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domingo, 13 de julho de 2014

VOVÓ, VICIADA?

ATLANTIC CITY  14/03/2014
Cresce número de apostadores idosos nos Estados Unidos. Indústria do jogo incentiva a compulsão com entretenimento
Flickr/Lisa Brewster/CC
Mulher em cassino nos Estados Unidos: grupo de viciados que mais cresce é o de idosas
Atlantic City, em Nova Jersey, oferece incríveis comodidades aos cidadãos idosos dos Estados Unidos. Orla perfeita para tomar um ar fresco e se exercitar. Idosos de mobilidade limitada passeiam em lambretas alugadas enquanto cadeirantes facilmente unem-se à festa, em máquinas caça-níqueis e mesas de blackjack acessíveis. Dezenas de restaurantes exóticos com ótimos preços, descontos em farmácias, além dos cupons para almoço gratuito fornecidos a cada turno. Todos os dias, e até mesmo de noite, os ônibus entram e saem de asilos para idosos, carregando a promessa da diversão.

Idosos são o grupo que mais cresce entre os apostadores nos Estados Unidos. Eles apostam toda a sua renda, suas economias e sua chance de ter um futuro seguro. Quando perdem, não podem compensar o prejuízo ou começar outra vez. Trata-se de um jogo sem ganhadores, controlado por uma indústria gananciosa unida por uma aliança profana com os políticos e autoridades públicas, que fingem não perceber os custos econômicos e sociais do jogo.

O negócio de apostas vai muito bem. Em 2012, a “indústria do jogo”, como o pessoal de relações públicas insiste em chamá-la, teve mais lucros do que em qualquer ano de sua história, com exceção de 2007, pouco antes do colapso de Wall Street. A indústria dos cassinos, sozinha, conseguiu tirar US$7 bilhões dos apostadores. Os americanos gastam mais com jogos de azar do que com esportes profissionais. Novas tecnologias e o abrandamento da regulamentação fazem acreditar que a maré de dinheiro só vai continuar subindo. Especialmente quando se tem uma população cada vez mais velha para apostar.



Legalização das apostas em muitos estados norte-americanos gerou preocupações financeiras e de saúde pública

Vulnerabilidades especiais
De acordo com os dados mais recentes do mercado, metade dos visitantes adultos de cassinos têm 50 anos ou mais. Com o número crescente de idosos que assumem o jogo como uma nova forma de entretenimento, um contingente de pessoas maior do que se pode imaginar está se viciando em apostas, ignorando fronteiras sociais ou econômicas. Uma pesquisa mostrou que 70% dos idosos apostou pelo menos uma vez no último ano.

O fato é que uma compulsão pode subitamente manifestar-se em pessoas idosas, sem qualquer histórico de vício em apostas. Os idosos têm vulnerabilidades especiais, como o tempo livre, a necessidade de buscar alívio, distração de dores físicas e emocionais e a solidão. O grupo de viciados em apostas que cresce mais rapidamente é o de mulheres idosas, muitas das quais perderam seu marido ou têm filhos que vivem muito longe. Sentindo-se marginalizadas pela sociedade, elas desejam preencher um vazio. E os marqueteiros da indústria do jogo sabem disso.

O resultado final, alertam os especialistas, são padrões de comportamento potencialmente autodestrutivos, que podem arruinar finanças, relacionamentos e saúde. Os sentimentos negativos produzidos pelo vício apenas reativam a vontade de apostar, porque, conforme os cientistas já confirmaram há muito tempo, a aposta produz alterações na química cerebral que proporcionam uma sensação similar à do efeito da cocaína.

Um grande número de idosos vem sofrendo de um certo tipo de demência e, frequentemente, ninguém compreende o motivo, nem mesmo o próprio idoso. Os pesquisadores descobriram que 13,9% das pessoas com mais de 71 anos tem algum tipo de demência, e o número aumenta a cada ano.  Quando a demência afeta o lobo frontal do cérebro, uma pessoa pode perder inibições, e isso frequentemente se traduz na compulsão pelo jogo. Uma pessoa com esse tipo de demência pode parecer perfeitamente sã, superficialmente, e mesmo realizar normalmente suas tarefas neuropsicológicas típicas, de modo que a situação passa despercebida.

