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sexta-feira, 22 de março de 2019

Uma nova mulher?

Lidia Aratangy fala sobre as expectativas de perfeição irreais que recaem sobre as mulheres (Foto: Getty Images)

Em sua coluna desta semana, Lidia Aratangy analisa as conquistas das mulheres ao longo dos anos e o peso das expectativas irreais que recaem sobre elas

21.03.2019 - POR LIDIA ARATANGY

A mudança da posição da mulher dentro da sociedade talvez seja o fenômeno social mais revolucionário de nosso tempo. O processo ainda está em andamento, mas o poder masculino, antes absoluto, está em retração. Na batalha pela simetria, a mulher passou de uma posição de total submissão ao jugo masculino a posições de projeção e comando, não só nas empresas como na política.  Mas mitos antigos não foram derrubados. No mercado de trabalho, a discriminação das mulheres ainda é patente: no Brasil em pleno século XXI, a remuneração das mulheres ainda é consistentemente menor do que os salários masculinos, apesar da diferença de escolaridade em favor das mulheres; e a escala de promoção das empresas privilegia os homens, com o pretexto de que as mulheres têm menos dedicação ao trabalho, ainda que essa pretensa postura não se reflita nos resultados.

Nossa cultura ainda não se modificou o suficiente para contemplar de forma justa os casais em que ambos os parceiros têm uma carreira a zelar. A dedicação à vida profissional pressupõe que alguém se dedique à vida doméstica — e isso ainda recai sobre a mulher. Ainda me revolto quando percebo que o trabalho doméstico é de tal forma desqualificado que sequer é considerado trabalho por quem o executa. Quando, no trabalho do consultório, pergunto a uma mulher em que ela  trabalha, em geral ela responde que não trabalha, é “apenas” dona de casa.


Há poucas gerações, uma mulher casada só exercia um trabalho remunerado se fosse para ajudar a equilibrar o orçamento doméstico, enquanto o marido “não se estabilizava financeiramente”, isto é, ainda não se tornara um provedor eficiente. Passava longe a ideia de uma mulher investir em uma carreira e se dedicar a ela.  Da mesma forma, a divisão das tarefas domésticas ainda é vista como uma ajuda do marido a uma esposa que não consegue dar conta do serviço da casa. Muitos homens de gerações passadas orgulhavam-se de nunca ter entrado na cozinha de sua casa. “Nunca fritei um ovo, nem sei onde se guardam as panelas!” — diziam alguns, como se fosse motivo de orgulho. Hoje, frases como essas não fariam sucesso na maioria das rodas, masculinas ou femininas. Mas ainda não está claro que, se os parceiros pudessem ter uma participação efetiva tanto na vida profissional quanto na vida doméstica, ambos seriam pessoas mais completas e independentes.



O espaço público também discrimina entre homens e mulheres. Há sinais dessa assimetria em situações corriqueiras, como a dos assinantes dos catálogos telefônicos, mesmo os eletrônicos: muitas mulheres ainda não figuram nas listas, ocultas por trás do nome dos maridos. Sob o risco de sanções por discriminação, nenhum hotel ou restaurante se atreveria hoje a proibir a entrada de mulheres desacompanhadas, prática comum há não tanto tempo. Mas quando o garçom pergunta: “Estão sozinhas?” às quatro mulheres sentadas à mesa do restaurante, elas ficam sem resposta, diante dessa manifestação de um preconceito superado apenas na aparência. Afinal, quantas mulheres precisarão sentar-se à mesa para não estarem desacompanhadas?



Alguém ouviu falar de Dia do Homem? Ou de um Suplemento Masculino de algum jornal? Ou de um Departamento Masculino de algum clube ou partido político?



Serão as mulheres de hoje mais felizes do que suas avós? Ou será que aquelas viviam mais satisfeitas ao aceitar, sem questionar, a proteção de seus companheiros e ver a vida pelos olhos deles? Seriam mais felizes os casais, quando estavam amparados por certezas inabaláveis e dispunham de um roteiro com papéis fixos e bem delineados?



Difícil responder, pois, se é verdade que a liberdade de escolha aumenta a possibilidade de desfrute, é também inegável que a responsabilidade pelas próprias escolhas traz consigo o medo de errar. Provavelmente nossas avós não eram mais felizes, mas talvez fossem menos angustiadas.



Infelizes ou angustiadas, as mulheres já não têm como escapar da armadilha que a incoerência das expectativas lhes armou. Agora toda mulher tem de ter sucesso profissional, sem deixar de ser excelente dona de casa e mãe exemplar, além de exibir um corpo impecável e um rosto sem rugas. Não basta ser uma intelectual respeitada — é preciso ter belas pernas; e uma bem-sucedida mulher de negócios deve ser também a orgulhosa mãe de filhos modelos e a fogosa amante de seu marido.



Sob essa exigência de perfeição, todas as mães temem cometer graves erros na educação dos filhos (e fatalmente cometem, mas sem as trágicas consequências que suas fantasias constroem); as esposas carregam o fardo de não serem suficientemente dedicadas, ou bonitas, ou inteligentes, ou sabe Deus o quê (como se fosse possível ter simultaneamente todos esses atributos).



Será que as batalhas pela emancipação resultaram nesse quadro melancólico? Será esse o prêmio pela conquista da liberdade? Não teremos perdido a guerra, ao sair do jugo de pais e maridos, para ficarmos submissas à tirania do relógio, do chefe, da balança?



Há muito a ser percorrido nesse caminho da equidade e da simetria, mulheres minhas irmãs. Mas a luta é irreversível. Cabe a cada uma de nós escolher as armas e os galardões.



Feliz mês das mulheres. O que quer que isso queria dizer.

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