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sábado, 30 de março de 2019

A política sexual em janeiro e fevereiro de 2019

SPW
15 mar 2019
NO BRASIL
Observar a política brasileira in loco é como estar em um liquidificador tentando compreender o que se passa no turbilhão ao redor. O SPW está planejando uma análise abrangente e detalhada dos primeiros 100 dias do novo governo. Por ora, o que se pode dizer, resumidamente, é que prevalece a cacofonia, uma intensa política digital e eventos grotescos.  No entanto, para além da cortina de fumaça, decisões têm sido tomadas em consonância com as promessas eleitorais dos que hoje estão no poder: medidas extremas de liberalização e privatização, afrouxamento das regras de controle de armas de fogo, desregulamentação ambiental e diretrizes para erradicar a “ideologia de gênero” e impor restrições ao direito ao aborto.

Diferentemente do que afirmaram vários analistas, essas diatribes não eram retórica de campanha. Como se sabe, na cerimônia de posse, o presidente prometeu combater “a ideologia de gênero” e, antes disso, nomeou três ministros que têm essa mesma visão para áreas estratégicas: Relações Exteriores, Educação e o novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, cuja titular, afirmou que “menina veste rosa e menino veste azul” ao assumir o cargo. Dois meses mais tarde, em sua estreia na cena internacional, na 40a Sessão no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, defendeu o direito à vida “desde a concepção”, o que tanto repercutiu na mídia quanto foi objeto de questionamento por parte de organizações feministas e de direitos humanos.

Mas, numa retrospectiva dos dois primeiros meses deste governo, o evento de política sexual que teve repercussão visceral e imediata, tanto doméstica quanto internacionalmente, foi a postagem do presidente no Twitter, feita ao final do carnaval, que expôs um vídeo com imagens escatológicas para criticar a suposta “amoralidade inaceitável” de uma das manifestações culturais mais importantes do Brasil. Veja aqui uma compilação de notícias e análises, entre as quais chamamos atenção para os artigos de Sérgio Costa e Matias Spektor.

Mas houve muito mais a registrar. Pouco mais de um mês antes do episódio agora conhecido como “golden shower”, o deputado federal Jean Wyllys anunciou que ia renunciar ao mandato e deixar o paíspara o qual fora reeleito por efeito das sucessivas e cada vez mais agressivas ameaças de morte contra ele e sua família. A sua decisão foi celebrada publicamente pelo presidente, seu filho e por parte de seu eleitorado. Em relação a esse lamentável episódio, destacamos a nota emitida pela Conectas. Entretanto, houve muitos outros retrocessos e investidas conservadoras a registrar que não é possível analisar em detalhe, mas que estão compilados nesse rol de decisões regressivas e ameaças aos direitos sexuais e reprodutivos, inclusive no que diz respeito à liberdade de cátedra e expressão.

A disputa em torno da questão do aborto também já tinha se manifestado, com força, antes das posições expressas pela ministra em Genebra, após o vice-presidente declarar, no início de fevereiro, que, pessoalmente, defende a interrupção da gravidez como uma escolha pessoal. A declaração causou celeuma entre parlamentares que apoiam o governo (aqui e aqui). No final de fevereiro, após esses eventos, a cientista política Ilona Szabó foi desconvidada, a pedido do presidente, a ocupar posto de suplente no Conselho de Política Criminal e Penitenciária. A alegação inicial apontava para suas posições liberais na questão das drogas e sua oposição à flexibilização da posse de armas. Semanas depois, foi noticiado que a posição de Szabó favorável à descriminalização do aborto foi a causa principal.

Em meio a tantas sombras há, contudo, luzes. O STF finalmente iniciou o julgamento de duas ADOs que reclamam a responsabilidade do Estado frente à homofobia, com demanda de criminalização. Num contexto de tantos retrocessos e ameaças, a possibilidade de que a discriminação por orientação sexual e identidade seja definida como delito penal foi comemorada em muitos quadrantes. Contudo, inúmeras vozes também se fizeram ouvir chamando atenção aos vieses, limites e efeitos colaterais de privilegiar-se o recurso à lei penal como instrumento de erradicação da discriminação e violência baseada em sexualidade e gênero. Reunimos notícias e artigos sobre a matéria. No outro extremo deste espectro, um grupo de dezesseis parlamentares conservadores rapidamente introduziu um pedido de impeachment contra quatro juízes que votaram a favor das ações.

