Nos últimos 16 anos, Congresso teve em média apenas uma mulher a cada dez congressistas
Por Natália Mazotte*
Os três poderes do Estado brasileiro são marcados pela baixa presença feminina, especialmente se a análise recair sobre seus principais cargos. Levantamento da Gênero e Número com dados da esfera federal dos últimos 16 anos aponta o Legislativo como o mais assimétrico no recorte de gênero. Nesse período, o Congresso teve, em média, apenas 10% de mulheres ocupando suas cadeiras, com cerca de 8% na Câmara e 12% no Senado.
Já na cúpula do Executivo – os Ministérios -, a participação feminina teve seu melhor momento entre janeiro de 2011 e abril de 2014, no primeiro mandato de Dilma Rousseff, quando foi mantida acima de 20%. De janeiro de 2000 a março de 2016, foram 23 ministras e 188 ministros, cerca de 11% do total no período. O governo Temer é o primeiro desde Geisel (1974) em que não há nenhuma mulher liderando um ministério.
O Judiciário é o menos discrepante em participação feminina, embora as mulheres continuem enfrentando entraves que dificultam sua escalada aos tribunais superiores. Hoje elas são 18% do total de vagas nas cinco mais altas cortes do país. Na análise dos últimos 16 anos, o número cai para uma média* de 11,5%, o que indica o aumento gradual de ministras em anos mais recentes.
O insuficiente número de mulheres no Parlamento reflete a dominação masculina na política, território que só começou a ser ocupado por elas há pouco mais de 80 anos. Em eleições proporcionais, como as realizadas para a Câmara, as candidatas precisam ultrapassar as barreiras partidárias. São os partidos que definem quem vai ter mais destaque dentro da lista de candidatos, com mais tempo de TV ou mais financiamento do fundo partidário.
“A falta de transparência dentro dos partidos no momento de seleção dos seus candidatos é um problema. Em geral, as lideranças partidárias são compostas por homens brancos e que estão no poder há muito tempo. Como se trata de uma indicação, as preferências desses atores acabam sendo seus semelhantes”, observa Luciana Ramos, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo a pesquisadora, a obscuridade dos partidos ainda afeta o cumprimento da Lei das Eleições, que define as cotas de gênero. “Há mulheres que nem um voto recebem. Então não são candidaturas reais, mas fictícias. Há uma falta de transparência no recrutamento e isso é um entrave pro cumprimento das cotas. Os partidos encontraram uma forma de burlar a legislação. E isso reflete a participação baixa das mulheres no parlamento.”
A disponibilidade para o trabalho no Congresso também explica o baixo número de candidaturas femininas às suas vagas. Para a senadora Vanessa Graziotin, o gargalo no avanço da mulher na política é retrato de uma sociedade machista que não trabalha o lar sob a perspectiva de uma corresponsabilidade do pai e da mãe. “O confinamento da mulher à esfera privada, que a alija dos espaços de poder no mercado de trabalho e na política, não se dá sem uma forte ação masculina de resistência à entrada da mulher nesses espaços”, afirma
Fora do campo eletivo, a liderança dos Ministérios segue a mesma lógica de capital político e indicações que impera no sistema proporcional. “Tirando a Dilma, todos os outros presidentes foram homens, e eles indicam outros homens, com visões e perspectivas sociais semelhantes. O que é um problema, já que em ambientes de poder e de tomada de decisão é muito bom que se tenha diversidade de perspectiva”, ressalta Ramos.
Com uma porta de entrada diferente, via concurso público, o Judiciário fica à frente dos outros poderes, mas também não supera sequer a marca de 15% de ministras nos tribunais superiores no período analisado. A pesquisadora Ana Paula Sciammarella, que estuda as relações de gênero nas cortes brasileiras na Universidade Federal Fluminense, afirma que, embora a possibilidade de acesso seja igualitário, o percurso até as cúpulas ainda demanda das mulheres uma forma de atuação que a vida doméstica não permite. “Há testemunhos de sobrecarga para conciliar carreira e família, e há estigmas também, atribuindo para a mulher o espaço do cuidado. A mulher tem lugares definidos no Poder Judiciário, e não são os de maior prestígio.”
O avanço tem sido lento, embora na base do Judiciário as mulheres já estejam se aproximando de um quadro mais igualitário. De acordo com dados do censo produzido pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2013 elas já eram 36% do total de magistrados no país.
“Muita gente fala que isso é uma questão de tempo, e que as mulheres vão chegar às cúpulas, mas olhando até as presidências dos tribunais estaduais elas ainda estão em número reduzido. O maior desafio para essa expansão da presença feminina está em superar as barreiras que as próprias instituições criam para uma atuação mais equânime entre o público e o privado.”
* Se excluirmos da análise o Superior Tribunal Militar (STM), que é composto primordialmente de oficiais-generais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e só contou até hoje com a presença de uma mulher para as vagas reservadas a civis, a cúpula do Judiciário apresenta um desempenho um pouco melhor. Para que a discrepância no STM impactasse menos na média dos demais tribunais superiores, optamos por fazer o cálculo com a mediana.
Natália Mazotte é jornalista e codiretora da Gênero e Número
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