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terça-feira, 19 de março de 2019

Protagonismo dos alunos, uma chave para reduzir a violência escolar



Alunas colocam suas impressões digitais em uma parede na Escola Estadual Raul Brasil, palco de um massacre praticado por dois ex-alunos.
Alunas colocam suas impressões digitais em uma parede na Escola Estadual Raul Brasil, palco de um massacre praticado por dois ex-alunos.  AP
Nos últimos 17 anos, pelo menos nove escolas se converteram em cenário de atos extremos de violência no Brasil — o último deles foi o massacre de Suzano, que deixou dez mortos na semana passada nesta cidade da região metropolitana de São Paulo. Os casos são o estopim de um problema grave, presente cotidianamente em escolas públicas de todo o país: a violência física e simbólica que dificultam a boa convivência escolar. Segundo especialistas, é um ciclo difícil de ser rompido quando ainda se tem uma comunidade escolar que busca soluções na imposição da autoridade e instituições que precisam oferecer mais que os conteúdos da grade curricular. Faltam espaços institucionais para que os estudantes se expressem, apontam. Essa ausência, somada à dificuldade que eles têm para resolver conflitos por meio do diálogo, é vista como pólvora em um ambiente já hostil.

"Infelizmente, a gente tem escutado pouco os alunos nas escolas", diz a especialista em psicologia escolar e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), Luciene Tognetta. Ela explica que os estudantes são os atores que têm maiores condições de identificar situações de conflito no ambiente escolar, mas que para isso precisam ser  encorajados a falar através de ações que os tornem mais assertivos, já que a maioria deles responde a situações de conflitos com submissão ou agressividade. Há alguns anos, analisando dados com resultados das provas do Enem entre 2001 e 2008, Tognetta questionou: será que os jovens brasileiros sabem resolver problemas e conflitos? Para responder a essa pergunta, ela se debruçou especialmente sobre a prova de redação, que avalia cinco competências: o domínio da norma culta da língua; a compreensão da proposta da redação; a organização e interpretação de informações e defesa de um ponto de vista; o domínio dos recursos linguísticos para a construção do argumento; e a elaboração de proposta de intervenção com respeito aos direitos humanos.
A quinta competência é justamente aquela que, para a pesquisadora, mede a capacidade do aluno propor uma solução para um problema ou conflito em questão. No período avaliado, 14,5 milhões de provas foram validadas, e as notas da quinta competência estavam abaixo de 50 na avaliação que ia de 0 a 100. A pesquisadora concluiu que os alunos até iam bem nas primeiras competências, mas falhavam na última — o que aponta a dificuldade deles em resolverem conflitos a partir de práticas democráticas como o diálogo.
O estudo foi concluído há alguns anos, mas para a pesquisadora, a situação não melhorou na maioria das escolas públicas brasileiras. "Cada vez mais esses meninos estão mostrando que a situação não mudou — e não é falando porque não há espaço institucional para falar. Eles mostram com o aumento dos conflitos e das manifestações perturbadoras dentro da escola", afirma Tognetta, que defende a necessidade de a escola avançar em metodologias mais ativas e conectadas à realidade dos alunos. "Temos índices hoje de violências extremas, tivemos o caso de Suzano agora. Essas violências não são culpa da escola, mas são responsabilidade da escola como instituição formadora", diz.
A escola e as pastas de Educação, aponta a pesquisadora, não têm conseguido dar conta da organização de políticas públicas para enfrentar o problema. Tognetta lembra que o Brasil já tem uma lei antibullying e que o aprendizado do aluno para a convivência e a solução de conflitos já está presente na Base Nacional Curricular em vigor, mas que os gestores e a comunidade escolar ainda não conseguem implementar ações efetivas. "Nós temos as leis, mas não sabemos como fazer. Os professores continuam sendo formados na sua graduação com apostilas das disciplinas básicas e não com a necessidade de se pensar os problemas e as informações que mudam a cada segundo", afirma.
Tognetta defende a implantação de políticas públicas na escola que coloquem o aluno como protagonista, com um programa que abra espaço para que eles possam se expressar. "Esse programa tem que ser entendido pelos professores como tão importante quanto qualquer outra disciplina do currículo. Existem maneiras de reduzir os casos de violência nas escolas, com redes de apoio", diz. Nesse sentido, há resultados positivos de ações implantadas pontualmente em algumas escolas. Essas instituições vem conseguindo avançar na perspectiva de conseguir pensar a formação desses alunos com a proposição de intervenção aos problemas cotidianos na escola, que é a implantação de redes de apoios lideradas pelos próprios estudantes.

Equipes de ajuda, o jovem no centro da solução dos conflitos

Um exemplo é o projeto Equipes de Ajuda, implantados pelo Gepem em algumas escolas de São Paulo. A pesquisadora Telma Vinha, que também integra o grupo, explica que a ação visa o acolhimento dos alunos pelos próprios pares. Os integrantes são escolhidos pela própria turma, que mapeia os conflitos da sala e discute quais valores estão faltando. Os debates são semanais e incluem uma conversa sobre quem na comunidade escolar é mais adequado para solucionar cada tipo de conflito. "Quando são pequenos, os alunos contam os problemas para os adultos, mas isso muda quando eles vão crescendo. A interferência dos adultos nesta fase de adolescência nem sempre é efetiva", explica Vinha.
Os alunos escolhidos para integrar as Equipes de Ajuda recebem formação para aprender a identificar conflitos e saber quando encaminhá-los aos adultos. Faz parte do papel deles observar quem fica excluído no recreio ou quem apresenta problemas. "Os adultos não conseguem identificar quem tem depressão na escola, quem se automutila, quem que nas redes sociais está postando que está armado. Mas eles sabem e aprendem a lidar com essas questões, além de pedir ajuda em casos mais graves", diz a pesquisadora. Além disso, algumas escolas realizam assembleias para que os próprios alunos possam falar e discutir os problemas de convivência e os conflitos coletivos internos, buscando eles próprios soluções para melhorar o clima escolar. "Como eu me sinto na escola? Me sinto apoiado? Me sinto só? Com esse dado, a escola pode estudar formas de melhorar", defende Vinha.
Luciene Tognetta diz que esse tipo de ação, na qual se criam espaços institucionais para que o aluno possa falar, tem dado resultados a longo prazo. "Eles conseguem se sentir mais seguros, ter mais amigos, ter uma relação melhor com professores", argumenta. Mas esse tipo de política é aplicada de forma pontual nas escolas, que em geral não costumam ter programas consolidados para a solução de conflitos. A questão, porém, pode ganhar mais atenção a partir deste ano, já que conflitos e segurança poderão contar pontos na avaliação de escolas, segundo a Agência Brasil. No Documento de Referência do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), elaborado em dezembro do ano passado, foi incluído um novo critério de avaliação das escolas: o chamado clima escolar, que vai considerar se houve ou não conflitos nas escolas e situações de intimidação entre alunos.

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