Pensar na responsabilização e no papel ativo de homens na criação não só dos seus filhos, mas das crianças de forma geral, é um aspecto importante no debate de masculinidades.
Caio Cesar
14 de Março de 2019
Minha mãe sempre dizia uma frase na nossa casa que, após eu me inteirar sobre o debate de masculinidades e, principalmente, no meu exercício como professor, passou a fazer mais sentido para mim.
"No lugar que a gente vive, não dá pra ser mãe só dos nossos filhos, precisa ser mãe dos filhos dos outros também.”
Pensar na responsabilização e no papel ativo de homens na criação não só dos seus filhos, mas das crianças de forma geral, é um aspecto importante no debate de masculinidades. O Brasil tem hoje mais de 10 milhões de mães solo e mais de 5,5 milhões de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento.
Os dados sobre abandono parental já deveriam ser o suficiente para nos fazer falar sobre o assunto, mas eu quero ir além.
Quero falar sobre o impacto positivo que você, enquanto homem, pode exercer na vida de outras crianças, principalmente outros meninos.
O podcast 185 do “Mamilos”, intitulado “A Nova Tradicional Família Brasileira” e o podcast 003 do “MEMOH”, intitulado “Ausência Paterna”, trazem boas perspectivas sobre isso.
No primeiro, há um relato muito comovente de uma mãe solo sobre as angústias que o seu filho traz sobre a ausência do pai na vida dele e como, após algumas tentativas frustradas, ele prefere convidar o avô para as festas da escola.
"Em todos os dias dos pais na escola era o meu pai que ia com o meu filho, exceto o dia dos pais em que meu filho foi registrado. Agora um contato entre pai e filho tinha sido estabelecido e o pai tinha prometido ir na festa do dia dos pais. Meu filho, todo contente, pintou uma caneca na escola, com um boneco parecido com o pai, criou a expectativa de que o pai, finalmente, iria na escola dele e ele poderia entregar o presente, apresentar o pai pros amiguinhos.Mas o pai não apareceu.E eu tive que ver o meu filho triste, entregando pro avô uma caneca que tinha o retrato do pai. Depois disso, meu filho nunca mais chamou o pai pra evento nenhum. Eu até perguntava, nos primeiros anos, mas ele sempre dizia que preferia o avô." — Depoimento anônimo
No segundo, o do MEMOH sobre Ausência Paterna, muito se comentou sobre como a ausência do pai foi preenchida por outras figuras masculinas, que nos orientaram sob diversos aspectos e o quanto isso pode ser uma prática mais estimulada entre nós.
"Partindo do ponto de vista social do conceito de família, nem todas as famílias são formadas por um pai e uma mãe. Tem famílias com dois pais. Tem famílias com duas mães. Mas se for pela ausência de uma figura masculina ou feminina, essa referência pode ser substituída por uma outra pessoa do mesmo gênero." — Marina Gerk
Por compartilharmos experiências sociais semelhantes, nós homens, nos entendemos com mais facilidade uns com os outros – assim como acredito que mulheres entendem melhor suas questões, pelo mesmo motivo. Uma ausência paterna, nesse sentido, é extremamente ruim. A boa notícia é que, apesar da ausência que se estabelece, esse espaço pode ser preenchido de forma positiva.
Você tem sobrinhos? Tem afilhados? Irmãos mais novos? Alunos? Netos? Primos mais novos? Seus amigos ou amigas têm filhos?
Que tipo de presença ativa você na tem na vida deles, como homem? Quais ensinamentos, reflexões, diálogos e conselhos você pode dar para essas crianças? Que rede de apoio, entre homens, podemos estimular nesse sentido?
Se pensarmos no triste caso do atentado que ocorreu na escola em Suzano, São Paulo, há indícios de que a ausência familiar e a falta de uma rede de apoio podem tê-los privado de uma orientação positiva na vida.
E, também, podemos perceber o quanto os fóruns que eles participavam podem ter funcionado como uma rede de apoio em um sentido ruim, de pessoas que estão ali para reforçar padrões nocivos de masculinidade, ética e moral, com o potencial de culminar em ataques em massa ou suicídios.
A gente está falando de homens que desenvolvem mal uma série de questões, sobre autoestima, violência, empatia e sentimentos. Que não encontram um lugar seguro ou pessoas de confiança para conversar sobre o que sentem.
Mas que, por algum acaso, acabam encontrando nesses grupos uma rede que os acolhe e dá um senso de propósito, ainda que extremamente deturpado.
Por que não estamos construindo espaços positivos pra esses homens que se sentem excluídos, abandonados pela família, pela escola e sem amigos?
É preciso que não mais aceitemos a concepção de que o cuidado dos filhos ou das crianças é uma tarefa apenas da mãe ou da mulher. Temos de compreender a importância da participação masculina, mas pra isso precisamos entender, primeiramente, que nossa construção como homens é única, que temos coisas a ensinar e que essa presença pode ser feita de forma positiva.
Acredito que, dessa forma, criaremos crianças mais saudáveis, em comunidade e com o apoio de todos, e contribuindo para uma sociedade mais justa.
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