Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar
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sábado, 30 de abril de 2016
Primeira Audiência Pública sobre violência sexual da Universidade Federal do ABC
Devido aos recentes casos de violência sexual que aconteceram no entorno do campus de São Bernardo do Campo da Universidade Federal do ABC e os casos nos arredores do campus de Santo André, que ganharam grande visibilidade na mídia na última semana, fizeram com que mulheres da Universidade se reunissem em uma Comissão de Mobilização Contra a Violência Sexual. Formam esta comissão alunas, TAs e professoras da Universidade.
O combate á violência sexual deve ultrapassar as barreiras da Universidade e agregar autoridades políticas por isso contamos com a presença das secretarias e representantes das prefeituras de São Bernardo, Santo André e São Paulo, assim como a comunidade que vive no entorno de ambos os campi.
Com este objetivo, convidamos todas e todos a fazerem parte da nossa luta, na primeira Audiência Pública sobre violência sexual. Discutiremos a necessidade de se debater gênero em todas as instâncias tanto pública quanto privada, reafirmaremos a importância de leis como a Maria da Penha e Feminícidio e incluiremos possíveis ações que possam trazer mais segurança às mulheres que moram ou transitam por esses locais.
A luta das mulheres é diária e é papel de todas e todos o combate à violência sexual e de gênero!
Informações:
02 de Maio às 19 horas
UFABC - Campus São Bernardo do Campo
Auditório 001 - Bloco Beta
Rua Arcturus, 03 - Jardim Antares
“Querida, você derrubou um bombardeiro Heinkel!”
Em ‘Defendendo a Pátria’, Lyuba Vinogradova narra a corajosa luta das aviadoras soviéticas contra os nazistas e contra o machismo
Barcelona
Mulheres que voam, que combatem, que vencem e que caem, alvejadas, queimadas, destroçadas, vítimas inclusive da “pior das mortes”: precipitar-se do céu sem paraquedas, depois de saltar de seu avião em chamas. O mundo heroico, vertiginoso e terrível da aviação de guerra, no feminino. Em Zashchishchaya Rodinu (“defendendo a pátria”, inédito no Brasil), a pesquisadora Lyuba Vinogradova (Moscou, 1973), colaboradora habitual e prestigiosa dos historiadores Antony Beevor (que assina o prefácio) e Max Hastings, traça, a partir de fontes documentais originais e depoimentos em primeira mão, a grande aventura das aviadoras soviéticas da II Guerra Mundial. Narra essa história com uma voz de mulher, atenta a detalhes comovedores que costumam ser ignorados, como a separação das famílias, a dificuldade de contar com roupa adequada – inicialmente, recebiam trajes masculinos, incluindo cuecas –, as lágrimas quando suas tranças eram cortadas, o assédio e os gracejos dos colegas homens, geralmente embriagados de vodca, a falta de acesso a anticoncepcionais (Vinogradova descreve uma cena em que as aviadoras observam com inveja um preservativo capturado do inimigo, uma raridade na época) ou a confecção de lingeries com a seda dos paraquedas de aviadores alemães abatidos. Ficamos imaginando como isso deveria ser humilhante para os pilotos nazistas. Ser derrubado por uma mulher já é duro, diriam os machões da Luftwaffe, mas daí a fazerem calcinhas com o seu equipamento...
“Os alemães não tinham mulheres como combatentes em seu exército, para não falarmos de pilotos”, conta Vinogradova ao EL PAÍS. “Naturalmente, as aviadoras despertavam muita curiosidade neles. No entanto, as que caíam como prisioneiras eram tratadas com enorme dureza.” Para começar, despiam-nas para comprovar o gênero. Quando Lina Smirnova foi abatida, conta a autora, deu um tiro em si mesma antes que pudesse ser capturada.
A emoção das vitórias era semelhante à dos homens, mas às vezes expressa de modo peculiar. “Você derrubou um Heinkel, querida!”, anunciou uma mecânica a Lera Khomyakova quando esta pousou após um combate. Imediatamente, as outras moças em terra a rodearam e a cobriram de beijos. A aviadora foi derrubada pouco depois disso. Seu corpo foi encontrado em um campo de girassóis.
A luta contra o machismo dentro das suas fileiras era tão dura para as aviadoras quanto a própria guerra contra os alemães? “Em comparação à maioria das mulheres no Exército soviético, que constantemente sofriam assédio sexual e às vezes violência sexual, as aviadoras eram um grupo privilegiado. O assédio ostensivo não era tolerado. Entretanto, havia muita discriminação. Os homens se apropriavam dos seus caças, menosprezavam as aviadoras, chamavam-nas de ‘bonecas’. Um exemplo clássico são as exclamações dos pilotos homens no campo perto de Stalingrado quando foram informados de que um regimento de bombardeio feminino chegava: ‘Protejam-se, tem umas meninas tentando aterrissar!’. A grande aviadora Raisa Belyaeva, que havia participado de apresentações aéreas antes da guerra, precisou escutar o comandante do regimento de caças onde combatia lhe dizer: ‘Não quero enviar você em missão, você é muito bonita’, o que, obviamente, ela encarava como um insulto. As mulheres, que muitas vezes tinham mais experiência de voo que seus camaradas masculinos, precisavam provar constantemente suas habilidades e sua coragem.” Paulatinamente, dando o sangue, conquistaram o respeito.
A URSS mobilizou suas mulheres na luta de vida ou morte contra os nazistas, de uma forma que nunca ocorrera antes nem voltou a ocorrer depois. Quase um milhão de soviéticas engrossaram as fileiras do Exército Vermelho, em todos os postos: sapadoras, tanquistas, franco-atiradoras (tema do próximo livro de Vinogradova), operadoras de metralhadora... Ao todo, 92 delas foram condecoradas como Heroínas da União Soviética, sendo 50 postumamente. As soviéticas foram as únicas mulheres do mundo a pilotarem aviões em missões de combate naquele sangrento conflito, enfrentando de igual para igual em numerosas ocasiões os ases da Luftwaffe de Hitler, aos quais impunham surpresas às vezes letais.
