"Com seu véu, sua pele queimada [num acidente na infância], sua inteligência, seu espírito crítico, seu humor ácido, a foto de seu casamento com Rogelio (ela de véu branco de noiva, como Deus manda) exposta no mesmo blog em que ela se declara bissexual, Yasmín desafia nossa rigidez mental", escreve June Fernández, diretora da publicação feminista "Píkara Magazine", do País Basco.
Ativista cubana Yasmín Silvia Portales afirma que ainda é difícil viver em Cuba como alguém "não heterossexual". Há quatro anos ela fundou o Projeto Arco-Íris, coletivo que tem dado voz à comunidade LGBT no país.
- Data 27.10.2015
- Autoria Rosa Muñoz Lima
A ativista cubana ganha a vida como crítica literária e escritora de ficção científica e fantasia cubana. Parte do dinheiro que recebe permite que Yasmín atue como pesquisadora social independente, sobre questões como políticas públicas e o uso da internet em Cuba. A outra parte de seu rendimento é usada para cuidar da família e dos projetos políticos que integra.
Entre 2005 e 2006, ela foi repórter e webmaster do Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex), associado ao Ministério da Saúde de Cuba e dirigido por Mariela Castro, filha do atual presidente cubano, Raúl Castro.
Em seguida, uma bolsa de estudos na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), no Equador, alimentou sua militância feminista. Yasmín se convenceu de que, além do valioso trabalho de "visibilidade e apoio à comunidade LGBT" desenvolvido pelo Cenesex, a gama de ativistas gerada pelo próprio centro cubano teria de "ir às ruas para exigir direitos".
Projeto Arco-Íris
Primeiramente, Yasmín se juntou àRede Observatório Crítico, "um grupo político horizontal e anticapitalista", formado por ativistas que lutam pela paz, pelo meio ambiente, pelos direitos LGBT, contra o racismo, entre outras causas.
Mais tarde, em 2011, ela ajudou a fundar oProjeto Arco-Íris, um coletivo "LGBT, anticapitalista e independente" – que se tornou, em 2014, a primeira organização independente de Cuba a ser aceita como membro pleno da Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (Ilga, na sigla em inglês).
O Projeto Arco-Íris "acredita que é preciso lutar, porque em Cuba ainda é difícil sair à rua todos os dias e viver como alguém não heterossexual", explica a página do movimento na internet. "Defendemos o direito de nos recusar a mentir para nossas famílias, comunidades, colegas de trabalho e amigos. Defendemos também o respeito aos heterossexuais que nos apoiam contra a homofobia cotidiana."
O coletivo fundado por Yasmín faz "análises críticas das políticas públicas" criadas para a comunidade LGBT. O projeto denunciou, por exemplo, a inclinação homofóbica do Censo Populacional e Habitacional do país em 2012 – sobre o qual o Cenesex se recusou a se pronunciar –, além da exclusão da identidade de gênero e da condição de soropositivo como causas puníveis de discriminação na Lei 116 do Código Trabalhista.
O Arco-Íris reivindica ainda uma atualização mais do que urgente do Código da Família, para que a lei reconheça, pelo menos, a união civil homossexual – já que o casamento igualitário só seria possível com uma reforma constitucional.
O projeto informa a comunidade LGBT cubana sobre a luta de organizações similares no resto do mundo. Reúne e expõe as diferentes "vozes de intelectuais e ativistas da causa, publicadas em diversos espaços e veículos, nem sempre visíveis para a comunidade". Por fim, ele recupera e publica "denúncias de atos de discriminação" em todo o país e tenta conectar as vítimas com o serviço de consultoria jurídica do Cenesex.
Entre o real e o virtual
O Projeto Arco-Íris conta com o trabalho de dez ativistas: sete em Havana, capital do país, e três na província de Villa Clara. Eles têm consciência de que, mesmo tendo um blog hospedado num servidor da chamada "intranet" cubana (uma rede local de acesso menos restrito que a internet), nem metade da população consegue acessar o conteúdo que publicam online.
As mídias digitais, no entanto, continuam sendo uma boa alternativa ao "discurso oficial", num país onde a imprensa tradicional "está nas mãos do Estado" e responde às políticas do Partido Comunista (o único oficialmente reconhecido na ilha).
Por isso, o Arco-Íris – cuja página na web acumula entre 40 e 60 visitas diárias – distribui um boletim digital por e-mail a cerca de 500 endereços eletrônicos. Também envia esporadicamente mensagens via SMS, convocando para atos públicos, a uma lista de 600 números de telefone celular.
Além disso, o coletivo se junta para defender sua visibilidade em espaços públicos controlados pelo Estado, como as Jornadas Contra a Homofobia, organizadas anualmente pela Cenesex.
Ou mesmo tomam o espaço público por conta própria, para celebrar, por exemplo, o aniversário da Rebelião de Stonewall – uma série de manifestações da comunidade LGBT contra a invasão policial a um estabelecimento gay nos EUA em 1969. "Beijaços" públicos a favor da "diversidade e igualdade" já reuniram entre 20 e 50 pessoas, "um sucesso considerando as condições cubanas", afirma Yasmín.
"À esquerda do governo"
O Projeto Arco-Íris e a Rede Observatório Crítico são parte de uma dissidência que se encontra "à esquerda do governo" cubano. Ao mesmo tempo em que compartilham da visão "anti-imperialista" e da "defesa teórica da igualdade", eles criticam abertamente o "autoritarismo", exigindo maior socialização dos meios econômicos, mais direitos aos cidadãos e mais igualdade para as minorias. "Mais socialismo", resume Yasmín.
Ela adverte, porém, que essas militâncias são sua oportunidade de se relacionar com o resto de seus compatriotas – incluindo o governo e o que ela chama de "dissidência de direita" –, e não de simplesmente excluí-los da pauta.
Como lição, um pressuposto fundamental: "O espaço de uma nação é para todas as pessoas da nação, e não apenas para as pessoas que defendem uma ideologia, ou uma religião, ou uma preferência estética. Ou a nação ou é para todos, ou não é de ninguém. E se não é de ninguém, alguém a roubou."
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