30/03/2016 – por Mari
Claro que todo mundo gosta do que é bom, mas e quando o amor não é? Por que permanecemos em relacionamentos abusivos ou que só não nos fazem felizes? Por que buscamos relacionamentos como se nossa vida dependesse disso? Por que ainda agimos como se relacionamentos agregassem valor a quem somos?
Cada dia mais eu boto fé que isso acontece porque no lugar de buscarmos romper com os ideais românticos em si, acabamos substituindo um ideal por outro sem nunca questionar essa construção maluca de amor como redenção e como ela age nas nossas cabeças. Enfim, é mais fácil imaginar amor como um evento mágico, que redime e salva, do que ver os relacionamentos como um processo que nem sempre funciona.
Quero dizer, idealizações não tem compromisso nenhum com a vida real, mas nós temos, afinal de contas, é a nossa vida que está em jogo. Uma mulher e um homem ideal não são reais, apesar de muitas vezes serem “baseados em personagens reais”. Pessoas ideais são construções ficcionais e, como tal, não enchem o saco. O problema é que o convívio entre os seres humanos não é como no romantismo alemão, distante e etéreo, ele existe no cotidiano e nas situações conflitantes.
Por isso me parece tão contraditório imaginar que uma mulher que se identifica com o feminismo consiga idealizar um homem que seja uma ilha não machista. Se todo o nosso processo é de ruptura cultural, para ser alheio a essa cultura o homem (e quem quer que fosse) teria que ser ou um herói ou um maluco.
E talvez isso tenha relação com o fato de não termos costume nem espaços para debater um dos maiores conflitos afetivos das mulheres que se relacionam com homens, que é notar o quanto o cara do nosso lado está inserido nessa sociedade. Mas também tem relação com o fato de que ainda vemos os relacionamentos como algo que nos agrega valor, nos torna melhores. Ou seja, parte da busca por um homem menos machista é se sentir uma mulher melhor. E até aí o que mudou foram detalhes, apenas.
Um exemplo recorrente de ideal revisitado é o que a maioria das minhas amigas nutre (não estou falando de aparência física, aqui). Elas buscam um cara inteligente e sensível que se interesse verdadeira e profundamente por quem elas são como pessoas e que preze pela desconstrução dos sistemas de opressão nos quais se vêem inseridas.
Idealmente isso não seria pedir demais, concordo, mas acontece que vivemos em um mundo machista e é basicamente por isso que lutamos. E muito poucos caras sequer notam os padrões machistas com os quais vivem cotidianamente, isso sem falar dos que notam e questionam “agora tudo é machismo?” ou, pior ainda, dos que nem se importam em questionar, afinal de contas, cara, eles estão em uma posição de favorecimento. Mais ou menos como o David Graebber escreveu aqui, sobre empatia:
Afinal, isso é o que ser “poderoso” fundamentalmente significa: não ter de prestar muita atenção no que os outros ao redor estão pensando e sentindo.
Isso não quer dizer que os caras não notem que as coisas existam, só quer dizer que não são necessariamente tocados por elas (a vivência influencia, obviamente). Mas foi por notarem essa “demanda” das minas que surgiram os feministos, os famosos escrotos que falam como feminista mas não se portam como tal.
E isso se tornou uma epidemia não porque somos burras, mas porque a nossa parte nessa construção de ideal é achar que uma cultura opressora vai nos dar uma trégua porque o amor é mágico e redime e nós merecemos. Não estou dizendo que estamos erradas em esperar mais do amor, só estou dizendo que este não é o padrão dos relacionamentos hetero e que se iludir sobre isto não muda nada.
Na verdade, e talvez isso soe muito amargo, eu acho que nutrir esses ideais (tanto os antigos quanto os novos) ajuda a manter o mundo como ele está. Não que o teu namorado não possa ser mais legal e menos machista, mas isso é uma exceção, e viver de devaneios sobre exceções é uma forma de se manter escravizada pelo amor. Por estes ideais de amor. E, nós sabemos, o amor real para as mulheres nem sempre é lindo, raramente é mágico e dificilmente salva.
E a falta que faz falar sobre isso, eu acho, é que acabamos em situações muito similares com as que criticamos, quando nos identificamos com o feminismo.
Por exemplo, das duas uma: ou nos dedicamos a tornar esse cara menos feministo e mais feminista sem notar que muitas vezes fazemos isso reproduzindo um comportamento de favorecimento, aquela coisa troxa que coloca o homem está no centro e acima de tudo, dando cuidados especiais pois é tudo por ele (a famosa Cultura do Reizinho Revisited). Ou nos pegamos confusas quando notamos estar em um relacionamento sem coisas básicas como cuidado e respeito, porque os caras tem um discurso oposto ao que fazem.
Na real tem uma situação ainda pior: quando esse tipo de discurso vem de caras abusivos, porque esse ambiente de violência já nos distancia da realidade, então imagina se isso rola com um cara que todo mundo acha “super desconstruído” e maravilhoso.
É como se esses caras vivessem em dois mundos paralelos: eles tem esse discurso e muitas vezes são assim com as amigas, mas no relacionamento é a mesma coisa de sempre (ou pior): um cara que está longe de te ver como igual, companheira de vida.
O problema do ideal é este, a gente se prende numa busca por perfeição e se perde da vida. E, muitas vezes, quando estamos imersas em ideais e nos deparamos com uma realidade lamentável não conseguimos romper com ela. E não conseguimos porque isso envolve desistir de planos e projetos ideais, com essa pessoa ideal, no mundo ideal da nossa cabeça. Mesmo que a gente saiba que nada disso vai se realizar porque, bom, basicamente porque essa pessoa do ideal aí ela não existe.
A resposta para tudo isto está em expor mulheres que se relacionam com caras assim? Não, por favor, feminismo nunca é sobre expor mulheres. Mas o caminho certamente começa em reconhecer que, se todos somos afetados pela cultura machista, não vai ser esse cara que paga de perfeitão que não vai ser. E que um cara verdadeiramente interessado em feminismo começa rompendo seu papel de machão (respeitando as mulheres, tendo relacionamentos com mulheres que não sejam só baseados em sexo, assumindo responsabilidade afetiva como parceiro e pai, inclusive sendo pai e pagando pensão, etc).
E por isso eu digo e repito que precisamos começar a questionar o ideal romântico per se, porque aí paramos de nos relacionar por achar que temos “obrigação” ou “necessidade” e passamos a nos relacionar se acontecer e for algo bom. Chega dessa ideia de que “fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinha”, inclusive porque: há controvérsias.
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