“Quando vejo um avião com as cruzes negras e a suástica na cauda, tenho um só sentimento: ódio; essa emoção faz com que eu aperte ainda mais firmemente o disparador das minhas metralhadoras”, dizia a frágil e minúscula – porém corajosa e vital – Lilya Litvyak, conhecida como Garota Vingadora e Lírio Branco de Stalingrado e Kursk, a quem era atribuído o abate de um grande piloto alemão, que ficou perplexo ao ser apresentado à inimiga que o havia derrubado. Dizem que tentou beijar-lhe a mão, mas Vinogradova garante que isso já é invenção da propaganda oficial. Litvyak, a mais famosa aviadora de caça, com 12 abates confirmados, desapareceu durante uma missão em agosto de 1943, aos 21 anos, no comando de seu Yak-1, o número 18, qual uma Saint-Exupéry no feminino, ou uma Amelia Earhart fardada. Seus restos só seriam encontrados em 1979, em parte por causa da roupa íntima – incluindo um sutiã feito com seda de paraquedas. Estava claro que não se tratava de um piloto qualquer.
Litvyak realmente estava à altura da sua lenda? “Era pequenina e muito bonita, com olhos verdes, um cabelo maravilhoso e ótimo tipo. Era uma grande bailarina, adorava roupas bonitas e flertava com os pilotos jovens. Era estilosa. Como muitas outras, queria ser boa piloto sem deixar de ser uma mulher atraente. E ao mesmo tempo tinha muitíssimo caráter. Tinha a coragem de um demônio audacioso.”
A história favorita de Vinagradova envolve Litvyak. “Numa ocasião, após um combate, fez um pouso forçado num terreno com mato muito alto. Dois soldados soviéticos correram para resgatar o piloto. Não o encontravam. Então escutaram a voz aguda de uma garota: “Eu sou o piloto’. Lilya era tão baixinha que não conseguiam vê-lo no mato crescido.”
Litvyak, segundo Vinogradova, era uma mulher briosa. Foi punida várias vezes por desobediência e comportamento indecoroso. Tornou-se amante do ás da aviação Salomatin, também piloto de caça, com quem voava em dupla e que caiu pouco antes dela, num caso de “vandalismo acrobático”.
Como eram o amor e o sexo para essas meninas aviadoras? “Eram muito jovens e, no começo, o estado de ânimo dominante era de que ‘a guerra não é lugar para romances’. Depois, com o confronto se prolongando, elas perceberam que não podiam esperar o seu fim para quer a vida recomeçasse, porque, naqueles momentos, a guerra era a sua vida e era bastante possível que não houvesse um ‘depois’, já que tantas delas estavam morrendo. Muitas já voltaram da guerra casadas e várias outras perderam seus companheiros em combates”. A autora menciona vários casos, e pelo menos um relacionamento homossexual.
Vinogradova destaca que as mulheres da aviação da URSS no segundo confronto não só lutaram no comando de caças e bombardeiros e foram tripulantes, observadoras, radiotelegrafistas ou membros da artilharia, como também participaram das equipes em terra atuando como mecânicas, fornecedoras de munição ou de combustível. Com efeito, o Exército Vermelho teve em sua força aérea três regimentos compostos unicamente por mulheres: um de caça (586), outro de bombardeio pesado (587) e um terceiro de bombardeio noturno (588). Este último era o das Bruxas da Noite. “Diz a lenda que esse nome foi dado pelos alemães, que eram atacados por elas com seus frágeis aviõezinhos, os pequenos biplanos de treinamento U-2 (Po-2), de compensado, que, por causa de seu ruído específico, eram chamados de máquinas de costura. Mas eu acredito que foram elas mesmas que se autodenominaram assim. Elas são admiráveis, pois era preciso ter muita coragem para combater nesses aparelhos, que se incendiavam facilmente. Muitas delas tiveram mortes terríveis. De modo geral, entre as mulheres pilotos e navegadoras que lutaram nas primeiras fileiras, as baixas foram enormes. Talvez um terço do total. É difícil quantificar. No regimento de bombardeio noturno, onde as baixas eram cobertas pelo próprio pessoal, as mortas e feridas chegaram a 50% dos efetivos iniciais”.
As aviadoras tinham diversas origens: estudantes, camponesas, operárias. Muitas delas haviam se formado em escolas de aviação do Konsomol, a organização das juventudes comunistas. Para outras, tal como ocorria no caso de seus colegas masculinos, a guerra fornecia a oportunidade de realizar o sonho de voar. Fizeram isso sob condições dificílimas, morrendo em acidentes e combates. Em seu livro A guerra não tem rosto de mulher, a prêmio Nobel Svetlana Alexiévich reporta o testemunho de uma das Bruxas da Noite, Aleksandra Popova –falecida aos 91 anos de idade em 2013--, segundo o qual algumas deixavam de menstruar por causa do estresse. Mas, como testemunhou uma outra aviadora, a capitã Klaudia Térejova: “Nós, meninas, voávamos e derrubávamos os ases da aviação! Os homens nos observavam com perplexidade. Nos admiravam”.
Na galeria das aviadoras, destaca-se a grande Marina Raskova, que já era uma pioneira da aviação, criadora dos regimentos femininos e que, além disso, atuava como agente secreta da NKVD, dirigida por Beria. Seu lema era: “Podemos fazer tudo”.
O que aconteceu com as sobreviventes depois da guerra? “Foram muito poucas as que permaneceram no exército. Na verdade, elas só haviam sido recrutadas para a guerra. Muitas que já eram aviadoras civis voltaram à sua profissão. Mas é difícil combinar a vida de piloto com a criação de uma família. As poucas que continuaram na força aérea foram desestimuladas por seus superiores: a pátria precisara delas durante a guerra, lhe diziam, mas agora elas precisavam partir e deixar o trabalho dos homens para os homens”.
As aventuras das aviadoras são lembradas hoje em dia na Rússia? “Os russos, de um modo geral, têm muito orgulho de seus heróis e heroínas da Grande Guerra patriótica. No entanto, muitos deles, ou a maioria, ainda prefere a versão da propaganda soviética às versões mais verdadeiras. As mulheres pilotos sobre as quais escrevi não são muito conhecidas, com exceção das mais famosas, como as Bruxas da Noite”. Atualmente, segunda Vinogradova, não há nenhuma dessas valentes aviadoras ainda viva. “Quando comecei a fazer as entrevistas, em 2009, ainda consegui falar com algumas. Tinham muito orgulho daquilo que haviam feito, e eu tinha muito orgulho delas!”.
