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domingo, 14 de outubro de 2012


Fracos, desaprendemos a amar?

Você só quer saber do que pode dar certo? Então leia o post da advogada mineira Raquel Carvalho, nossa Visita de Domingo de hoje.

Um tempo atrás, conversávamos sobre as benesses de estar com amigos leves, divertidos, que nos sabem e têm autorização para dizer verdades lúdicas que jamais admitiríamos vindas de outras pessoas. No meio do papo, regado a gargalhadas, um colega sentenciou:
 - Não quero gente com problema por perto. Não dá! Não tenho tempo, estrutura, disponibilidade… Preciso de gente positiva, que enfrenta a vida, que sabe brincar com as próprias desgraças. Problemas? Reclamações? Tou-fo-ra!
As frases estão ecoando em meus ouvidos até agora. É certo que viver ao lado de reclamões, do tipo “sempre têm uma desgraça monumental a cada dia”, é muito difícil. Mas será que não estamos confundindo essa dificuldade com a total ausência de disponibilidade para “estar ao lado de”?
Tenho cá para mim que, para partilhar a vida com uma pessoa – seja o amor da sua vida, seja alguém da família, amigo, empregado ou colega de trabalho –, é preciso ter consciência de que o “dia da tranqueira” chegará. Pode ser a perda do emprego, de alguém querido, da saúde, de dinheiro, do equilíbrio, da paz familiar… Não importa o quê. Todos enfrentam períodos terríveis a que precisam sobreviver.
Se adotarmos como regra geral a teoria “problemas? Tou fora!” como é que vai ser? Com quem conviveremos? Cada um sairá por aí fazendo uma seleção das pessoas que, no momento, estão sem problemas e o convívio se restringirá a elas? O afeto sobrevive a esse tipo de seleção que, auto-salvadora, soa bem egoísta? Não é crueldade simplesmente ignorar alguém no momento em que mais necessita, ainda que seja para se proteger?
É verdade que conviver com uma pessoa que tem desafios seguidos e perdas múltiplas não é fácil. Muitas vezes somos tragados por buracos negros que não são nossos. Ser companheiro e saber se preservar, numa atitude saudável, é arte para poucos. Logo, é impossível negar a dificuldade de estar ao lado de alguém que passa por fase(s) ruim(ns). Mas não é também para isso que existem a família, os amigos, esses sistemas que integramos e que nos servem de apoio? Essa partilha não é inerente ao convívio? É possível amar, gostar, ser amigo e não se envolver com o que de ruim acontece com a pessoa que está ao lado?
Escrevendo isso, lembrei (fui atrás e encontrei) o e-mail de uma querida amiga, a Andrea, sobre o assunto. Ela ponderava que, num mundo de tantas demandas, estamos todos sobrecarregados e nos falta paciência para lidar com as dificuldades: “Em tempos de amizades virtuais, as pessoas se esquecem de que nós, pobres seres humanos, não somos apenas um perfil numa página da internet. (…) Talvez o que esteja faltando nas relações humanas seja mesmo o contato, a convivência, a paciência, o saber ouvir os queixumes do outro.”
Ao reler o e-mail, fiquei me perguntando: será que desaprendemos a amar? Há quem diga que nunca o soubemos. Argumenta-se que o apoio obtido em determinadas esferas, historicamente, pouco teve de sentimento de amor como fundamento, sendo muito mais embasado em questões econômicas, políticas e financeiras. Esse seria, por exemplo, o caso da família que jamais teria sido o núcleo de afeto idealizado por tantos, mas só uma instituição que serviu (e serve) a outros propósitos outros como preservação do patrimônio, segurança dos seus integrantes e das gerações futuras.
Ok. É inviável descartar alguns desses elementos historicamente comprovados. No entanto, cabe admitir que vínculos de amizade, afeto no núcleo familiar, amor nas relações a dois e apoio sincero no trabalho não são coisas impossíveis, nem irreais e muito menos fantasiosas. Acho que são possibilidades reais para aqueles que sabem trocar. Falo da turma que aprendeu a dar e a receber, que sabe pedir e se doar. Refiro-me ao pessoal que se dispôs a confiar nas pessoas e, mesmo com alguns tombos, decidiu continuar confiando naqueles que se mostrem merecedores disso. É uma galera que não dá as costas fingindo que “não é comigo”, quando um desafio surge e implica sacrifícios gerais; a que está ao seu lado soltando foguetes nos momentos do seu sucesso e é a mesma turma que humildemente pede sua ajuda e que generosamente oferece auxílio quando você precisa. Partilha. Par-ti-lha.
