Janaina de Santana Ramon
Sexta-feira, 29 de março de 2019
Durante séculos, graças a uma cultura de origem patriarcal e machista, reforçada até hoje com gracejos do tipo “dei uma fraquejada e veio uma mulher”, os homens se enxergam superiores às mulheres, exigindo-lhes total submissão, ainda que imposta mediante violência extrema e covarde, subjugando-as física e moralmente, até finalmente as matar pelos motivos mais absurdos, injustificáveis e não raras vezes banais.
Essa visão, no entanto, tem sido cada dia menos aceita pela sociedade, cujos casos extremados apresentados na mídia de violência contra a mulher geram enorme repercussão, indignação e desejo de punições firmes, tornando um problema ocorrido “entre quatro paredes” numa questão de ordem pública.
Essa visão, no entanto, tem sido cada dia menos aceita pela sociedade, cujos casos extremados apresentados na mídia de violência contra a mulher geram enorme repercussão, indignação e desejo de punições firmes, tornando um problema ocorrido “entre quatro paredes” numa questão de ordem pública.
Assim, as mulheres passaram a exigir cada vez mais que as autoridades e os órgãos formadores de opinião adotassem medidas protetivas contra a violência de gênero, no qual temos na figura emblemática da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes seu maior símbolo, eis que ela lutou bravamente pelo reconhecimento da displicência do país em punir seu ex-marido, o professor universitário de economia Marco Antônio Herédia Viveiros, de quem apanhou, sofreu duas tentativas de homicídio e, por fim, a deixou paraplégica, mas que teve como consequência, após diversas manobras jurídicas, apenas uma condenação efetiva de dois anos de prisão, gerando assim uma comoção de ordem internacional que levou ao reconhecimento da negligência do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, com o respectivo pagamento de indenização a Maria da Penha e posterior criação de uma das leis protetivas mais reconhecidas e elogiadas no mundo de combate à violência contra a mulher: a Lei 11.340/2006, nomeada, em justa homenagem, de “Lei Maria da Penha”.
Essa lei acarretou num maior número de punições de agressores, mas nem de longe resolveu a questão da violência contra a mulher, no que aprovou-se posteriormente a Lei 13.104/2015, criando formalmente o crime de feminicídio e o colocando no rol taxativo de delitos considerado hediondos.
Contudo, a grande guinada que levou a um enorme resultado na luta em favor das vítimas foi a tecnologia. Celulares passaram a gravar a violência, transmitindo-as em redes sociais, tornando assim a Internet uma aliada das mulheres para denúncias e gerando comoção social em torno do problema, sendo que, atentos a tais denúncias nas redes, a divulgação da violência foi se afastando das aparições em programas televisivos de conteúdo apelativo ou envolvendo famosos, para grandes canais jornalísticos de enorme seriedade e reconhecimento que, além da violência em si, passou a publicar dados estatísticos que mostravam a seriedade e gravidade das agressões, além de sua expressiva ocorrência.
Isto fez com que as mulheres não denunciassem a violência apenas nas delegacias, mas na web e na mídia, de maneira nua, crua, a cores e em tempo real, tornando a divulgação um pedido de socorro público e sonoro a ponto de despertar a coragem de outras mulheres para novas denúncias e a exposição massiva dos agressores, muito mais efetiva do que a ação policial era até então.
Aliado ao enorme papel da comunicação, entidades de renomado prestígio e influência no país passaram a adotar posição firme contra a violência, exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil, que por meio de sua Comissão da Mulher Advogada do Conselho Federal, divulgou súmula aprovada em 18 de março de 2019, na qual proíbem bacharéis condenados em casos de violência doméstica contra mulheres, crianças e deficientes, de obter a inscrição na Ordem, afirmando que envolvidos neste tipo de agressão não tem idoneidade moral para advogar, conforme teor abaixo:
“Súmula da Ordem dos Advogados do Brasil:
Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Inidoneidade moral. A prática de violência contra a mulher, assim definida na “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – ‘Convenção de Belém do Pará’ (1994)”, constitui fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel de Direito nos quadros da OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise de cada caso concreto.”
Outro exemplo veio da empresária Luiza Helena Trajano, dona da loja Magazine Luiza, gigante do varejo que criou um serviço de disque-denúncia dentro da empresa, para que suas funcionárias possam denunciar e receber apoio jurídico e psicológico, informando assim os crimes às autoridades policiais. Sua percepção dessa necessidade surgiu, infelizmente, quando uma de suas funcionárias sofreu feminicídio.
