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domingo, 12 de novembro de 2017

Em ‘reality show acadêmico’, brasileiro ganha 1 milhão de libras para pesquisa sobre depressão

Christian Kieling
Image captionPesquisador brasileiro quer descobrir se um indivíduo pode ter predisposição a desenvolver depressão na adolescência | Foto: Henrique Kanitz
Maurício Brum
De Porto Alegre para a BBC Brasil
11 novembro 2017
Trinta pessoas foram confinadas por 72 horas em um hotel na região metropolitana de Londres com o objetivo de ganhar 1 milhão de libras (cerca de R$ 4,3 milhões). A descrição pode lembrar um reality show, mas foi a maratona pela qual passaram cientistas do mundo inteiro em busca de financiamento para as suas pesquisas. E quem venceu a disputa foi um time liderado por um psiquiatra brasileiro.

Christian Kieling, professor de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ganhou a verba milionária depois de vencer o desafio de elaborar um projeto de saúde mental proposto pela organização britânica MQ.
Os 30 pesquisadores se reuniram durante três dias em um hotel em Hawthorne com a meta de formar grupos de acordo com as afinidades e elaborar uma proposta de estudo - uma espécie de "workshop de inovação" da área médica. Ao final, os times defenderam suas ideias para uma banca que definiu o destino do financiamento.
"Quando arriscamos, às vezes, corremos o risco de ganhar. Ao nosso lado havia uma mesa com pesquisadores de Harvard, de Yale, e eles ficaram em segundo lugar. Foi como ganhar um ouro olímpico em um esporte no qual o Brasil não tem tradição", compara Kieling, em entrevista à BBC Brasil.
O pesquisador da UFRGS será um dos líderes do estudo, ao lado da psiquiatra Valeria Mondelli, do King's College de Londres. O trabalho busca identificar indivíduos em risco de desenvolver depressão na adolescência. Além de Brasil e Reino Unido, o projeto também coletará informações na Nigéria e no Nepal, por meio de pesquisadores que se juntaram ao grupo durante o encontro na Inglaterra.

Alternativa para crise

O dinheiro chega em um momento de cortes profundos nos investimentos para a pesquisa científica no Brasil. Em 2013, último ano antes de as reduções começarem, o orçamento para Ciência e Tecnologia havia chegado a R$ 10,2 bilhões. Em 2017, o valor previsto é de R$ 3,2 bilhões, uma diminuição de 44% em relação ao ano passado.
O último edital universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo pelo qual são selecionados projetos de pesquisa para receber financiamento, distribuiu um valor de R$ 120 mil com vigência de 36 meses na faixa mais alta.
Trata-se de um montante 10 vezes menor do que receberá o braço brasileiro do estudo, capitaneado por Kieling. O cientista estima que cerca de um terço do total (em torno de R$ 1,4 milhão) será destinado à pesquisa no país.
Homem deprimidoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSó o braço brasileiro de pesquisa sobre depressão receberá de fundo britânico 10 vezes mais que edital de financiamento do CNPq
"É impossível manter pesquisadores no Brasil com esses cortes", aponta o físico da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo Netto, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e considerado um dos cientistas brasileiros mais influentes do mundo pela Fundação Thomson Reuters.
"O orçamento do ministério não está sendo reduzido por falta de dinheiro. O que está em jogo é um novo projeto de país, que vê a mão de obra qualificada e a inovação tecnológica como desnecessárias", diz Artaxo, em entrevista à BBC Brasil.
Uma alternativa para evitar a debandada de cérebros é, como no caso de Christian Kieling, atrair recursos vindos do exterior, caminho ainda pouco usual no país. O psiquiatra espera que a conquista da verba britânica sirva de incentivo a outros cientistas brasileiros.
"O Brasil possui grupos fortes que, apesar das dificuldades internas, podem, sim, disputar recursos com centros mundiais de excelência", diz o pesquisador, coordenador do Programa de Depressão na Infância e na Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (ProDIA/HCPA).

Depressão em adolescentes

Intitulado IDEA, sigla em inglês para Identificando a Depressão Precocemente na Adolescência, o trabalho liderado por Kieling busca elaborar uma abordagem individualizada para detectar jovens com risco de desenvolver a doença.
"Em vários estudos já foram testadas estratégias de prevenção universal, por exemplo, com programas dedicados a todos os alunos de uma escola. Infelizmente, os resultados dessas pesquisas mostram que isso não parece ter muito benefício, pois o efeito se dilui", aponta.
Estudos de prevenção voltados a indivíduos com risco elevado, por outro lado, têm se mostrado mais eficazes.
Adolescente sentada no chãoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionJovens serão selecionados para estudo no Brasil, no Reino Unido, na Nigéria e no Nepal
O novo estudo pretende selecionar inicialmente cem pacientes em Porto Alegre. Compostos por alunos da rede pública, o grupo será dividido em três: jovens com alta probabilidade de desenvolver depressão, um segundo grupo em que as chances são baixas em relação à população em geral e aqueles que já têm a doença.
O acompanhamento inclui exames de neuroimagem e coleta de sangue, para verificar marcadores inflamatórios que estariam relacionados à condição.
Conforme o estudo for avançando, os resultados dos quatro países envolvidos (Brasil, Reino Unido, Nigéria e Nepal) serão comparados para determinar o peso de fatores locais na equação. Prevista para começar oficialmente em abril de 2018, a pesquisa tem duração inicial de dois anos. Não está descartada, porém, sua continuidade depois desse período.
Mantida por doações de seus apoiadores, a MQ informou à BBC Brasil que continuará arrecadando fundos para investir nas novas ideias que se desenvolvam a partir de projetos como o IDEA.
"Queremos entender o fenômeno do surgimento da depressão, ainda no início da vida, para depois tentar reduzir seu impacto como a doença crônica que ela é", diz Kieling.

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