n34 Abusos infantis impunes no Sri Lanka
Em média, um processo sobre abuso infantil demora seis anos para ser concluído no Sri Lanka. Foto: Amantha Perera/IPS

Colombo, Sri Lanka, 9/10/2012 – Em 2011 foram denunciados 1.463 casos de exploração sexual de meninos e meninas no Sri Lanka. A polícia constatou que todos eram genuínos e iniciou investigações em cada um deles. Contudo, no final do ano, nenhuma das denúncias havia chegado aos tribunais superiores que, pelo sistema judiciário nacional, são os encarregados de julgar delitos contra a infância.
Os casos de abusos de menores param nos tribunais. Até agosto passado, os 34 tribunais superiores do país tinham em suas prateleiras quatro mil denúncias de abuso contra crianças, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). “Um terço dos casos pendentes nos tribunais supremos estão relacionados com meninos e meninas”, segundo o Unicef.
Porém, ativistas pelos direitos da infância garantem que o número na verdade é maior, se forem considerados os abusos que nem mesmo chegam à justiça. Quando se denuncia pela primeira vez um abuso infantil, a polícia realiza investigações preliminares e um tribunal de primeira instância decide se envia o caso a um tribunal superior ou o arquiva.
“Se considerarmos todos os casos que ainda esperam uma conclusão da investigação, estamos falando de aproximadamente oito mil”, disse Visakha Tillekeratne, da organização local de direitos humanos Justiça para as Vítimas, em conversa com a IPS. Em média, no Sri Lanka, um caso de abuso infantil demora cerca de seis anos para ser concluído, segundo o Unicef.
“Um estudo de 2010 sobre 110 casos de abuso infantil que chegaram ao Departamento de Medicina Forense da Universidade de Kelaniya indica que o tempo médio para obter evidência era de 62,5 meses (cinco anos) desde o primeiro exame” da vítima, disse à IPS a porta-voz do Unicef em Colombo, Suzanne Davey.
Atrasos legais não são registrados apenas em casos de abuso infantil, mas são comuns em todo o sistema, paralisado pela falta de pessoal capacitado tanto na Polícia quanto na Promotoria. “É um grande tema”, disse à IPS o superintendente principal da Polícia, Ajitha Rohana. No final de 2010 os tribunais tinham 650 mil processos sem resolver, acrescentou. Agora, “estão fazendo esforços para dar atenção especial aos casos de abuso infantil”, ressaltou.
O Unicef colabora com o Ministério da Justiça, o Departamento de Polícia e a Promotoria para capacitar funcionários a fim de acelerar as investigações e os processos legais. Mais de 900 funcionários são instruídos desde janeiro, e está em andamento um projeto-piloto destinado a dar prioridade aos casos de abuso infantil em seis distritos. Rohana disse à IPS que os primeiros resultados do projeto são positivos. “O plano é introduzir um sistema para todos os distritos”, contou. Os especialistas acreditam que isto é urgente, já que a longa espera agrava o trauma das vítimas. “É brutal esperar, especialmente quando ano após ano nada se faz”, disse Tillekeratne.
“A demora nos processos tem como resultado maior vitimização das crianças que já sofreram muito abuso e exploração”, disse Caroline Bakker, chefe de proteção no escritório do Unicef no Sri Lanka. Segundo ela, quando as vítimas veem que os responsáveis são soltos sob fiança, sentem-se ainda mais desamparadas. “Os responsáveis continuam livres e cometendo crimes contra crianças impunemente”, afirmou.
Rohana informou que a polícia agora tem especial cuidado em não permitir que os suspeitos saiam livres, a menos que haja ordem de um tribunal. “Todos os funcionários encarregados das delegacias foram instruídos a adotarem ações imediatas quando receberem um caso de abuso infantil”, acrescentou. Contudo, Tillekeratne disse à IPS que é urgente maior ação concertada em nível nacional, devido à enormidade do problema. “É preciso não que o projeto-piloto seja aplicado em fases no resto da ilha, mas que se faça uma implantação imediatamente”, apontou.
Rohana acrescentou que desde 2005, quando o governo distribuiu funcionários dedicados especialmente à proteção dos direitos das mulheres e das crianças em todo o país, a polícia começou a receber mais denúncias. Davey ressaltou que é difícil saber se esse fenômeno tem relação com a nova política do governo ou se há outros fatores envolvidos. A densamente povoada Província oeste e as agrícolas Sabaragamuwa e Central do Norte são os lugares mais afetados pelo abuso infantil no país.
Estatísticas policiais mostram que a maioria dos abusos em áreas rurais ocorreram em momentos em que as crianças foram abandonadas por muito tempo por adultos que eram seus responsáveis. Citando um estudo de 2005, o Unicef diz que 89% dos abusos infantis são de natureza sexual, 70% são cometidos por um familiar ou alguém próximo da família da vítima, 27% por conhecidos do menor e apenas 3% por estranhos. Uma recente série de abusos envolvendo políticos e outro caso de uma menina de seis anos violentada e assassinada por um familiar de 16 anos voltaram a colocar o assunto sobre a mesa neste país da Ásia meridional. Envolverde/IPS