Fico pensando se cortar da vida quem tem problemas, pelo simples fato de os ter, mesmo com o intuito de se manter a salvo, não seria uma demonstração enorme de fraqueza e de incapacidade de amar? Eu chamo de incapacidade de amar a falta de forças necessárias para suportar. E suportar aqui significa “dar suporte”, uma parte indispensável da troca amorosa. Pessoas fracas, frágeis demais ou que já perderam tanto, ao ponto de não terem condições de estar ao lado em momentos ruins, são certeza de solidão nas horas mais incertas da vida.
A falta da habilidade amorosa pode ser resultado de uma vida sem bons modelos. Quem não presencia o afeto, não aprende; e, se não aprendeu, em princípio não saberá agir, não terá recursos de que possa se valer no momento em que for preciso apoiar ou trocar. Outros até aprenderam, em casa ou dando a cara a tapa vida afora; o problema é que, no exercício cotidiano, estreparam-se; então, desistiram e resolveram que precisavam se salvar. Para eles, isso significa só querer o “lado bom, fácil e leve” das relações, motivo por que correm de gente que passa apertos significativos e angustiantes.
Acho que é irrelevante a diferença que existe na “causa”: 1) não aprendeu ou 2) aprendeu e depois desistiu. O que me parece importante e preocupa é o grande número de pessoas que hoje vive os seus dias assim: correndo de qualquer criatura que tenha levado um tranco daqueles. Quando a maior parte das pessoas só admite viver no paraíso de uma ilha no Havaí, como passar os dias no centro de uma grande cidade poluída, exatamente onde a maior parte de nós habita? Não raras vezes, a solução para esse abismo é a superficialidade, o fingimento, a distância e o irreal como experiência cotidiana. Desconfio que um pouco da euforia exarcerbada das redes sociais advém exatamente da sensação generalizada de que “se tiver problemas, não terei companhia” ou “se estiver triste, ficarei mais sozinho e triste ainda”! Dedicam-se os dias, então, a provar o quão belo, leve, pessoa de sucesso e extraordinariamente feliz se é, o tempo inteiro.
Ói só, cá de mim, preciso confessar umas coisas. Primeiro, declaro que a minha  gentil pessoa acorda horrorosa em alguns dias. Tá bom, tá bom… Em muitos deles. Querem pior? Às vezes fico tristíssima, o trabalho atrasado “sai pelo ladrão” e ainda me sinto a última das criaturas, desprezada pelos amigos, pela chefia e até por meros conhecidos! Pois é exatamente em dias assim que, como o restante da humanidade, preciso de uma palavra de apoio. Apoio não significar tomar para si os problemas que são meus, nem ficar desesperado com a vida que é minha. Apoio pode significar mandar um e-mail de três linhas, fazer um café em dois minutos, dar um abraço de cinco segundos ou se dispor a um alô de meia hora. Somos todos humanos e precisamos ser vistos; mais do que isso, quando estamos no chão, podemos precisar até de uma mãozinha que nos ajude a levantar. Tropeçar e cair já é ruim o suficiente; se ainda for necessário fingir – para quem vive ao lado! – que estamos nos píncaros da alegria, enquanto chafurdamos na lama da tristeza… ah, tenha dó! É ser burro demais, além de um bocado perverso.
Quero deixar bem claro que abomino combinações doentias como as presentes nas relações em que, de um lado, há o “generoso ao extremo” e, do outro, “o egoísta sugador”. Também penso que, na maior parte das situações ruins, achar alguma graça pode ajudar; rir de si mesmo é um santo remédio e ser leve é o melhor deles. Logo, não se trata de uma apologia à vitimização ou de sugerir que todos permaneçam em doação constante como santidades generosas canonizadas. Trata-se, apenas, de sermos humanos. Como humanos, seres que não podemos ser excluídos como uma blusa velha cujos defeitos autorizam o descarte.
Amor, gente. Estou falando da necessidade de sermos amados e da tentativa de sermos fortes o suficiente para amar. Sem desistência antes de tentar.
Alguém aí encara?

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