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quarta-feira, 3 de outubro de 2012




Será que a esperança ainda é permitida na Somália, um dos países mais pobres do mundo?
Hawa Aden Mohamed nunca deixou de acreditar. Nós encontrámo-la em Galkayo, onde é vítima de uma tensão extrema entre grupos armados e piratas.
Apesar dos riscos e do estado de alerta, ela levou-nos até aos esquecidos do conflito, cujo futuro ela tenta reconstruir a cada dia que passa. Um percurso que lhe valeu o Prémio Nansen da ONU para os refugiados.
“Eu venho da fronteira junto à Etiópia. Costumava criar animais, sobretudo cabras. Mas perdi os meus animais por causa da seca e também havia um conflito entre clãs. Por isso decidimos deixar a região e ir à procura de segurança e viemos para aqui.”
Sahra Mohamed Ibrahim chegou há três meses ao campo de Halabokhad, perto da cidade de Galkayo, no Estado da Puntlândia.
Uma região somali que acolhe inúmeros deslocados pela violência que continua a assolar o país e pela seca extrema.
Para que a sua família sobreviva, Sahra só pode contar com a solidariedade dos outros refugiados e para ver a sua vida mudar espera poder ter ajuda de uma mulher que aqui todos conhecem.
Hawa Aden Mohamed voltou a dar esperança a milhares de famílias deslocadas. Como a de Asha que cuida sozinha de nove filhos e de cinco sobrinhos e sobrinhas.
Um empréstimo de 300 dólares permitiu-lhe abrir uma loja no mercado do campo, criada com o apoio de Hawa Aden Mohamed e da sua associação, a GECPD.
“O comércio está a correr bem quando comparado com outros tempos quando não tinha ninguém para me ajudar. Antigamente pedia às pessoas para me ajudarem com 2000 xelins para comprar um copo de água. Agora, graças a Deus, posso comprar legumes e outros alimentos. Tudo o que preciso.”
A associação também a ajudou a aprender a ler, a escrever e a escolarizar vários filhos e sobrinhos.
Dar às mulheres acesso à educação e ao desenvolvimento é, desde o primeiro dia, o combate quotidiano daquela que aqui todos chamam de Mama Hawa, laureada com o Prémio Nansen da ONU para os refugiados.
“O mercado é gratuito para eles e à tarde, é uma obrigação, tem que ir para a escola para aprenderem a ler e a escrever. Essa é a nossa condição. Como é que nos podemos reabilitar se não temos educação? Se não conseguimos perceber o problema, se somos analfabetos? É verdade que temos uma cabeça, podemos falar, podemos ver o que está errado, o que está certo, e tudo isso, mas não temos um nível de argumentação. Não podemos pedir para ter direitos.”
A associação de Hawa está presente em perto de vinte campos de deslocados da região. Nós só pudemos ver o de Halabokhad por ser o mais desenvolvido e seguro.
Território semi autónomo, habitualmente calmo, a Puntlândia, onde também existem milícias armadas e vários grupos de piratas, está esta semana em estado de alerta.
Os confrontos entre piratas e militares fizeram vários mortos durante a nossa visita e os raptos recentes limitam as nossas deslocações, feitas com escolta.
Somos autorizados a visitar a sede da GECPD, centro educativo de Galkayo para a paz e para o desenvolvimento, no centro da cidade, mas por muito pouco tempo.
A associação foi criada em 1999, quando Hawa Aden Mohamed decidiu regressar para ajudar as mulheres do seu país. Uma missão antiga.
Encarregue das mulheres no Ministério da Educação nos anos 80, Hawa fundou em seguida várias ONG que trabalhavam na área do desenvolvimento económico e educativo das mulheres.
A guerra civil obrigou-a a exilar-se no Canadá. Em 1995 instalou-se no sul do país, de onde voltou a ter que fugir das guerras entre clãs. Quando chegou a Galkayo, as suas ideias sobre a emancipação feminina contrariam as tradições.
“Eu era a bruxa. Não era vista como um bom presságio para abrir uma escola. Era diferente, tinhas ideias que não eram boas para a nossa religião e para a nossa cultura. Foi muito difícil. As meninas quando saiam da escola eram insultadas.”
Graças a uma grande determinação, aquela que era chamada de “calças” e a sua equipa acabaram, no espaço de 10 anos, por abrir 12 escolas primárias e secundárias para raparigas e uma para rapazes, centros de acolhimento, um centro de lazer e a única biblioteca da cidade.
Esforços que permitiram escolarizar cerca de 40% das raparigas da região, um recorde num país onde menos de um quarto da população feminina tem acesso à escola.