O Poder Público também não quedou-se inerte, sendo certo que diversos projetos de leis punitivas começaram a surgir no país com a mesma proposta básica: a de que cargos comissionados no âmbito da administração pública direta e indireta sejam vedados a agressores condenados pela Lei Maria da Penha, dos quais destacamos a já aprovada no Rio de Janeiro e outras ainda em tramitação:
– No Rio de Janeiro o governador Wilson Witzel sancionou no último dia 07 de março de 2019, um antes do Dia Internacional da Mulher, a lei estadual nº 8301/2019, que veda a nomeação para cargos em comissão de pessoas que tenham sido condenadas pela Lei Federal nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, cujo projeto de lei foi de autoria da Enfermeira Rejane (PC do B) e do ex-deputado Dr. Julianelli;
– na Assembleia Legislativa de Pernambuco, encontra-se em votação o projeto de lei nº 56/2019, de autoria da deputada Alessandra Vieira (PSDB), que pretende impedir que agressores condenados pela Lei Maria da Penha ocupem cargos comissionados em Pernambuco;
– o deputado estadual Reginaldo Sardinha (Avante) protocolou o projeto de lei nº 223/2019, que proíbe a nomeação de pessoas que tenham sido condenadas pela Lei Maria da Penha em cargos comissionados da administração pública do Distrito Federal (Brasília);
– a vereadora Juliana Fraga (PT) apresentou projeto de lei 90/2019 para vedar a nomeação de cargos comissionados de condenados na Justiça por atos previstos na Lei Maria da Penha no âmbito da administração pública do município de São José dos Campos;
– o deputado estadual Garibalde Mendonça (MDB) apresentou o Projeto de Lei nº 34/2019, que proíbe a nomeação para cargos em comissão de pessoas que tenham sido condenadas pela Lei Maria da Penha no âmbito do Estado de Sergipe;
– entrou em tramitação agora em 2019 o projeto de lei 2019/00076, apresentado pelo vereador Emilson Pereira (Podemos) para proibir a nomeação de pessoas que já tiverem sido condenadas pela Lei Maria da Penha para qualquer cargo comissionado da administração pública municipal de Goiânia;
– o vereador Deybson Bitencourt (PDT) protocolou projeto de lei, segundo ele inspirado pelo Rio de Janeiro, para vedar a nomeação para cargos em comissão de pessoas que tenham sido condenadas pela Lei Maria da Penha no âmbito do município de Umuarama;
– o deputado estadual Ulysses Moraes (DC), apresentou projeto de lei propondo a vedação de nomeações de pessoas que tenham condenação com base na Lei Maria da Penha para cargos comissionados na administração pública do Mato Grosso;
– O deputado federal Sandro Pimentel (PSOL) apresentou projeto de lei que veda nomeação para cargos comissionados na administração pública do Rio Grande do Norte, de pessoas condenadas por violência de gênero, como em casos de violência doméstica, no âmbito da Lei Maria da Penha;
– foi apresentado projeto de lei pelo vereador Claudio Henrique Donatoni (PSDB), para vedar a nomeação para cargos comissionados de condenados pela Lei Maria da Penha na administração direta e indireta, bem como em todos os órgãos municipais da prefeitura de Cáceres/MT;
– o deputado estadual Coronel David (PSL) apresentou projeto de lei que veda a nomeação em cargos efetivos ou em comissão no Estado do Mato Grosso do Sul de pessoas que tenham sido condenadas pela Lei Maria da Penha, abrangendo os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como a administração pública direta e indireta, que compreende também as autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades paraestatais;
– o deputado estadual Dr. Hélio Oliveira (PR) apresentou, na Assembleia Legislativa, projeto de lei que prevê a proibição de nomeação, no âmbito da Administração Pública direta e indireta, bem como em todos os demais poderes do Estado do Piauí, para todos os cargos em comissão de livre nomeação e exoneração, de pessoas que tiverem sido condenadas nas condições da Lei Maria da Penha;
– a vereadora Joelna Holder (MDB) protocolou projeto de lei que veda a contratação de pessoas em cargos comissionados no âmbito da administração direta e indireta, autárquica e fundacional no município de Porto Velho, que tenham sido condenadas pela Lei Maria da Penha;
– a vereadora Josy Seixas (PR) apresentou projeto de lei que veda a nomeação para cargos em comissão ou de confiança, assim como de função gratificada na administração pública, de pessoas que tenham sido condenadas pela Lei Maria da penha, no âmbito do município de Oriximiná;
– o vereador Marcelo Sgarbossa (PT) apresentou projeto de lei nº 253/2015 para proibição de contratação de pessoas condenadas, com sentença transitada em julgado, por crimes previstos na Lei Maria da Penha, em órgãos municipais de Porto Alegre;
– o vereador Isac Hamilton da Costa (PR), apresentou projeto de lei que visa proibir a contratação de condenados pela Lei Maria da Penha na Prefeitura e Câmara da cidade de Penha;
– o vereador Bruno Cunha (PSB), apresentou projeto de lei que veda a contratação pela administração pública de pessoa condenada pela Lei Maria da Penha junto ao Poder Público de Blumenau, destacando que o pedido vale apenas para cargos comissionados, sendo certo que o projeto irá para análise da Comissão de Constituição e Justiça, cujo presidente é o vereador Jovino Cardoso Neto (PROS), que recentemente teve contra si uma medida restritiva imposta pela Justiça – pasme-se! –, justamente com base na Lei Maria da Penha;
Ou seja, tirando a excepcionalidade aberrativa em Blumenau, muitas cidades e estados têm demonstrado real interesse em criar leis de proteção às mulheres, mas agora atingindo a parte sensível no ditado popular, qual seja, “o bolso”, não permitindo a contratação de agressores condenados para cargos comissionados, o que só engrandece as discussões.
Outra medida louvável foi a adotada pelo Poder Judiciário do Mato Grosso do Sul, denominado “Mãos EmPENHAdas Contra a Violência”, que capacita trabalhadores de salões de beleza (cabeleireiras, manicures, depiladoras) para reconhecer nas clientes traços de violência doméstica e familiar, passando-lhes informações construtivas e seus direitos que estão na Lei Maria da Penha a fim de que elas criem coragem para denunciar o agressor e que medidas punitivas sejam adotadas.
Além destas providências incríveis, é essencial também estruturar redes de apoio que viabilizem o atendimento e alternativas de mudança de vida para as mulheres agredidas, articulando atendimentos especializados no âmbito da saúde, justiça, segurança pública, rede sócio assistencial e promoção de autonomia financeira, já que muitas dessas mulheres são dependentes economicamente de seus agressores.
Só temos a elogiar a presença desses aliados, pois já passou da hora de todo mundo meter a colher e todos os demais talheres nessa luta, lembrando e reforçando sempre que a culpa nunca é da vítima e as mulheres merecem proteção.
Janaina de Santana Ramon é advogada e membra do grupo de Diversidades e Direitos do escritório Crivelli Advogados.
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