Por fim, cabe destacar que o carnaval se encerrou com a vitória da Mangueira na disputa das escolas de samba do Rio de Janeiro. O enredo da agremiação, dedicado aos heróis e heroínas esquecidos dos discursos e páginas oficiais, notabilizou-se pela crítica às narrativas hegemônicas e prestou uma bela homenagem à Marielle Franco (aqui e aqui), vereadora cujo assassinato completa um ano neste mês de março e cujas investigações acabam de identificar dois ex-policiais militares que seriam o assassino da vereadora e o motorista do carro envolvido no atentado (saiba mais aqui e aqui).

AO REDOR DO MUNDO
Direito ao Aborto
América Latina
Na Argentina, os lenços verdes voltaram às ruas para celebrar o primeiro aniversário da tentativa de reforma da lei de aborto de 2018, iniciando um novo ciclo de protestos para pressionar por um novo projeto de lei.

No México, Dafne McPherson, presa em 2015 por aborto espontâneo e cuja detenção ganhou a imprensa em 2017, foi finalmente liberada. A Corte Criminal de San Juan del Rio, do estado de Querétaro, não encontrou evidência de que ela tenha cometido a prática. Em El Salvador, três mulheres condenadas pela lei draconiana de aborto do país foram soltas.

Europa
Leis de aborto antigas estão sendo reformadas. Na Alemanha, a revisão de uma lei do período nazista que proibia médicos de anunciar serviços de aborto foi aprovada pelo gabinete da primeira-ministra Angela Merkel e depende agora de sanção final do Parlamento (saiba mais em inglês). Na Ilha do Homem (Reino Unido), um projeto de lei permitindo aborto até a 14ª semana (e em estágio avançado em circunstâncias específicas) recebeu a sanção real em janeiro (saiba mais em inglês). Na Irlanda do Norte, um bastião de restrição ao direito ao aborto, uma mulher entrou com ação constitucional na Corte Suprema de Belfast demandando que a proibição do aborto seja derrubada (em inglês). E o Brexit foi capturado pela política do aborto porque o jornal britânico Metro noticiou as dificuldades que mulheres norte-irlandesas podem vir a enfrentar diante das novas regras no controle de fronteiras caso a saída do Reino Unido da União Europeia seja concretizada (em inglês).
Estados Unidos
A Suprema Corte suspendeu uma lei do estado de Louisiana que visava reduzir o número de clínicasautorizadas a realizar abortos a somente uma em todo o território. A decisão favorável foi recebida com receio pois ela emite sinais contraditórios considerando a nova composição da Corte agora com Kavanaugh, que ameaça a decisão federal Roe v. Wade. (veja uma compilação em inglês).
Pelo mundo
A Campanha Internacional pelo Direito ao Aborto Seguro (ICWRSA) endereçou uma carta  (saiba mais em inglês) à Organização Mundial da Saúde requisitando que a agência responsável por Saúde Materna e Prevenção de Aborto Inseguro incluísse em sua lista de medicamentos essenciais a combinação de mifepristone e misoprostol.
Política anti-gênero e temas relacionados
Europa e Canadá
Na Hungria, onde a política anti-gênero já está bem estabelecida, o Primeiro Ministro Viktor Órban anunciou a criação de uma política de incentivo a fim de aumentar a baixa taxa de fecundidade do país. Será oferecida isenção fiscal completa a mães de quatro ou mais filhos. O jornal Washington Post, na ocasião dessa medida, analisou as históricas falhas de políticas semelhantes.

Na Universidade de Vries, na Holanda, um professor de teologia, que tem conexões com a direita religiosa dos EUA, comparou (saiba mais em inglês) a “ideologia de gênero” ao nazismo. As boas notícias vêm da Espanha, onde o status de entidade de utilidade pública da ONG Hazte Oír (que originou a plataforma global CitizenGo) foi suspenso. Em claro contraste, a província de Ontario, no Canadá, retirou a educação sexual para pré-adolescentes (que continha conteúdos sobre diversidade sexual) do currículo de escolas públicas e criou uma linha de denúncia para pais delatarem professores que continuem a abordar esses temas, como relatou o portal openDemocracy (em inglês).
América Latina
Enquanto isso, no México, a promessa de uma administração progressista sob o novo presidente López-Obrador é definitivamente nebulosa. O governo republicou a Cartilha Moral, originalmente publicada em 1944, que evoca o “retorno aos valores familiares, culturais e espirituais” como a melhor forma de resolver a “crise moral” do país. Em seguida, também foi anunciado o corte de financiamento de creches rurais, provocando imediato protesto de organizações feministas.