O centro dá também, às mulheres e jovens adolescentes que vivem nos campos de deslocados, formações profissionais. Este atelier transformou a vida de centenas de mulheres. Aqui são fabricadas proteções para a menstruação reutilizáveis, kits higiénicos ou kits de dignidade.
“É verdadeiramente um kit de dignidade”, defende Hawa. “Não é digno quando vemos o sangue das mulheres a escorrer. Antes de iniciarmos a produção, nas escolas havia muitas faltas de comparência. As raparigas não querem vir para a escola quando estão com o período. Usavam folhas das árvores ou jornais. Agora usam este material de uma forma higiénica. O sangue não escorre e depois lavam-no. Isto mudou-lhes a vida.”
A produção de kits, comprados pela agência das Nações Unidas para os refugiados e distribuídos nos campos, constituem um meio de subsistência para muitas famílias, como a de Muna Hassan Mohamed.
“Com o dinheiro que ganho aqui pago a eletricidade, também posso pagar a educação dos meus sobrinhos e tenho dinheiro suficiente para as minhas necessidades.”
Longe da cidade e dos campos, o atelier dá alguma segurança às jovens, que vivem todos os dias num ambiente violento do qual Muna é apenas uma das vítimas.
“Antes de ter este trabalho, costumava apanhar restos de khat do chão para vender e vendia também água da chuva. O pouco dinheiro que ganhei foi roubado por homens que me agarraram à força. Era arriscado. Depois de me roubarem o dinheiro seguiram-me até casa e tentaram violar-me.”
Por semana, há três ou quatro violações em Galkayo. A violência contra as mulheres, num Estado de não direito, onde a impunidade faz lei, é um dos maiores desafios para Hawa Aden Mohamed.
Mama Hawa também luta contra uma outra forma de violência que vitima as mulheres e está intimamente ligada à tradição. Trata-se da brutalidade das mutilações genitais femininas, de que ela também foi vítima.
“Eu tinha seis ou sete anos. E lembro-me desse dia como se fosse hoje. Na altura não havia anestesia. A minha irmã morreu por causa disso. Ainda hoje, as meninas morrem. Não está escrito em lado nenhum que Deus criou-nos e que temos uma parte que é má e deve ser cortada. Isso não existe na religião muçulmana. É feito apenas para oprimir a sexualidade das mulheres e nada mais.
Hawa Aden nunca pôde ter filhos. Razão pela qual faz campanha junto da comunidade e das autoridades para acabar com a excisão, que vitima ainda 98% das meninas somalis.
“Está a ver todas estas crianças? É tarde demais para elas. Foram excisadas, o que é muito triste. E porque é que continuamos a fazer isto? Há décadas e décadas? É por causa dos homens. Se o pai dissesse que a filha não deve fazer, se o irmão dissesse não, os jovens dissessem não, não para a minha futura mulher, a excisão já não existia.”
Mudar as mentalidades: um trabalho que não pode ser feito sem a adesão dos homens, diz uma mulher que conseguiu fazer-se respeitar em Galkayo.
Para Hawa, isto tem que passar pela nova geração, a quem tenta dar esperança para o futuro.
Nestes ateliers de formação, vários desses jovens assumem ter-se sentido tentados pela pirataria, pela delinquência, pelas milícias ou pela imigração clandestina.
Faysal Abdi Dubhour explica porquê. “A maioria da juventude somali não tem futuro. Muitos juntam-se aos piratas porque não têm escolha. A única forma de mudarem as suas vidas é através das formações.”
“Os rapazes que selecionamos eram, mais ou menos, rapazes de rua, consumidores de khat, meninos carentes. E são eles, os meninos, os jovens, que devem criar a paz, que se devem unir, trabalhar em conjunto, que podem andar lado a lado. Se assim não for então vamos ter mais uma geração perdida”, defende Hawa Aden.
Planear a sucessão, um desafio crucial para aquela que a comunidade chama de rainha de Galkayo. Hawa Aden organizou jogos de futebol e de basket entre jovens de diferentes campos de refugiados no complexo desportivo da sua associação.
Atividades desportivas que são vistas por todos como um vetor de paz entre clãs e comunidades muitas vezes antagónicas e um fator de integração dos deslocados na comunidade que os acolheu.
“Eles andavam a roubar, violar, a comunidade. Agora, quando lhes perguntamos o que vão fazer dizem que vão defender as suas irmãs, os vizinhos, as suas mães. Assim vemos a comunidade cada vez mais unida. No fundo do túnel há esperança”, afirma Hawa Aden.



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