Qual foi a sua contribuição concreta para o esforço de guerra e para a vitória? “Um regimento de aviação, mesmo que contasse com apenas dez pilotos, era algo bastante valioso na frente de combate do Leste: o Exército Vermelho padecia de uma grande escassez de aviões e de pilotos experientes. Os três regimentos femininos foram, sem dúvida, muito úteis nesse terreno. Desempenharam, além disso, um papel importantíssimo no sentido de elevar o moral na luta tanto entre mulheres soldados como entre as civis, que carregavam um peso enorme em suas costas”.
“Se não falarmos do que é mais incômodo, não há sentido. Quando tratamos do invisível, ele fica visível”
CAMILA MORAES
São Paulo
Autora de ‘Sexografías’, Gabriela Wiener virá à Flip mostrar o poder de falar na primeira pessoa
Gabriela Wiener é uma jornalista e escritora peruana, mãe de dois filhos, bissexual, casada ao mesmo tempo com um homem e uma mulher e um dos nomes mais cotados da literatura latino-americana hoje. Vive na Espanha, tem quatro livros celebrados pela crítica e pelo público – ainda não publicados no Brasil – e virá ao país pela primeira vez em junho a convite da 14a Festa Literária de Paraty (Flip).
Mas o leitor mais desconfiado saberá deixar tudo isso de lado para conhecê-la de fato. Gabriela está em tudo o que escreve – crônicas, reportagens e artigos publicados em revistas como a mítica Etiqueta Negra e em outras publicações de seu país natal, além do EL PAÍS em espanhol. Basta lê-la para se deparar com uma mulher combativa, de voz suave e pensamento certeiro, que se revela nas linhas de textos que, no fundo, revelam muito mais. Nesta entrevista ao EL PAÍS por telefone, Gabriela falou de si, mas ela garante que faz isso com prazer, mesmo, quando está de pluma na mão.
Pergunta. Como começa a sua relação com a escrita?
Resposta. Comecei a escrever muito jovem. Meu pai era jornalista, e eu passeava muito pelas redações. Também lia muita poesia, que ganhava de presente quando era criança. Era uma menina que recitava poemas... a típica chatinha. Passei a gostar de trabalhar com a linguagem, a desenvolver um olhar poético e a conectar as coisas a partir de um plano simbólico. Depois, estudei Literatura na universidade, porque não me imaginava fazendo outra coisa que não fosse ler e escrever sobre o que lia. Quando comecei a trabalhar, fiz estágios em jornais, em várias editorias, até encontrar meu lugar em Cultura. Fazia entrevistas e também reportagens nos típicos suplementos culturais de domingo em diferentes jornais do Peru. Escrevia muito sobre os outros, até que chegou o momento em que me cansei e quis começar a escrever sobre mim.
P. E quando você assume a narração em primeira pessoa?
R. Foi quando comecei a colaborar com a Etiqueta Negra, uma revista latino-americana de jornalismo narrativo mítica. Ela nasce ao mesmo tempo em que começaram a aparecer os blogs... e a alta subjetividade da Internet estava em gestação. Nesse ambiente, fui desenvolvendo minha voz. Escrevia sobre os temas que me obcecavam, como gênero, mulheres, diversidade sexual, intimidade e o amor – zonas que normalmente não são vistas como jornalísticas. Meus textos foram formando algo orgânico e, quando me dei conta, eu tinha um estilo próprio. Entrava nesses mundos, os vivenciava e saía transformada para depois relatar a experiência. Por isso, muitos etiquetam o que faço de jornalismo gonzo. Sou a típica jornalista que vira a protagonista da ação. Mas, até hoje, narrar em primeira pessoa não é muito bem visto.
P. Como você se sente se expondo e o que acha que pode oferecer com isso?
“Escrevi sobre minhas vergonhas e o mais obscuro em mim – ou ao menos parte disso”
R. É uma aposta artística. Expor-se a esse ponto é quase físico. Fiz coisas que alguns consideram arriscadas, ao entrar em certos lugares e me envolver comcertos ambientes... mas é um processo em que podem vir à tona os pudores e os medos mais profundos também. Como em toda aposta artística, é preciso ir nisso até o fim. Escrevi sobre minhas vergonhas e o mais obscuro em mim – ou ao menos parte disso. Acho que se não somos capazes de falar do mais incômodo, não teria sentido... Por outro lado, é uma resistência. Quando falamos de assuntos invisíveis, eles se tornam visíveis. E é importante que seja em voz alta – sobretudo nós, mulheres, que tivemos de enfrentar muitos ataques do patriarcado. Muitas vezes transformei temas meus em coletivos. Gosto de pensar que essa exposição não é em vão, que é uma resistência de uma comunidade em pé de luta.
P. Por que você adotou a crônica para essa missão?
R. É um gênero muito variado, no qual cabem todos os outros. Não me pareceu tão surpreendente que aí se pudesse incluir uma voz autobiográfica. Mas, na verdade, encontrei meu lugar às margens dos gêneros literários, inclusive às margens da crônica. Fico feliz que isso que faço – eu e tanta gente – seja acolhido em uma revista ou em um jornal. Hoje, mais que nunca, há muitíssimos espaços para escritas diversas e até degeneradas, fora das tentativas de caracterizar tudo.
P. Como nascem seus livros mais conhecidos, Sexografías e Nueve lunas?
R. Sexografías surge de uma maneira quase inconsciente. Tinha começado a escrever crônicas sobre universos nos quais eu entrava e, como num jogo de espelhos, me via refletida. É um livro de jornalismo narrativo que trata de sexo, intimidade, amor – meus e de outros também.
Nueve lunas é uma autoinvestigação dos nove meses de gravidez de uma mulher que quer se distanciar dos malditos assuntos típicos de grávida. Também um relato de como tratei de me afastar da breguice e do assédio de que uma mulher é vítima por parte do mundo hospitalário, do mundo familiar etc, que querem determinar como deve ser a maternidade. Nele, uso todas as minhas ferramentas de jornalista, mas para contar uma história realmente muito íntima, da qual acredito que não só mulheres, mas homens também puderam se aproximar.
