Projeto de lei fere a autonomia das demais profissões, como a enfermagem e a psicologia, dizem entidades. Médicos afirmam que o Ato trará segurança
por Paloma Rodrigues
José Cruz/ABr
Protesto na esplanada dos ministérios, contra o Ato Médico, na sexta-feira 21 |
Está nas mãos da presidenta Dilma Rousseff a apreciação do chamado Ato Médio. Aprovado pelo Senado, o Projeto de Lei 268/2002, que regulamentará a prática da medicina no Brasil, tem mobilizado representantes de 13 categorias de profissionais da área da saúde. São cerca de 3 milhões de trabalhadores que pedem o veto parcial da presidenta ao artigo que designa apenas ao médico a função de diagnosticar e prescrever terapias, dentre outras atribuições. O argumento é que o projeto, caso sancionado, fere a autonomia das demais profissões.
Dilma tem até o dia 12 de julho para decidir sobre a sanção ou veto à proposta. Até lá, as associações marcaram para o dia 3 deste mês uma série de manifestações pelo País. No mesmo dia, os médicos organizam uma paralisação em protesto contra a importação de médicos estrangeiros para o Brasil.
Representantes dos conselhos e federações de todas as profissões se reuniram na quinta-feira 27 com o ministro da Secretaria-Geral da presidência, Gilberto Carvalho, e com a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. A delegação foi composta por aproximadamente 30 profissionais. Eles elaboraram um manifesto online contra a sanção do Ato.
Um dos pontos mais polêmicos é o que se refere ao inciso primeiro do artigo quarto, que coloca como atividades privativas do médico a “formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica”. Em outras palavras, a determinação autorizaria apenas os médicos a diagnosticar doenças e prescrever ou indicar tratamentos - ainda que estes viessem a ser conduzidos por outros profissionais posteriormente, como um fisioterapeuta ou um psicólogo.
Também geram polêmica os pontos que definem como "atividades privativas" do médico a execução da sedação profunda e de anestesias, bem como a direção e chefia de serviços médicos.
“Querem tornar privativo o diagnóstico de doenças e a prescrição de tratamento. Só médicos poderão realizar atestados e perícias. Só médicos poderão trabalhar na direção e chefia dos serviços de Saúde. Isso é reserva de mercado”, diz Celso Tondin, doutor em psicologia e integrante do Conselho Federal de Psicologia. Ele diz que as outras profissões estão unidas em pedir o veto do governo.
Como consequências das mudanças, afirma Tondin, estaria o aumento da demanda médica, que agora atenderia uma nova gama de pacientes antes encaminhados para as áreas específicas. “Todas as pessoas terão de passar por um médico antes de se dirigir a outro profissional. No SUS, isso acarretará em um engarrafamento. No sistema particular, significa que o paciente terá de pagar por uma consulta a mais até começar seu tratamento”, diz ele.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou que o projeto passou por uma série de mudanças durante a tramitação e, por isso, o governo precisa "analisar com muito detalhe" o texto antes de transformá-lo em lei. Ele ainda afirmou ser "importante manter o conceito de equipes multiprofissionais".
As associações médicas defendem a regulamentação e afirmam que ela trará mais segurança para a população. Beatriz Costa, presidente da Associação Nacional dos Médicos Residentes, diz que o ato será uma vitória histórica para a categoria. “A medicina é uma das profissões mais antigas do mundo e ainda sem regulamentação no Brasil. Todas as outras já são regulamentadas”.
Geraldo Ferreira, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FENAM), diz que o conceito multifuncional de atuação não será ferido porque “curricularmente cada profissão tem suas atribuições”.
“Uma das posições contrárias que eu ouvi foi a de que, como faltavam médicos em cidades pequenas, muitas vezes os outros profissionais faziam o papel de médico. Isso é uma brincadeira”, ironiza Ferreira.
Ele defende que a decisão de regulamentar a atuação das profissões da área da saúde não pode ser barrada levando em consideração a demanda. “Nós não podemos permitir que o governo utilize a ausência de médicos em algumas regiões para, sorrateiramente, colocar outras profissões para simularem o atendimento médico."
Para Tondin, entretanto, essa não é a realidade do País. “Ninguém atua como médico e não há nenhuma intenção das outras profissões de atuarem como médicos. Eles [da classe médica] se utilizam desse argumento porque o momento é cômodo”. Ele defende mais investimentos ao setor, mas ressalta: não é estrutura precária que faz com que regiões do Brasil tenham poucos médicos, mas sim o número insuficiente de profissionais. Nesse contexto, afirma ele, o Ato Médico é um projeto "inviável". "A falta de profissionais é um problema básico nessa situação”.
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