depois da aprovação da Lei da Ficha Limpa (nº 135/2010), o cerco do TSE aos políticos que tiveram mandato cassado, que foram condenados em processos criminais, ou que renunciaram aos seus mandatos para evitar uma possível cassação continua. Em 2012, primeiro pleito em que a lei esteve em vigência, foram pelo menos 868 candidatos impedidos de disputar as eleições, de acordo com dados do TSE. Desde então, já se tem notícias de políticos que, para não saírem dos círculos do poder, lançaram esposas candidatas. Em 2014, nas Eleições Gerais, um dos casos emblemáticos foi a da única mulher eleita governadora naquele ano, Suely Campos (PP-RR). Ela se lançou candidata somente depois de o marido Neudo Campos (PP-RR) ter desistido da candidatura por ter tido seu registro negado pelo Tribunal Regional Eleitoral, ao ser considerado Ficha Suja – o TCU constatou ausência de comprovação da aplicação de recursos e omissão na prestação de contas. “Serei uma sombra dela”, declarou Neudo, até então líder nas pesquisas de intenção de votos, quando a candidatura de Suely foi anunciada como o nome da legenda para a disputa do governo roraimense. A candidata venceu o então governador Chico Rodrigues, que tentava a reeleição, e seguiu para o cargo com o marido na cola.
Neste ano, vários casos de esposas de fichas-sujas que saíram candidatas já foram notados. Recentemente o jornal Estado de Minas publicou reportagem onde traz alguns nomes em Minas Gerais, como o da advogada Angela Myrink (PP-MG), que vai disputar a prefeitura de Uberaba depois que o seu marido, Anderson Adauto (PP-MG), ex-prefeito do município, ter sido enquadrado na Ficha Limpa – por ser acusado de usar recursos da prefeitura de Uberada para promoção pessoal – e ter registro negado em 2014, quando tentou se lançar deputado federal. Outra esposa de ex-prefeito enquadrado pela lei que vai disputar uma prefeitura no estado é Marcela Fonseca, que prefere o “Marcela de Warmillon” (PSD-MG) para a campanha em Pirapora. O marido, Warmillon Fonseca (DEM-MG), foi prefeito em duas cidades de Minas Gerais, permanecendo por quatro mandatos, mas responde a processos por enriquecimento ilícito, improbidade administrativa, entre outros.
Mas não são apenas os homens que fazem uso desse controverso recurso. Em Vitorino Freire (MA), a ex-presidente da Câmara dos Vereadores, Maria Telma Gonçalves de Oliveira (PTC-MA), está inelegível por ser acusada de dano ao patrimônio público e improbidade administrativa. Ela lançou, semanas atrás, seu marido, Edinaldo (PTC-MA), na corrida pela vereança local. Na campanha, ele repete o padrão das colegas, e se vende como “Edinaldo da Tia Telma”.
*Giulliana Bianconi é jornalista e codiretora da Gênero e Número
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