Paraísos de neon
Por que as autoridades públicas americanas apoiam ativamente e encorajam esses comportamentos disfuncionais? Na verdade, já faz um bom tempo que fazem isso. Os lucros da loteria ajudaram a construir Jamestown, na Virgínia,  primeira colônia dos Estados Unidos, ainda no início do século XVII.

Vários casos de corrupção associados ao jogo resultaram, eventualmente, em uma proibição nacional do envolvimento do Estado no mercado, que durou de 1878 a 1964. Mas isso terminou quando o pessoal de pensamento liberal de New Hampshire persuadiu o público de que os "bolões" seriam uma coisa boa para os cofres públicos e deu um jeito de contornar a legislação federal. A ideia espalhou-se e, logo, o jogo havia dominado tudo novamente. Pouco a pouco, a indústria, ajudada e incentivada por políticos mal orientados (e frequentemente desonestos), conseguiu limpar o estigma de vício do jogo e o reclassificou como entretenimento.

Os executivos da indústria de apostas estão muito satisfeitos com a situação, mirando gananciosamente a enorme pilha de dinheiro sobre a qual os idosos americanos estão sentados. Eles criaram programas de incentivo e campanhas publicitárias inteligentes para iludir os idosos, atraindo-os para dentro de seus paraísos de néon.

Fayetta Martin, professora assistente na Wayne State University, pesquisou e visitou cassinos, descobrindo que cada vez mais preparam-se para receber idosos: “Muitos fornecem até mesmo oxigênio. No banheiro, há caixas para que os diabéticos descartem agulhas. Os idosos me contaram histórias sobre como os cassinos sempre se lembram de seus aniversários e, se ficam longe por muito tempo, enviam um cartão dizendo sentir falta deles”.

Wikimedia Commons

Caças-níqueis  no cassino Taj Mahal, em  Atlantic City: apostas proporcionam sensação similar à da cocaína

Sucessos e ameaças
A legalização das apostas em muitos Estados gerou tanto preocupações financeiras quanto de saúde pública para a sociedade e os indivíduos, e esses problemas têm um enorme preço: falências, roubos, despejos e até mesmo suicídio. O problema é intergeracional: os filhos acabam tendo de ajudar os pais, que gastaram todo o seu dinheiro, e os membros da família que contavam com sua herança descobrem que não resta mais nada.

Algumas pessoas resistem ao surto da indústria de apostas. Organizações como a Stop Predatory Gambling Foundation (fundação acabe com o jogo predatório), junto com ativistas de direitos civis e grupos religiosos estão tentando educar o público não apenas sobre os custos sociais e econômicos do jogo, mas também sobre como os cassinos patrocinados pelo Estado não são compatíveis com a democracia constitucional.

Eles já veem alguns resultados. Em Massachusetts, em 2008, um grupo conhecido como Casino Free Mass (povo sem cassino) obteve sucesso ao derrotar uma proposta de desenvolvimento de um grande cassino do governador democrata Deval Patrick. Mas há muitas outras coisas ameaçadoras em desenvolvimento. Em novembro de 2013, os eleitores de Nova York aprovaram um esquema de jogos de azar apoiado pelo ex-governador Mario Cuomo e por líderes da indústria, que apresentaram o projeto como uma tentativa de "revitalizar" comunidades.

O que o jogo realmente faz é criar pobreza e redirecionar o dinheiro para grandes corporações, acabando com vidas e contas bancárias no caminho. Permitir ou não que isso aconteça com nossos idosos vai nos dar a medida de nossa humanidade e do sucesso de nossa sociedade. Até o momento, não estamos nos saindo bem.

Tradução Henrique Mendes
Texto publicado originalmente na revista eletrônica  Alternet, periódico independente que se posiciona como alternativa à mídia americana de perfil conservador.

Revista Samuel

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