A proposta reitera a cultura que impõe às mulheres a responsabilidade pela própria integridade. Post de Nádia Lapa
por Nádia Lapa
Usuários entram em vagão exclusivo para as mulheres no metrô do Rio de Janeiro |
Ainda sujeita à aprovação dos deputados e à sanção do governador, a ideia não é nova. No Rio de Janeiro, lei semelhante está em vigor desde 2006 (em São Paulo, há previsão também de assentos exclusivos em ônibus, além de metrô e trem).
Parece uma boa iniciativa. Afinal, quem iria achar razoável a agressão física, verbal ou sexual em qualquer ambiente, em especial no transporte público? (Muitos acham, e cometem esses crimes diariamente.)
O grande problema é que a proposta só parece uma boa ideia, mas na verdade ela reitera a cultura que impõe às mulheres a responsabilidade pela própria integridade, quando o cerceamento de liberdade deveria focar no agressor. Toda mulher aprendeu desde cedo a "se cuidar", evitando ruas desertas ou escuras, olhando com desconfiança para a abordagem de desconhecidos, cobrindo o corpo para não ser assediada. Quando qualquer coisa acontece, a mulher acredita que de alguma maneira concorreu para a agressão, como se não tivesse se "preservado o suficiente".
No entanto, não é ela quem tem que se cuidar. A mulher tem o direito de existir, de ser, de se divertir, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer ambiente, com ou sem companhia. O problema não é ela. Por qual razão seria justificável separar os homens das mulheres em transportes públicos? Eles não conseguem se controlar com a simples presença de uma mulher?
Eis uma questão incontornável: metade dos usuários do transporte público (e de seres humanos vivendo na Terra) são mulheres. Sempre existirá a interação, e não se pode simplesmente criar leis e normas para segregar as pessoas. Se analisarmos as iniciativas em outras partes do mundo, não dividiremos os vagões e assentos pela metade. Isto é, as mulheres que não conseguirem embarcar nos vagões pintados de rosa estarão automaticamente sujeitas a qualquer coisa?
A proposta busca maquiar um problema cultural sério, que envolve a falta de projetos efetivos para o combate ao machismo e à violência sexual. É preciso repensar não apenas o papel do Estado na promoção de valores de respeito à dignidade humana, passando pela melhoria nas condições de atendimento às vítimas de assédio. Também precisamos analisar em que cultura o abuso sexual é aceito e a vítima é motivo de piada, como no conhecido quadro do programa Zorra Total. O trabalho é de todos nós. E a culpa nunca é da vítima.
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