Neste contexto de intensifucacão das política  anti-gênero desde janeiro de 2018 o SPW desenvolve uma iniciativa de pesquisa e ação sobre política anti-gênero na América Latina: o projeto Género & Política en América Latina (G&PAL) – acesse o repositório de publicações. No escopo desta nova linha de trabalho, uma reunião internacional foi realizada entre 28 de janeiro e 2 de fevereiro de 2019 na Fundação Escola de Sociologia de São Paulo. Leia mais.

Também merece destaque o lançamento do documentário Gênero sob Ataque – produzido pelo CLACAI e dirigido por  Jerónimo Centurión — em Florianópolis num debate de que participaram, entre outras,  as professoras Sonia Alvarez e  Marlene Faveri, essa última vítima de um dos casos mais virulentos de ataque contra gênero e feminismo na academia brasileira.
Direitos LGBTTI
Estados Unidos
Um evento que exige muita atenção e reflexão crítica em relação aos direitos LGBTTI + em todo o mundo é o anúncio feito pela administração Trump de que lançará uma campanha para descriminalizar a homossexualidade globalmente. O principal alvo declarado da nova política é, sem surpresa, o Irã. Este gesto desvia a atenção da crise em que a administração está imersa e é também uma ilustração clara de homonacionalismo e pinkwashing. O SPW organizou uma compilação de artigos de imprensa e análises sobre o anúncio em inglês.

Para verificar a natureza farsesca da iniciativa de Trump, basta olhar para o retrocesso atualmente em curso nos EUA sobre os direitos relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero. No dia 24 de janeiro, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos emitiu uma dispensa que permite agências de adoção religiosas no estado da Carolina do Sul discriminar por objeção religiosa, afastando possíveis pais que são LGBTTI ou não-cristãos. Um pouco mais tarde, a Suprema Corte reconheceu o direito da administração federal de proibir as pessoas transgênero das forças armadas (verifique uma compilação de notícia e análises sobre o assunto em inglês).

Mas pelo menos uma boa notícia deve ser relatada. Os democratas assumiram o controle da Assembleia Legislativa de Nova York pela primeira vez em dez anos, e o Senado aprovou imediatamente duas leis extraordinárias em relação à diversidade sexual e à identidade de gênero: a proibição de “terapia de conversão” para menores e a Lei de Não Discriminação de Expressão de Gênero, que acrescenta a identidade de gênero como uma classe protegida sob as leis estaduais contra discriminação e crimes de ódio.
África
Em Angola, uma esperada reforma do Código Penal que data da era colonial derrubou a lei que criminalizava a homossexualidade e em seu lugar uma disposição foi aprovada para criminalizar a discriminação baseada na orientação sexual (aqui e aqui). A reforma foi elogiada (saiba mais em inglês) pelo Especialista Independente da ONU sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero. Também da Human Rights Watch, Neela Goshal (em inglês) destacou o desafio à frente em termos de transformar a opinião pública sobre o assunto para além das mudanças no arcabouço legal. No Quênia, no entanto, para a grande decepção de ativistas, a decisão final do Supremo Tribunal Federal em um processo aberto em 2016 pedindo a descriminalização da homossexualidade foi adiada.
Ásia
O Lok Sabha, a Câmara Baixa do Parlamento indiano, aprovou o projeto de lei sobre direitos das pessoas trans no dia 17 de dezembro de 2018. Essa disposição tem sido altamente criticada (saiba mais em inglês) por grupos trans e ativistas LGBTTI+. Em Délhi, a sociedade civil foi às ruas protestar (em inglês) contra a decisão e o Coletivo de Advogados, o grupo de litígio público liderado por Anand Grover (ex-Relator da ONU para o direito à saúde) emitiram uma declaração (em inglês) avaliando a lei como “regressiva, falha e contrária aos direitos” (leia um relatório completo publicado em inglês no The Daily Beast).

Por outro lado, a decisão da Suprema Corte da Índia de 2018 de descriminalizar as relações entre pessoas do mesmo sexo está motivando movimentos semelhantes em países vizinhos. Em Cingapura, uma demanda (em inglês) foi enviada à Suprema Corte pedindo que seja excluída a linguagem que faz menção a “atos não-naturais” no Código Penal para se referir à diversidade sexual. Arvind Narrain, da organização Arc International, relatou (em inglês) como a decisão indiana sobre a seção 377 também está inspirando ativistas LGBTTI + em Mianmar a contestar disposições similares em estatutos criminais.