Tenho um livro de poesia também, chamado Ejercicios para el endurecimiento del espíritu. E o último que publiquei é o Llamada perdida, de histórias muito mais intimistas como conversas com a minha filha, autorretratos... Aí meu olhar se estreita muito mais e é implacável comigo mesma, especialmente. Tem uma parte dedicada também ao exílio, isso de viver no exterior, estar e não estar, viver nessa espécie de prazer incômodo, num limbo emocional e geográfico entre Lima e Madri.
P. Por que temas como sexo, filhos e outros tão comuns conseguem ainda chocar as pessoas, quando são discutidos abertamente?
"O problema não são os temas de sempre, e sim a gente de sempre, que continua fiscalizando e cerceando as liberdades"
R. A questão é a família, da que a Igreja enche a boca para falar, com esse molde único. Nós, que vivemos dentro de outro tipo de família e acreditamos que há outras maneiras de amar, terminamos sendo chocantes ainda para a sagrada família. No Peru, não existe nem o casamento igualitário, que outros países latino-americanos já aprovaram. Continuamos sendo um país superconservador, no qual milhares de pessoas marcham contra o aborto. Se um lugar assim, você levanta a voz para falar dos direitos da mulher de fazer com seu corpo o que quiser, é atacado. Se defende outros tipos de amor, não é considerado um cidadão como os demais. O problema não são os temas de sempre, e sim a gente de sempre, que continua fiscalizando e cerceando as liberdades.
P. Li há pouco a entrevista de uma psiquiatra que afirmava que o casamento faz mal à saúde da mulher. O que você, que vive um matrimônio a três, opina a esse respeito?
Casamento? "Ninguém está livre de ser parte de algo assim, porque é a vida, você se apaixona, vive junto, tem filhos... Mas há outros tipos de cumplicidade, de maneiras de se relacionar"
R. O casamento é uma bela merda, na realidade. É uma condenação, a dois, três ou a quatro. Esse tipo de vínculo tão capitalista, conveniente e contratual costuma ser uma ameaça a todo o contrário: ao amor, ao desejo e às liberdades em geral. É uma faca de dois gumes: faz você se sentir mais segurança, mas vai te corroendo também. Acho que devemos criticar cada vez mais esses estamentos que carregam um ranço de obrigatoriedade. Ninguém está livre de ser parte de algo assim, porque é a vida, você se apaixona, vive junto, tem filhos... Mas há outros tipos de cumplicidade, de maneiras de se relacionar.
P. Como você vê uma possível vitória de Keiko Fujimori nas eleições do Peru?
R. O Peru é um país com uma maioria de direita, fujimorisado, vivendo sob uma Constituição desenhada por ele quando se reelegeu, em 1993. Somos ricos em um monte de coisas, mas nada dessa riqueza se compartilha com as pessoas. Outro dia saí aqui em Madri com um grupo de companheiras levando desenhos dos nossos ovários, pintadas com tinta cor de sangue, para protestar pelas filhas de camponesas que Fujimori não pôde esterilizar. É um momento muito difícil, muito delicado, com a ameaça da volta ao poder do fujimorismo – que foi responsável por uma das décadas mais obscuras do nosso passado recente, no que se refere a corrupção, crimes de lesa humanidade... Nessas eleições, ambos candidatos representam o mesmo, porque defendem o modelo neoliberal que perpetua a desigualdade. Mas um deles é pior: representa a volta da máfia, e contra isso vamos fazer campanha. O fujimorismo não voltou da última vez que tentou, há cinco anos, e não permitiremos que volte agora.
P. Quais são suas expectativas em relação à Flip?
R. Altas! Falaram muito bem da Flip para mim. Acho que é esse tipo de evento que atrai mais e mais gente, porque coloca a literatura em novos contextos, relacionada com a festa, a música e universos fora dos livros. Tira o escritor de sua maldita torre de Babel e o coloca em ação. E um cenário como Paraty, junto a pessoas tão interessantes, isso me seduz completamente. Será minha primeira vez no Brasil.
Sexo oral com mulher inconsciente por embriaguez não é crime em Oklahoma
Um tribunal de recursos em Oklahoma confirmou, na quarta-feira (27/4), decisão de um juiz de primeiro grau, segundo a qual sexo oral não pode ser caracterizado como estupro e também não é crime, se a justificativa da acusação for o fato de que vítima estava inconsciente por consumo de bebidas alcoólicas ou drogas.
Os juízes dos dois tribunais disseram que, embora a decisão desagrade muita gente, a culpa é da legislação de Oklahoma (que, por sinal, não é o único estado americano a ter legislação igual). Pelo menos um parlamentar já prometeu mudar a legislação.
Oklahoma tem uma lei para estupro e uma lei para sodomia. A lei do estupro caracteriza o crime apenas no caso de penetração na vagina, sem consentimento da mulher. E descreve situações em que o crime pode ocorrer, entre elas o fato de a mulher estar inconsciente por embriaguez ou uso de qualquer outra substância.
A lei da sodomia, por sua vez, criminaliza o sexo oral, em algumas circunstâncias. O fato de a mulher estar inconsciente por embriaguez ou por uso de droga não é uma delas. Também são criminalizados na lei da sodomia o sexo anal e a “bestialidade” — sexo com animais.
“Nós não vamos criar um crime onde ele não existe”, disseram os juízes ao procurador do Condado de Tulsa, Bejamin Fu, que se disse “chocado” com a decisão e os acusava de colocar a culpa na vítima por um crime sexual, de acordo com o Oklahoma Watch, o The Guardian e outras publicações.
À época do caso, o acusado era um estudante de 17 anos e a vítima uma estudante de 16 anos. Eles e alguns colegas do colégio consumiram bebidas alcoólicas e fumaram maconha, em um parque de Tulsa. A estudante teria bebido “muita vodca”. Mais tarde, um hospital confirmou que sua taxa de álcool no sangue dela era de 0,341% dg/L — para comparação apenas, mais de quatro vezes o limite legal para dirigir um carro, 0,08%.
