Tirar o foco de si mesmo traz um certo alívio, mesmo quando o assunto é dinheiro
Eduardo Amuri
23 dias para um homem melhor, Mecenas, Trabalho e negócios
É tanta história onde o dinheiro entra como combustível e fagulha para o sofrimento, que às vezes a gente esquece que ele, por si, é neutro. Nem bom, nem ruim. Ferramenta. Dá para usar um martelo para construir uma mesa, e dá para usar um martelo para assassinar alguém.
O que nos fascina no dinheiro é o fato de que, ao contrário do martelo, que tem utilidades pré-definidas e limitadas, ele é extremamente versátil, capaz de se transformar numa infinidade de desejos e anseios. O autor Roman Kzrnaric, no Sobre a arte de viver, se refere ao dinheiro como desejo congelado.
Por aqui, já falamos bastante sobre planejamento, abordamos muitas questões (umas mais práticas, outras mais profundas), e, no geral, colocamos o dinheiro na função de apoio, como se ele assumisse a forma de um corrimão, dando suporte para que a gente possa andar tranquilo por ai, se preocupando com coisas mais importante do que ter muitos dígitos na conta.
É uma função incrível, muito útil, mas não é a única e, num descuido, é bem capaz que ela incentive nossa mania de manter o olhar e atenção voltados para nosso próprio umbigo.
Você nunca vai fazer alguém tão feliz quanto o garoto que ganhou o Nintendo 64. Desista.
Por aqui, eu me percebo capaz de permanecer meses imerso nas minhas próprias historinhas, da maneira mais bizarra, egoísta e disfarçada que alguém pode imaginar, me lembrando de ir correr no parque, de comer de um jeito não totalmente destrutivo e de manter minha poupança em dia, mas sem lembrar de ligar pro meu pai de tempos em tempos, de pagar um almoço pro cara que mora na calçada na frente do restaurante onde eu almoço quase todos os dias, ou de comprar um panetone pra Marli, diarista aqui de casa.
Precisamos de gatilhos muito específicos – e as vezes muito doloridos – para olhar pra fora. O aniversário, uma grande conquista, uma briga séria, uma doença grave, uma morte. O curioso é que muitas vezes esse movimento de tirar o foco de si mesmo traz um certo alívio.
É como se a gente vivesse esperando uma oportunidade pra ser decente.
Numa tentativa de permanecer menos dependente das circunstâncias, já que é bem desconfortável precisar de um quebra-pau – ou de uma morte – para lembrar de como as relações são importantes, a gente pode utilizar o dinheiro como desculpa.
Dê um presente
A ideia aqui não é comprar um celular de última geração, uma jóia, ou qualquer outra coisa cara e genérica. Não é pra tirar o peso da consciência, nem pra ganhar um broche escrito “bom moço”.
Qual foi a última vez que a gente parou de enxergar a namorada como namorada, a mãe como mãe ou o irmão como irmão, e tentou buscar algo que realmente fizesse com que o presenteado se sentisse entendido, olhado e querido?
Não precisa ser algo comprado numa loja, mas precisa ser algo que só quem colocou esmero na busca perceberia.
O preço aqui não é tão importante, mas é bem capaz que surja algo como “putz, isso seria legal, mas é muito caro”. Se surgir, vale pensar nas últimas coisas compradas e rarissimamente utilizadas. Eu gasto um rio de dinheiro com besteira.
Se surge coragem para gastar comprando besteiras pra mim, por que não surgiria para gastar com coisas incríveis para o outro?
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