A medalhista olímpica dos EUA Gabby Douglas integra lista das que denunciaram o médico da equipe
Larry Nassar, que já estava preso por possuir pornografia infantil, e se declarou culpado ante a Justiça
El País
B. G. URZAIZ / A. IRÍBAR
Madri
Foram a face mais midiática dos Jogos do Rio em 2016. Batizaram-nas de Final Five, não sem discussão prévia porque os fãs também gostavam dos apelidos Phenomenal Five e Slay Five. Simone Biles, coroada a melhor ginasta do mundo desde Nadia Comaneci, emocionou com sua história de superação: a mãe alcoólatra a abandonou aos três anos. A composição da equipe – uma latina de origem porto-riquenha, Laurie Hernández, duas afro-americanas e duas brancas judias – as convertia também em uma perfeita história de harmonia interracial. Em conjunto, tinham tudo, incluindo nove medalhas entre todas, para se tornarem estrelas efêmeras, antes que toda a atenção se voltasse aos esportes masculinos.
Agora sabemos que tanto elas como suas antecessoras de Londres 2012, conhecidas como as Fierce Five, ou pelo menos algumas delas, sofriam abusos contínuos por parte do médico da equipe, Larry Nassar, que nesta quarta-feira se declarou ante à Justiça dos EUA culpado de abusar sexualmente de sete ginastas, três delas menores de 13 anos. Após chegar a um acordo com a acusação, Nasser, que já estava preso por confessar possuir pornografia infantil, aceitou uma pena que pode variar entre 25 e 40 anos de prisão. A sentença deve sair em 12 de outubro.
“O senhor se utilizou da confiança das atletas da maneira mais vil, abusando das meninas”, disse a juíza Rosemarie Aquilina. "Algumas das vítimas levarão anos para se curar, enquanto você passará sua vida atrás das grades pensando no que fez roubando-lhes sua infância. O senhor estudou para curar, mas acabou por feri-las”.
Nasser se declarou culpado de 22 casos de “conduta sexual criminosa”, na terminologia penal dos Estados Unidos, relatados por sete vítimas, e irá ainda a outro julgamento civil porque 125 mulheres afirmam ter sido alvo de abusos sexuais por parte de Nassar no contexto de um tratamento médico. Acusam-no, entre outras coisas, de penetração vaginal e anal com os dedos, alegando razões médicas.
A última a acusar o osteopata, que durante 30 anos fez parte da equipe da federação de ginástica dos EUA, foi Gabby Douglas, ganhadora de três medalhas olímpicas de ouro, e seu caso é chamativo por várias razões. Quando duas de suas colegas de equipe, Aly Raisman e McKayla Maroney acusaram o médico há algumas semanas, Douglas fez uma declaração polêmica, dirigida sobretudo a Raisman, que meses atrás posou nua para a revista ESPN (em poses esportivas sem muita carga erótica) e participou do número de maiôs da Sports Illustrated. Baseando-se nisso, Douglas disse que as mulheres devem se vestir “com pudor e com classe” para evitar provocar “as pessoas erradas”. Tanto em meios esportivos como nas redes sociais foi criticada por um exemplo típico de culpar a vítima. A estrela da equipe, Simone Biles, respondeu em um tuíte: “Fico chocada com o que estou vendo, mas isso não me surpreende... sinceramente, ver isto me dá vontade de chorar porque como companheira esperava mais de você. Te apoio, Aly, e a todas as mulheres por aí afora. Permaneçam fortes”.
Douglas se desculpou e em uma nova mensagem no Instagram admite que também sofreu abusos por parte de Nassar: “Sei que não importa o que você usa, isso nunca dá a ninguém o direito de te assediar ou abusar de você. Seria como dizer que pelos maiôs que usávamos foi culpa nossa que Larry Nassar abusasse de nós. Não tinha compartilhado minhas experiências publicamente porque durante muitos anos fomos condicionadas a permanecer caladas e porque, sinceramente, algumas coisas são extremamente dolorosas”.
Raisman denunciou o médico – que começou a tratá-la aos 15 anos – logo depois dos Jogos Olímpicos do Rio, quando o FBI iniciou uma investigação contra o suposto assediador em série. Em uma entrevista em meados do ano se referiu a ele como “monstro” e foi muito dura com a Federação de Ginástica por encobrir o caso. Suas colegas tinham permanecido caladas até que o movimento #MeToo inspirou McKayla Maroney a relatar suas experiências no Twitter. “As pessoas deveriam saber que isso não acontece só em Hollywood. Acontece em toda a parte. Onde houver uma posição de poder, parece que há potencial para o abuso. Eu tinha o sonho de ir aos Jogos Olímpicos e as coisas que tive de sofrer para chegar ali foram desnecessárias e asquerosas”, escreveu.
Duas ginastas que representaram os Estados Unidos nos Jogos de 2000 em Sydney já testemunharam em março no Congresso contra Nassar e a negligência das autoridades. “As crianças não costumam contar quando sofrem abusos. Sofrem em silêncio e se submetem à autoridade dos adultos, e isso é especialmente verdade no mundo hipercompetitivo da ginástica de elite. Mas nós mulheres falamos e por isto estou aqui”, explicou Jamie Dantzscher, bronze nos jogos Olímpicos de Sydney.
Órgãos da mídia como Deadspin estão há tempos investigando a cultura do abuso e do silêncio no mundo da ginástica. No ano 2000, a equipe dos EUA, comandada então pelos temíveis Károlyi, o casal que moldou Comaneci, ficou em quarto lugar, sem medalha. A partir daí, segundo a jornalista Dvora Meyers, que é ex-ginasta e conhece essa esfera à perfeição, se fomentou uma cultura do “vale tudo” com a finalidade de voltar ao pódio. Até mesmo se isso implicasse olhar para o outro lado quando Nassar “tratava” as atletas em quartos de hotel sem supervisão. Agora o médico enfrenta acusações que poderiam levá-lo a passar o resto de seus dias na prisão.
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