Quando ela “apagou”, foi carregada ao carro do estudante acusado. O estudante a levou para a casa dos avós, que se encarregaram de levá-la para o hospital. O sexo oral teria acontecido no trajeto para a casa dos avós. Segundo o estudante, alegou que o sexo oral foi consentido. Porém outro estudante, que pegou uma carona por um trecho menor da viagem, disse à polícia que ela tinha momentos de consciência e de inconsciência.
No hospital, os médicos examinaram a estudante, fizeram exame de DNA dos dois e encontraram DNA do estudante em algumas partes do corpo dela. Ela sustentou, durante exames médicos, interrogatório da polícia e na Justiça que não se lembrava de nada. A possibilidade de estupro (penetração na vagina, no caso) foi descartada.
“O réu não pode ser processado. A sodomia forçada não pode ocorrer quando a vítima está completamente inconsciente no momento do ato sexual de copulação oral, porque a lei da sodomia não menciona incapacitação da vítima pelo consumo de bebida alcoólica. Nós não vamos, a fim de justificar uma condenação, esticar a lei além do significado justo de seu texto”, escreveram os juízes.
Duas especialistas ouvidas pelos jornais disseram que os juízes estão certos. A culpa é da lei obsoleta que define a sodomia — uma palavra que deriva de Sodoma, cujos habitantes praticavam sexo não procriativo. Há uma lacuna imensa entre a colcha de retalhos que é a legislação do país e as ideias mais evoluídas sobre estupro e consentimento.
A reitora da Faculdade de Direito CUNY, Michelle Anderson, que já escreveu extensamente sobre a lei do estupro, disse que a decisão foi “apropriada”, uma vez que se baseou em uma lei, mesmo que “arcaica”. Só a Assembleia Legislativa do estado poderia mudar isso, ela disse.
Michelle Anderson, dirigente do grupo AEquitas, que se dedica a ajudar os promotores em casos de crimes sexuais e violência doméstica, disse que concorda. “Existe um abismo, em alguns lugares do país, entre a lei e as noções mais evoluídas sobre sexo e consentimento”, declarou.
Sodomia e estupro
Houve uma época, na história dos Estados Unidos, que os legisladores estavam preocupados mais em punir relações homossexuais do que cuidar de especificidades da lei. A lei da sodomia já foi usada para punir relação homossexual consentida. Raramente foi aplicada para punir relações heterossexuais, consentidas ou não, que poderiam ser caracterizadas como sodomia.
Em alguns estados, a lei da sodomia evoluiu. Em outros, foi extinta. Mas a lei do estupro é mais clara e mais abrangente, embora difira de estado a estado. Nos EUA, a lei criminaliza o que chama de “conduta sexual criminosa de primeiro grau”, de acordo com o Projeto Pandora.
De uma maneira geral, a lei define estupro como um contato sexual ou penetração que ocorre: 1) sem consentimento; 2) com o uso de força física, coerção, engodo, ameaça; e 3) quando a vítima: a) é incapacitada ou deficiente mentalmente; b) incapacitada fisicamente (devido ao consumo voluntário ou involuntário de bebidas alcoólicas ou drogas; c) está adormecida ou inconsciente.
O consentimento, como em outros países, é o elemento crítico para determinar o crime de estupro. Há considerações sobre isso: 1) silêncio não significa consentimento; 2) consentimento dado sobre qualquer tipo de pressão (força, coerção, etc.) não é consentimento; 3) se uma pessoa está incapacitada devida ao consumo de bebidas alcoólicas ou drogas, não é capaz de dar consentimento. Nesses casos, ocorre o estupro.
Menores de 16 ou 18 anos (dependendo do estado) são incapazes de dar consentimento, perante a lei. Abusos sexuais de menores são definidos como “estupro com violência presumida” (statutory rape), em vista da idade ou incapacidade da vítima. Não importa se o réu não sabia que a vítima era menor de idade.
Evolução histórica da guarda compartilhada
Gisele Müller MansurRio Grande, 30 de Abril de 2016
Resumo: A sociedade brasileira sofreu alterações significativas nos últimos tempos.Diante das diversas mudanças ocorridas, surgiu uma necessidade pela criação de um modelo de guarda que mantivesse a relação afetiva entre pais e filhos, visando o desenvolvimento saudável e melhor interesse da criança. A Lei nº 13.058, prevê que mesmo quando não haja consenso entre os pais ou um relacionamento harmonioso, o magistrado deverá priorizar o instituto da guarda compartilhada, exceto quando algum dos genitores declarar expressamente o seu desejo de não compartilhar a guarda da criança ou quando o juiz, de forma justificada, opinar pela unilateralidade da guarda.O objetivo desse artigo é analisar e identificar o instituto da guarda compartilhada em sua integralidade e ao final chegar a uma conclusão, sabendo se o presente tema tende a proteger e ser mais benéfico ao menor ou a seu guardião.
1Introdução
A sociedade brasileira sofreu alterações significativas nos últimos tempos. O contexto histórico está diretamente atrelado às mudanças sucedidas no interior da família.
Diante das diversas mudanças ocorridas, surgiu uma mudança e uma necessidade pela criação de um modelo de guarda que mantivesse a relação afetiva entre pais e filhos, visando o desenvolvimento saudável e melhor interesse da criança.
Na relação afetiva entre pais e filhos, segundo Ana Carolina Brochado Teixeira o menor é protagonista da família, em razão de sua vulnerabilidade, enraizada no déficit de discernimento decorrente da pouca idade.
Sendo assim, o referido artigo busca a análise da recente modalidade de guarda compartilhada, contemplada na legislação vigente; os posicionamentos acerca da utilização do instituto a compreensão deste em sua integralidade, obtendo uma noção do conceito, observando sua origem e fundamentações jurídicas.
A pesquisa sobre a guarda compartilhada é necessária, pois, conforme previsão na legislação, só tem a contribuir para a continuação da família, que é base da sociedade.
A metodologia aplicada no presente artigo pauta-se em pesquisa bibliográfica, através de livros que tratem da matéria, buscando analisar a teoria das diferenças existentes ao longo dos anos nas leis acerca da guarda compartilhada.
