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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A sombra do assédio na integridade da ciência

Sociedade de geofísicos amplia definições de má conduta para incluir os casos de intimidação sexual no ambiente acadêmico
FAPESP
ED. 260 | OUTUBRO 2017
A American Geophysical Union (AGU), sociedade sediada em Washington, Estados Unidos, atualizou no mês passado seu código de ética e incluiu o assédio sexual na definição de exemplos de má conduta científica. Em um comunicado divulgado no dia 15 de setembro, a AGU observou que os efeitos destrutivos do assédio e da intimidação de caráter sexual atingem não somente as suas vítimas, mas todo o entorno do ambiente de pesquisa, e podem inclusive afastar as mulheres da carreira científica. “Embora intolerável, o assédio sexual é um problema enfrentado de forma persistente pela comunidade científica”, justificou Eric Davidson, professor da Universidade de Maryland e presidente da AGU. “Precisamos criar um ambiente que dê apoio e estímulo aos jovens talentos, em vez de intimidá-los.” A nova política se aplica aos 62 mil membros da sociedade e a qualquer indivíduo que participe de suas atividades. Além do assédio sexual, o bullying e a discriminação também foram incluídos no rol dos comportamentos antiéticos.


De acordo com as diretrizes da AGU, qualquer pessoa pode apresentar uma queixa de assédio. As alegações que não puderem ser resolvidas pelo estafe da sociedade serão encaminhadas a uma comissão encarregada de investigá-las. Se o caso envolver pesquisa financiada com recursos federais, a AGU irá notificar a instituição a que o acusado estiver vinculado e determinar a quem caberá fazer a investigação. A punição máxima prevista é expulsão do membro considerado culpado.
A adoção da nova política foi discutida ao longo de um ano e reacendeu um antigo debate sobre definições de má conduta científica. A abordagem consagrada desde os anos 1990 restringe tais definições a comportamentos com impacto inequívoco sobre a pesquisa, como fraude, fabricação de dados e plágio. Mas sempre houve questionamentos sobre o que fazer com desvios éticos não específicos das atividades científicas que ocorrem em seu ambiente. Por alguns anos, a National Science Foundation (NSF), principal agência de fomento à pesquisa básica nos Estados Unidos, chegou a incluir em suas diretrizes éticas uma quarta categoria de má conduta, descrita vagamente como “outros desvios sérios”. Em 2000, contudo, o governo norte-americano optou pela interpretação mais restrita.
Rebecca Barnes, professora do Programa de Meio Ambiente do Colorado College, em Colorado Springs, e membro da AGU, disse à revista Science que a princípio não enxergava uma conexão entre assédio sexual e prejuízo à integridade científica. “Minha impressão era de que os problemas seriam de tipos diferentes”, afirmou. Mas, segundo ela, a visão da sociedade evoluiu e prevaleceu a noção de que o assédio produz consequências negativas para o ambiente acadêmico comparáveis às do plágio ou de não dar o crédito devido ao autor de um trabalho científico. “O assédio sexual também sinaliza para suas vítimas que elas não são valorizadas, com impacto no ambiente de trabalho.”
Uma pesquisa feita em 2015 pela Association of American Universities em 27 universidades mostrou que 62% das alunas de graduação e 44% das de pós-graduação sofreram assédio sexual no ambiente acadêmico. Além da AGU, outras sociedades científicas se mobilizam. No mês passado, a American Chemical Society abordou o assédio sexual em uma reportagem de capa de sua revista Chemical & Engineering News, em que as editoras Linda Wang e Andrea Widener relatam as experiências de várias mulheres que foram assediadas sexualmente quando eram estudantes de química por professores ou dirigentes acadêmicos. Na reportagem, a britânica Kate Sleeth Patterson, presidente da National Postdoctoral Association, relata o drama vivido por alunas e por estagiárias de pós-doutorado estrangeiras nos Estados Unidos, inclusive o dela própria na época de graduação, que enfrentam ameaças de afastamento de grupos de pesquisa ou perda do visto de permanência no país caso denunciem os professores assediadores.
A decisão da AGU acontece em paralelo a uma série de escândalos em instituições de ensino e pesquisa norte-americanas. Na Universidade de Rochester, em Nova York, o linguista Florian Jaeger, professor do Departamento de Ciências Cognitivas, foi acusado por nove mulheres de assediá-las sexualmente enviando fotos de conteúdo sexual, de promover festas para estudantes oferecendo drogas ilícitas e de prejudicar alunas e pesquisadoras que resistiram a suas investidas. Em um documento de 111 páginas encaminhado à Comissão de Igualdade de Oportunidades no Trabalho do governo norte-americano, o grupo, que envolve docentes, alunas e estagiárias de pós-doutorado, acusa a direção da universidade de proteger Jaeger – que foi investigado duas vezes e inocentado – e de retaliar autoras de denúncias. O reitor Joel Seligman anunciou em setembro que vai abrir uma investigação independente, depois de enfrentar protestos no campus. Também promete contratar um avaliador com autonomia para rever seus procedimentos relacionados a assédio e discriminação.
Renúncia
Um outro caso envolveu a Texas Tech University. O biólogo Robert Baker foi acusado no ano passado de assediar alunas de graduação e pós-graduação por décadas e seu colega Lou Densmore, de convidar estudantes para festas sexuais em sua casa. No final do ano passado, o paleoantropólogo norte-americano Brian Richmond renunciou ao cargo de curador da seção de Origens Humanas do Museu Americano de História Natural, em Nova York, acusado de assédio a alunas e a colegas e de comportamento inapropriado em trabalhos de campo (ver Pesquisa FAPESP nº 251).

Erika Marín-Spiotta, professora de biogeoquímica na Universidade de Wisconsin-Madison, sustenta que o assédio sexual pode acabar com carreiras científicas. Ela lidera uma iniciativa de US$ 1,1 milhão financiada pela NSF, que irá levantar dados sobre a prevalência do assédio sexual nas geociências, campo do conhecimento em que as mulheres são 39% das alunas de graduação, mas menos de 20% das docentes e pesquisadoras. Marín-Spiotta, que desenvolveu um programa de treinamento obrigatório em sua universidade contra o assédio sexual, busca agora levantar estratégias que ajudem os cientistas a dar respostas e a prevenir o problema em laboratórios e salas de aula, e em pesquisas de campo. “Muitas vezes ouvimos que as pessoas simplesmente não sabem como reagir a casos de assédio”, disse ela à revista Nature. A pesquisadora espera que seu grupo consiga criar e implementar ferramentas nos próximos anos capazes de ajudar os membros do corpo docente a intervir de forma adequada em incidentes de assédio sexual envolvendo estudantes.

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