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quarta-feira, 15 de novembro de 2017

“Eu sei como as mulheres se sentem”

Ele trabalha em casa, cuida das tarefas domésticas e sente que a mulher não valoriza o que ele faz. Essa relação pode dar certo?

IVAN MARTINS
15/11/2017

Meu jovem amigo trabalha em casa. Ele é consultor em redes sociais e tudo que precisa para fazer seu trabalho é de um telefone celular e uma boa conexão de internet. Às vezes, tira as sandálias e a bermuda e vai conversar com um cliente pessoalmente, mas é raro. Na maior parte do tempo, está em casa, disponível para os afazeres domésticos.

A mulher dele, não. Ela trabalha numa empresa em tempo integral e ritmo acelerado. Sai cedo, chega tarde, vive pendurada no celular. Os chefes ligam até no fim de semana, para discutir pendências. Ele me diz que é dura a rotina dela, mas que ela está realizada, eles se amam e tudo vai bem – exceto, vejam bem, a autoestima dele.


Não se trata, diz ele, de dinheiro. Ele ganha bem, ela ganha bem melhor, mas isso não é uma questão. O problema é reconhecimento. Ao contrário dela, ele não tem quem lhe dê tapinhas nas costas toda vez que faz alguma coisa bacana. O trabalho profissional dele é solitário e anônimo, e as tarefas domésticas – que ocupam boa parte do tempo dele – não são percebidas como coisa importante.

“Agora eu sei como as mulheres que trabalham em casa se sentem”, ele me diz. Toda noite, quando a mulher chega do trabalho e pergunta sobre o dia dele, não há muito para contar. Ele pôs o lixo na rua, comprou uma vassoura nova no supermercado, foi buscar a comida do gato e recebeu o chaveiro para arrumar a porta da frente. Depois do almoço, para não cair dormindo, varreu as folhas do quintal e estendeu um varal que tinha caído. Também deu um tapa no quarto, que estava uma bagunça, e preparou uma sopinha para o jantar.

“Não parece muita coisa, mas é essencial para a manutenção da casa. Se eu não fizer nada, a gente afunda no caos”, ele me diz, entre sentido e perplexo. Meu amigo gostaria que a mulher dele percebesse a importância do que ele faz. “Ela nem nota que o lixo saiu do cestinho do banheiro ou que a chave da porta parou de emperrar”, ele me diz, chateado, depois de uma garrafa de cerveja. “Ela chega tarde, fala dos problemas no trabalho dela, jantamos e vamos para a cama, porque ela está exausta. O que eu faço não é comentado, porque não tem muita importância.”

Já se vê que ele está desapontado, até mesmo ressentido, e isso pode influir de forma negativa no relacionamento deles. Ou a mulher aprende a dar importância ao trabalho doméstico (que ela parece odiar) ou ele reduz a sua própria expectativa de reconhecimento, como fizeram gerações e gerações de donas de casa. Os maridos, historicamente, não valorizam o trabalho do lar. Mesmo quando a mulher tem emprego, ainda acham natural que ela faça todas as tarefas da casa. É simples, não? Com sinal invertido, meu jovem amigo está experimentando a mesma situação – e não sabe o que fazer com a sua insatisfação.

Na geração dele, os combinados entre homem e mulher são diferentes do que eram na minha. As garotas esperam um cara que se comprometa com as tarefas da casa e da criação dos filhos, não o provedor que assina cheques. “Meu marido não ajuda, ele divide”, eu ouvi de uma jovem amiga que acabara de ter bebê. Nesse ambiente, meu amigo não se sente à vontade para dizer à mulher dele que ela não pode trabalhar tanto, e que deveria dar mais atenção a ele e à casa. Pareceria machismo, ele me diz. Afinal, ele sabia da vida que ela levava e topou ser a parte do casal que ficaria em casa. Topou, mas está angustiado.

Embora eu perceba os riscos afetivos da situação, tenho certeza de que o meu amigo e a mulher dele vão dar um jeito. Sobretudo porque a vida que eles levam é inteiramente da escolha deles. Ao contrário das mulheres do passado – e de muitos brasileiros e brasileiras do presente, que não tiveram o privilégio de uma boa educação –, não estão aprisionados ao formato da sua vida atual. Ela pode trabalhar menos, para estar mais tempo em companhia dele. Ele pode aprender a lidar com a angústia e a solidão doméstica, ou buscar trabalho fora de casa, de novo, se a sua rotina se tornar insuportável. Há soluções possíveis.

O que não se pode mais – eu acho – é perseverar, voluntariamente, em papéis sociais antigos e congelados, nos quais as personalidades de muitos homens e mulheres não cabem mais. A mulher do meu amigo, obviamente, não nasceu para ficar em casa cozinhando ou cuidando de um bebê. Ela parece ter ambições que precisam do mundo para se realizar. E meu amigo não tem vocação para competir 12 horas por dia no mercado, disputando cargos e poder em reuniões infindáveis. Não é a dele. Diferentes entre si, mas apaixonados e solidários, eles podem explorar juntos as possibilidades de um mundo que abriu novas portas e inventou novos conflitos. Não é um mundo fácil, mas, nele, as pessoas são (um pouco mais) livres do que antes para viver e amar da forma como se sentirem melhor.

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