O objetivo desse artigo é analisar e identificar o instituto da guarda compartilhada em sua integralidade e ao final chegar a uma conclusão, sabendo se o presente tema tende a proteger e ser mais benéfico ao menor ou a seu guardião.
2O conceito de guarda compartilhada
De acordo com o doutrinador De Plácio e Silva, o vocábulo guarda é: “derivado do antigo alemão wargen (guarda, espera), de que proveio o inglês warden (guarda), de que formou o francês garde.” (DE PLÁCIO E SILVA, 1990, p. 365/366)[1].
Ana Carolina Brochado Teixeira (2010, p.239)[2], traz que “a guarda compõe a estrutura do poder familiar”, de modo que serve para mostrar quem ficará com a companhia direta do menor, pois mesmo que o casal não possua mais um vínculo conjugal a autoridade parental permanecerá intacta.
Fundamentadamente, na Lei 13.058[3] de 22 de dezembro de 2015, encontra‐se o conceito de guarda compartilhada como sendo o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
O exercício do poder familiar compete aos pais, igualmente, pois não é o exercício de uma autoridade, mas de um encargo imposto pela paternidade e maternidade, decorrente da lei, conforme o artigo 1631 do Código Civil.
É através de este poder que os pais mantêm os filhos em sua companhia, proporcionando-lhes proteção, educação, afeto, amor, alimentos, enfim, preparando-os para que possam se desenvolver como pessoas e serem cidadãos capazes de exercer seus direitos e obrigações.
Assim, se é retirado dele o contato comum dos genitores, logo, o mesmo perderá sua base que é a família. Várias são asconsequências trazidas com a ausência dos pais, inclusive no desenvolvimento psicológico e social da criança.
Na relação afetiva entre pais e filhos, segundo Ana Carolina Brochado Teixeira o menor é protagonista da família, em razão de sua vulnerabilidade, enraizada no déficit de discernimento decorrente da pouca idade. (Id, 2010, p.239)[4]
Na guarda compartilhada, o impacto sofrido pelo menor com a separação dos pais se torna cada vez menor, pois este terá uma convivência maior e de forma igualitária com ambos os pais. Logo, o objetivo da guarda compartilhada é o compartilhamento dos deveres inerentes ao poder familiar, ou seja, tirar a responsabilidade de um só dos genitores e dá-se a ambos.
3A guarda no sistema jurídico brasileiro
A Constituição Federal traz em seu preâmbulo, a supremacia do exercício dos direitos sociais/individuais, a liberdade, igualdade, segurança, o bem-estar, o desenvolvimento e a justiça como valores soberanos. Portanto, os genitores sem distinção alguma, são responsáveis pelo menor, o representando de forma legal, possuindo o dever de acordar sobre as decisões que envolvam o filho menor, zelando por seus interesses e direitos. (FONTES, 2009, p. 51/52).[5]
Temos no artigo 5º inciso I da Constituição Federal a formalização dessa igualdade que todos devem ser tratados:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...]. (BRASIL, Constituição, 1988).[6]
Em seu artigo 226, parágrafo 5º: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”
Para complementar a ideia de igualdade, de colaboração mútua e deveres, o artigo 227 caput da Constituição Federal traz a seguinte redação:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
E é nessa linha de entendimento que o Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado para resguardar a proteção dos interesses das crianças e adolescentes. (Id, 2009, p. 53)[7].
Desta forma são mencionados em seu artigo 4º seus direitos fundamentais, temos a seguinte redação:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990)[8].
O artigo 6º do ECA, vem complementando o já mencionado, destacando a criança e o adolescente como pessoas em desenvolvimento, que devem ter seus direitos e deveres assegurados:
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Temos que a criança e o adolescente não podem ser privados de seu direito de liberdade perante a participação da vida familiar e comunitária, sem discriminação. Sendo assim, é de se extrair que essa restrição também implica ao convívio com seus pais, os quais devem participar igualmente na vida dos filhos.
O artigo 22 do ECA traz que: “Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.” (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990, p.1029)
Destarte, podemos observar os benefícios que a guarda compartilhada pode vir a acarretar para a vida do menor, possibilitando que os genitores participem de forma igual de todas as decisões pertinentes a vida de seus filhos. (Id, 2009, p. 53).[9]
4A lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014.
No final do ano de 2014, especificamente na data de 22 de dezembro, a então Presidenta da República, Sra. Dilma Roussef, sancionou a Lei nº 13.058, que alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do nosso atual Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002), os quais já tratavam da guarda compartilhada aos genitores e sua aplicabilidade na prática.
O Projeto de Lei (PLC nº 117/2013) do deputado Arnaldo Faria de Sá do partido político PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que tramitou por 3 (três) anos na Câmara dos Deputados e fora aprovado pelo Senado Federal em 26 de novembro de 2014, o qual originou a supracitada Lei nº 13.058/2014[10], sancionada recentemente e sem vetos pela nossa atual Presidenta da República.
A Lei nº 13.058/2014, não inovou com o instituto da guarda compartilhada, uma vez que, desde o ano de 2008, a Lei nº 11.698 já estabelecia a respeito de tal instituto, trazendo a necessidade da divisão de responsabilidades e despesas quanto à educação, manutenção, criação e convívio com os filhos comuns.
Não obstante, na prática, o que ocorria na maioria das situações judiciais, era o litígio entre os genitores, ou seja, uma relação desarmoniosa e desrespeitosa, sem o consenso quanto a definição da guarda dos filhos, cabendo ao magistrado determinar, na maioria das vezes, uma guarda unilateral a um dos genitores, e destaca-se que um índice superior concedido às mães em detrimento aos pais, talvez por questões culturais e históricas, já que a nossa Constituição Federal proclamou que todos são iguais perante a lei, seja homem ou mulher, mas desde que, no caso da concessão da guarda, tal genitor demonstre possuir melhores condições para exercer a guarda do filho.
Logo, antes do advento da Lei nº 13.058/2014, por mais que já existisse a guarda compartilhada, ainda a guarda unilateral se via com predominância no judiciário, isto por conta da falta de estabilidade emocional entre os pais, que não consentiam quanto a concessão da guarda.
