n2 300x217 México, o fim do sonho americano de crianças emigrantes
San Salvador, El Salvador – O México é para muitos meninos e meninas emigrantes ilegais da América Central o fim da viagem em sua tentativa de chegar aos Estados Unidos, empurrados por razões econômicas e pela violência de gangues e intrafamiliar. “As crianças sempre migraram, sempre estiveram ali, e sempre foram os mais vulneráveis”, disse à IPS a acadêmica mexicana Carolina Rivera, do Centro de Pesquisas e Estudos Superiores em Antropologia Social (Ciesas), do México.

Desde que o fluxo emigratório centro-americano para os Estados Unidos se intensificou na década de 1980, devido às guerras civis que afetaram a região, ficou mais evidente o fenômeno da desintegração familiar. Os pais partem em busca de um futuro melhor e deixam os filhos sob os cuidados de avós e outros familiares. Estimativas do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, divulgadas pela imprensa, indicam que cerca de 15% dos 11,5 milhões de imigrantes latino-americanos ilegais nesse país são guatemaltecos, hondurenhos e salvadorenhos.
Agora, à necessidade de reunificação familiar e à tradicional razão econômica, somaram-se outras mais recentes, como a violência intrafamiliar, para que meninos, meninas e adolescentes queiram abandonar a região, disse Rivera, que tem experiência em trabalho de campo com centro-americanos na localidade de Mazatán, no Estado mexicano de Chiapas.
Rivera afirmou que em sua pesquisa encontrou meninas que apanharam e foram violadas por seus padrastos ou outros familiares, o que as obrigou a viajar para os Estados Unidos sem ter os documentos necessários para se radicar nesse país. Também soube de jovens hondurenhos e salvadorenhos que, ao contarem à família que eram homossexuais, foram maltratados e, finalmente, colocados para fora de suas casas.
Em todos esses casos aparecia o fenômeno da violência intrafamiliar como uma causa recorrente, disse a especialista, principal expositora em um fórum realizado em São Salvador sobre o fenômeno de meninos e meninas migrantes. As denúncias por violência intrafamiliar aumentaram em El Salvador, para 1.028 entre janeiro e junho, quase o dobro das registradas em todo o ano passado, segundo a Polícia Nacional.
Após serem detidas no México, as opções das crianças centro-americanas são poucas: serem deportadas ou viverem nesse país sofrendo constantes violações de seus direitos. Dados do Instituto Nacional de Migração (INM) do México indicam que, entre janeiro e julho deste ano, foram deportados 3.391 menores guatemaltecos, hondurenhos e salvadorenhos, 50% a mais do que em igual período do ano passado.
Desse total, 2.801 viajavam sem acompanhantes, deixando evidente o grau de vulnerabilidade em que se encontravam. Muitas deles são abandonados à própria sorte pelos guias, ou coiotes, como são chamados na região os traficantes de pessoas. “Muitos estão envolvidos nas redes de tráfico de pessoas”, explicou à IPS o coordenador do Programa Migrações, da Direção Nacional de Investigações, Jaime Rivas. “Já não é como antes, o coiote herói que ajuda as pessoas a chegarem ao norte. Agora são as redes de tráfico de pessoas vinculadas ao crime organizado que mobilizam os migrantes”, detalhou.
Um comunicado do INM, divulgado no começo de setembro, indica que muitas dessas crianças fogem das gangues do norte da América Central, que obrigam os adolescentes a entrarem para suas fileiras. Quando se negam, se expõem a morrer assassinados. Apenas em El Salvador calcula-se que há cerca de 60 mil bandidos, aglutinados na MS-13 ou Mara Salvatrucha e Barrio 18.
O documento Infância Capturada, apresentado em junho pela Coalizão Internacional contra a Detenção (IDC), uma organização humanitária com presença em 50 países, disse que, independente das condições em que as crianças são mantidas atrás das grades após tentarem passar por algum posto fronteiriço, a detenção em si produz um impacto negativo profundo. Elas sofrem de ansiedade, depressão, bem como de insônia e outros sintomas. “Têm afetados sua saúde física e psicológica, bem como seu desenvolvimento”, segundo o informe.
A IDC acrescentou que os menores ilegais não devem ser detidos, e recomendou aos governos envolvidos criarem políticas públicas que as protejam. O México aprovou em abril de 2011 uma nova lei de migrações que, em princípio, propõe um irrestrito respeito dos direitos humanos dos estrangeiros em trânsito por seu território, mas ainda não é aplicada por falta de regulamentação. Os que decidem ficar sem documentos legais no México se expõem a viver em situações de extrema vulnerabilidade trabalhista, disse a antropóloga mexicana.
Em sua pesquisa, Rivera encontrou que 33% dos imigrantes menores se empregavam na agricultura, muitas vezes com longas jornadas de trabalho e pagamento abaixo do salário médio. Outros 16% realizam tarefas no setor de serviços e entretenimento, sobretudo as hondurenhas e salvadorenhas entre 15 e 17 anos de idade, que trabalham como bailarinas em casas noturnas, sujeitas a vexames e abusos sexuais. “Muitas se sentem escravizadas, sem poderem sair desse círculo”, explicou Rivera.
Essas jovens prefeririam trabalhar como domésticas, mas nessa região do México existe um estigma contra as salvadorenhas e hondurenhas, que são consideradas “rouba-maridos”, por isso para esses trabalhos contrata-se especialmente mulheres indígenas da Guatemala, contou a especialista. Finalmente, a investigação mostra que 17% dos imigrantes crianças ou adolescentes se dedicam à venda ambulante e o restante a uma série de variadas atividades irregulares. Por outro lado, apenas 6% dos adolescentes haviam cursado algum tipo de educação superior, e somente 2% fizeram algumas matérias na universidade. Envolverde/IPS