De forma contrária, o Supremo Tribunal Federal do Japão confirmou a constitucionalidade da lei que exige que as pessoas trans sejam esterilizadas antes de mudar sua identidade legal de gênero. E, lamentavelmente, episódios de repressão às pessoas LGBTT + na Indonésia continuam (saiba mais em inglês) a ser relatados na Indonésia.
América Latina
Desde o início de 2018, em Cuba, forças católicas e evangélicas lançaram campanha contra a definição do casamento como a união entre duas pessoas na nova constituição. Depois de idas e vindas, o tema foi retirado do texto. A nova Carta Magna foi aprovada em referendo no final de fevereiro, proibindo a discriminação contra pessoas LGBT, mas outorgando a uma nova votação popular a decisão sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que reflete o crescente poder e influência de forças religiosas na política cubana.
Europa
O Parlamento Europeu adotou resolução histórica, seguindo a adoção em 2017 de resolução semelhante pelo Conselho Europeu, em favor dos direitos das pessoas intersex, defendendo o direito à integridade corporal. Na Alemanha, a norma que garante o direito legal a “outro gênero” na certidão de nascimento entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2019. No entanto, ativistas argumentam que há ainda diversos desafios (saiba mais em inglês) na luta pela despatologização das pessoas intersexuais.
Na Chechênia, no entanto, novos episódios de repressão às pessoas LGBTTI+ também continuam a ser relatados.
Política do Vaticano 
Outros escândalos sexuais atingiram em cheio a Igreja Católica, obrigando o Papa Francisco a reconhecer, inclusive, a existência de escravidão sexual praticada por clérigos. Em meio à histórica visita do Pontífice aos Emirados Árabes Unidos, o ex-cardeal norte-americano Theodore McCarrick, acusado de abuso sexual de menores, foi expulso da Igreja. Logo em seguida, um livro escrito por um jornalista francês foi lançando, descrevendo uma cultura gay disseminada no interior do Vaticano. Simultaneamente, a Santa Sé reconheceu que possui um documento com instruções sobre como lidar com padres que têm filhos. Por fim, enquanto este anúncio estava em fase final de produção, a justiça australiana condenou a seis anos de prisão o ex-cardeal George Pell, que já foi o número 3 na hierarquia da Igreja, por abuso de menores (aqui e aqui). Reunimos, em inglês, uma compilação que abrange tais escândalos e eventos. No âmbito interno, não podemos deixar de noticiar que acusações de abuso sexual de menores também atingiram clérigos brasileiros, com especial destaque para o escândalo no interior de São Paulo, cuja extensão vai além da violência sexual e envolve, segundo as acusações, delitos financeiros. Também chamamos atenção para as acusações feitas pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral (atualmente em prisão por condenação de corrupção), contra o arcebispo da Arquidiocese do Rio, Dom Orani Tempesta. De acordo com Cabral, Dom Orani teria ligações com o desvio de R$ 52 milhões em contratos de hospitais administrados pela Igreja (aqui e aqui).
Direitos de trabalhadores sexuais
A Rede de Trabalhadoras Sexuais lançou uma nova ferramenta: um mapa global sobre leis de prostituição. Confira aqui (em inglês).
#MeToo
A onda do #metoo continua sua marcha. Uma série de acusações de assédio atingiu o ex-presidente da Costa Rica e Nobel da Paz Óscar Arias.
HIV/Aids
A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) manifestou repúdio aos ataques e a intenção de censura e recolhimento feitos pelo presidente da República contra uma cartilha de saúde e educação sexual voltada para adolescentes.

No contexto da crise profunda na Venezuela, ONGs que oferecem serviço de HIV/Aids foram alvo de ataques por forças do regime Maduro, voltados a impedir o acesso ao país da mobilização humanitária internacional que se formou ao longo de fevereiro. O Conselho Latino Americano e Caribenho de ONGs com Serviço de HIV / AIDS (LACCASO) repudiou os ataques.
Recomendamos
Anti-feminismo e resposta coletiva – Clare Hemmings (London School of Economics)
Aids ainda é uma grave ameaça no Brasil – Laura Greenhalgh – Valor Econômico
Boletim Conectas -Fevereiro 2019
Sexualidade e Arte
Onde o amor é ilegal – The New Yorker

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