Mesmo quando não haja consenso entre os pais ou um relacionamento harmonioso, de acordo com a Lei nº 13.058/2014, que alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do nosso atual Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002), prevê que o magistrado deverá priorizar o instituto da guarda compartilhada, exceto quando algum dos genitoresdeclarar expressamente o seu desejo de não compartilhar a guarda da criança ouquando o juiz, de forma justificada, opinar pela unilateralidade da guarda.
A decisão conservada ao juiz para conceder ou não a guarda compartilhada é extremamente essencial, pois dependendo de cada caso, é fundamental que se determine a guarda a apenas um dos genitores, como por exemplo se o pai ou a mãe for dependente químico ou tiver abusado sexualmente do filho (a), bem como em casos em que um dos pais deseja mudar de residência com o filho(a) e não possui a autorização do ex-cônjuge para levar o filho comum - desde haja fundado motivo para tanto - como uma alteração do local trabalho para outro Município, Estado ou País, ou para tratamento médico que perdure por longo período e etc, os quais também justificariam o juiz determinar a guarda unilateral a um dos genitores ou conceder a guarda compartilhada, decidindo o conflito por eles. (Madaleno (2013, p.444-446)[11]
Dentre os benefícios previstos nesta nova lei, destaca-se a prestação de constas, que ambos os genitores devem estar atentos, incluindo i a própria pensão alimentícia paga por um dos genitores, verificando se a mesma está sendo utilizadapara o bem estar do filho.
Contempla ainda outro benefício significativo, previsto noArtigo 1.584 [...]
“§ 6º Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.” (Incluído pela Lei nº 13.058 de 2014).
Esta previsão trás segurança aos genitores que não possuem a guarda de seus filhos e eram privados muitas vezes de informações básicas da rotina de seus filhos.
Sendo assim, se existir por parte dos genitores fatores essenciais como: estabilidade emocional, cordialidade, maturidade o suficiente para ultrapassar os anseios pessoais e egoísticos de cada um, a aplicabilidade da guarda compartilhada irá acrescentar à vida do filho, o vínculo e a convivência com ambos os paisperdurando a referência destes.
No tocante as pensões alimentícias, mister se faz esclarecer que as mesmas permanecem inalteradas na maioria dos casos, pois errôneo o entendimento de que por compartilhar a guarda, os valores devidos à titulo de pensão também deveriam ser igualmente compartilhados, nas mesmas proporções, ou até mesmo excluídos, deixando de existir a proporcionalidade com os salários dos genitores, o que é um equívoco. A verba alimentar do filho não é calculada com uma divisão igualitária aos pais, mas sim com uma divisão proporcional aos salários desses pais.
A Benesse da referida lei são claras na medida em que diminui a existência da danosa exclusividade da guarda unilateral, fazendo, desta maneira, com que melhore a dimensão psíquica do próprio filho que passará a sofrer menos com o devastador efeito do fim da relação de afeto que unia os seus genitores, portanto, é válido destacar que a tendência é que o vínculo entre pais e filhos não deva se extinguir, permitindo que se amplie cada vez mais a convivência saudável entre todos da família.
4.1 -Reflexos da guarda compartilhada na lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014.
4.1.1 Da Residência
A Lei nº 13.058/2014[12]prevê que na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos [sic].
A residência é essencial para a estabilidade do infante. Deste modo, Ana Maria Milano Silva (2008)[13], entende ser necessário reforçar o ponto em que ambos os pais devem possuir acomodações para a criança em suas respectivas residências, tendo a criança consciência de que existe “um canto seu” em cada um dos lares de seus genitores, onde ela sentirá que também é sua casa, pois neste tipo de guarda, a criança tem residência fixa (ou na casa paterna, ou na casa materna), ocorrendo intermediação dos pais em todos os aspectos fundamentais ao salutar desenvolvimento da criança. A determinação da residência fixa é essencial porque ela é indispensável à estabilidade emocional da criança que terá, assim, um ponto de referencia, um centro de apoio de onde irradiam todos os seus contatos com o mundo exterior. Esta fixação da residência é também essencial para que os ex-cônjuges (mas sempre pais) definam o contexto no qual eles passam a exercer suas responsabilidades, entre si e os filhos, e entre si e os terceiros submetidos a esta condição para beneficiar as presunções legais daí decorrentes.
Assim teremos que, o genitor que residir com o menor, será o detentor de sua guarda física/material, e os dois juntos detentores da guarda jurídica.
4.1.2 Da Educação
O artigo 1634, I do Código Civil, bem como o artigo 229 da Constituição Federal preceituam que é dever dos pais dirigir a criação e a educação dos filhos.
Nesta linha, constata-se que deverá ser tratado em comum acordo pelos genitores, ou seja, o tipo de escola, o período a ser frequentado, sempre ouvindo a opinião dos filhos, mas primando, obviamente, pelo bom senso e melhor interesse da criança. Até os cursos paralelos, como línguas, dança, ginástica, música, etc serão abordados pelos genitores conjuntamente com as crianças, nos moldes de uma família estruturada em união normal. (SILVA, 2008, p. 111). [14]
No dever dos pais de educação está compreendida tanto a assistência moral, como a material, traduzida no dever de sustento. Deste modo, segundo WaldyrGrisard Filho (2005, p.72) é preciso distinguir o interesse moral do material no tocante a determinação da guarda (não apenas a compartilhada), assegurando que o interesse moral deve prevalecer sobre o material, no que concerne a formação sociológica, ambiental, afetiva, espiritual, psicológica e educacional. No interesse moral, verifica-se a idade da criança ou adolescente, que no inicio da infância, tem uma carência maior de cuidado constante, conquanto o material não se pode sopesar independente do moral, nem priorizá-lo.[15]
A educação referida não é aquela voltada apenas a propiciar bons estudos, pagando uma boa escola, bons professores, vai muito além dessa referência, do dever da manutenção material na escola. Educar não é pode estar participando pecuniariamente ao sustento de uma criança na escola, sem, portanto, educá-lo. (LEITE, 1997, apud FONTES, 2009, p. 75)[16]
Concluímos que a figura do educar recai tanto para o lado moral, como já mencionado, quanto o material que é a obrigação de alimentos, de sustento.
4.1.3 Da Visita
A guarda compartilhada tem como um de seus aspectos, manter o convívio igualitário entre o menor e os genitores.
