Aquietar a turbulência mental deflagrada em uma situação difícil é uma das pequenas grandes revoluções que podemos fazer para viver e trabalhar melhor
Por Cynthia de Almeida
20 nov 2017
Eu sofri por muitas catástrofes na minha vida, a maioria nunca aconteceu.” A frase é do escritor americano Mark Twain. Mas podia ser minha. Ou sua. Quanta ansiedade e sofrimento evitaríamos simplesmente nos livrando dos pensamentos que antecipam problemas e conflitos… que nunca acontecem. Ou, se acontecem, são menores e menos dramáticos do que supúnhamos. Aquietar a turbulência mental deflagrada diante de uma situação difícil é uma das pequenas grandes revoluções pessoais que podemos fazer para viver e trabalhar melhor. Não é fácil calar essa voz interna. Ou torná-la mais gentil. Trata-se, afinal, de um recurso de sobrevivência. O Homo sapiens desenvolveu a habilidade de associar eventos presentes e passados para imaginar (e se precaver de) consequências futuras.
Na vida moderna, a ferramenta de proteção da espécie virou combustível de ansiedade. No ambiente de trabalho, atinge principalmente as mulheres (que costumam ser implacáveis consigo mesmas) e é uma faísca para o burnout. “Quando colocamos a atenção no aqui-agora, interrompemos a espiral dos pensamentos que ampliam a tormenta emocional das situações difíceis e recuperamos a clareza para raciocinar”, afirma a jornalista e criadora de um programa de mindfulness Regina Giannetti. Mindfulness, explica, “é o estado de consciência em que você se coloca quando observa a sua experiência com atenção plena”. Em outras palavras, é o que você sente ao focar exatamente naquilo que está fazendo. “Imagine que cometeu um erro no trabalho”, diz Regina. “Nossa voz interna trata de antecipar revezes – o desapontamento do chefe, a perda de uma promoção ou bônus, o dano na imagem etc.” A escalada pode chegar até a demissão… imaginária. “O melhor é interromper a progressão dos pensamentos. Não julgá-los, não combatê-los, apenas deixá-los ir.” E voltar ao momento presente. “O que é possível fazer?” Se a resposta for nada, que seja nada então, página virada.
Aprender a deixar ir é um poderoso antídoto anti-stress, necessário em ambientes competitivos. Exige disciplina, comprometimento e autocompaixão. A prática diária, baseada nos princípios milenares da meditação, consiste em parar, sentar, respirar e permanecer, por certo tempo, como observador de si mesmo. Quanto mais nos dedicarmos a essa “malhação cerebral”, mais aprenderemos a identificar certos padrões. “Eu sempre penso nisso; por que reajo assim?” “Por que tal pessoa ou situação me deixa nervosa?” Reconhecer modelos negativos é o primeiro passo para mudá-los. Nisso se funda a neuroplasticidade, a capacidade da mente de se adaptar.
Um exemplo bem prático: se passo muito tempo com raiva ou medo, meu cérebro entende que essa área é superutilizada e, portanto, deve ser “adubada”. Em um processo chamado de poda sináptica, que acontece enquanto dormimos, a “jardinagem cerebral” se encarrega de estimular as áreas que estamos usando e de reduzir as que entende como “sem uso”. A poda não tem juízo de valor. Mas nossa consciência, sim. Ela nos leva à oportunidade de escolher como vamos nos comportar. Não é automático nem receita de bolo; é uma reflexão importante. Podemos optar por sofrer menos e trabalhar com mais leveza. E deixar ir o resto.
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