O melhor arranjo é aquele que possibilita o maior contato das crianças com os pais, a qual deve dispensar interesse em seu bem estar, educação, saúde e seu desenvolvimento como um todo. Os sentimentos de responsabilidade e de solidariedade devem ser incentivados, organizando-se um modelo de forma livre, mas a favor da criança, do jovem e da família, potenciando-se a força nela imanentes, o que redundará menores riscos de marginalização e estigmatizarão. (AZEVEDO, 2001, apud FONTES, 2009, p.77).
De acordo com a lei 13.058/2014 no caso de divergência entre os pais, o juiz decretará o período de convívio segundo a rotina de cada entres os genitores.
4.1.4 Dos Alimentos
Os alimentos devem ser entendidos a partir da necessidade e a possibilidade. Os quais na medida do possível devem ser pagos, na constância da união os pais contribuíam para o sustento e alimentação de seus filhos, situação essa que não pode ser modificada com o término da relação conjugal. (FONTES, 2009, p. 79).[17]
A guarda compartilhada não altera a obrigação alimentar de ambos os genitores, nessa questão devemos respeitar o binômio possibilidade e necessidade assim como preceitua o art. 1694, § 1º do Código Civil, vejamos:
“Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender as necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. (...)”
Destarte, os alimentos devem ser pagos pelos genitores em favor de seu filho, de acordo com a possibilidade e com a necessidade da situação, o que não pode ocorrer é que um dos genitores venha a se esquivar do pagamento utilizando-se de má-fé. Esse pagamento deve ser acordado entre os genitores, da forma que cada um possa contribuir, e considerando a necessidade do menor.
4.1.5 Da Responsabilidade Civil dos Pais
A guarda compartilhada nada mais é do que a responsabilidade conjunta dos genitores no exercício do poder familiar. Sua instituição assegura aos pais todos os direitos e deveres concernentes à criação dos filhos, na mesma medida e na mesma intensidade.
Em consonância com a lei 13.058/2014, verifica-se como uma obrigação, a fiscalização e supervisão dos interesses do filho por qualquer um dos pais, tendo em vista o exercício regular do poder familiar.
A referida lei também impõe multa diária a qualquer estabelecimento público ou privado que se negue a prestar informações sobre o filho a qualquer dos genitores. A multa pode variar de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais).
Os pais respondem de forma igual pelas atitudes de seu filho menor, conforme artigo 932, inciso I do Código Civil de 2002, que dispõe: “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; [...]” (BRASIL, Código Civil, 2002, p.308).[18]
Como a responsabilidade é conjunta, se ocorrer algum dano proveniente da atitude do menor, os genitores vão responder solidariamente, pois exercem conjuntamente a educação e formação do filho. (FONTES, 2009, p. 80)[19]
5As vantagens e desvantagens da guarda compartilhada
A Guarda Compartilhada traz aspectos positivos e negativos.
As vantagens encontradas nessa modalidade de guarda que podem ser observadas, é que neste novo paradigma pais e filhos não correm riscos de perder a intimidade e a ligação potencial. Ele é o plano mais útil de cuidado, e justiça, aos filhos do divórcio, enquanto equilibra a necessidade do menor de uma relação permanente e ininterrupta com seus dois genitores, trazendo como corolário a limitação dos conflitos parentais contínuos. Ele recompõe os embasamentos emocionais do menor, atenuando as marcas negativas de uma separação. Resulta em um maior compromisso dos pais nas vidas de seus filhos depois do divórcio. (FILHO, 2005).[20]
Sãorepetidamentelevantadoscomo pontos positivos da guarda compartilhada o convívio igualitário, sendo que tanto o pai quanto a mãe detém os mesmos direitos e deveres perante sua prole, O aprendizado proporcionado, uma vez que passam a conviver com mundos distintos e a confiança do compartilhamento da guarda, ou seja, Compartilhar a guarda com alguém em que confie. (SCHNEEBELI; MENANDRO, 2012, p. 75/76).[21]
Quanto aos aspectos negativos da guarda compartilhada, podemos destacar; a confusão na criação dos filhos, devido à diversidade de ambiente e de ordens, a falta de referência de lar, uma vez que a criança é submetida a viver em lares distintos, o que pode dificultar sua identificação com o ambiente lar e compartilhar a guarda com alguém que não se confia. (Id, 2012, p. 76).
Ao analisarmos os aspectos positivos e negativos em relação a guarda compartilhada, podemos perceber que sempre é visado o bem estar da prole.
Um aspecto controversochama a atenção, quanto a confiança na pessoa com que se divide a guarda, que nos leva a refletir que cada qual tem uma história, que o motivo da ruptura desses casais pode ser o mais diverso possível, o que mostra de forma clara que cada estipulação de guarda deve ser estudada de forma minuciosa uma vez que estamos lidando com uma vida humana, que muitas das vezes é frágil e não possui condições de se defender sozinha.
A guarda compartilhada, pode sim trazer inúmeros benefícios para todos os envolvidos na relação, o que só depende dos genitores se conscientizarem e estiverem dispostos a zelar pelo melhor interesse do seu filho. Possibilitando assim, um melhor convívio, uma boa comunicação, o que leva ao encontro de soluções mais fáceis de executar.
6Conclusão
Acerca do que foi exposto, entendemos que a Lei nº 13.058/2014, que alterou os artigos 1.583, 1.584,1.585 e 1.634 donosso atual Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002), compreende mais aspectos positivos do que negativos, os pontos positivos da guarda compartilhada são o convívio igualitário, sendo que tanto o pai quanto a mãe detém os mesmos direitos e deveres perante sua prole, o aprendizado proporcionado, uma vez que passam a conviver com mundos distintos e a confiança do compartilhamento da guarda, ou seja, compartilhar a guarda com alguém em que confie. Este instituto recompõe os embasamentos emocionais do menor, atenuando as marcas negativas de uma separação. Resulta em um maior compromisso dos pais nas vidas de seus filhos depois do divórcio, sendo benéfico tanto para o menor como para os genitores.
Gisele Müller Mansur
Graduada em Direito pela Faculdade Estácio de Sá pós graduanda em Educação Profissional e Doutoranda em Direito pela IESLA
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