Precisamos de respeito, não de flores
por Clara Averbuck — publicado 08/03/2016
por Clara Averbuck — publicado 08/03/2016
Não me entenda mal. Eu gosto de ser mulher. Eu não gosto é do que “ser mulher” significa no mundo em que vivemos.
Não aguento mais ouvir que as mulheres são falsas, são competitivas, que se odeiam. A “inimiga” não é a outra. A inimiga é essa construção horrorosa que nos faz ver a outra como rival.
Não aguento mais ser julgada pela aparência, não aguento mais esse padrão que exigem, não aguento mais “ela é linda de rosto”, “tão bonita, podia emagrecer”, “ai, mas é muito magrinha, falta carne”, não aguento mais que nossa forma física esteja acima de qualquer talento, qualquer atributo, qualquer conquista.
Não aguento mais que isso destrua a auto-estima de mulheres fantásticas, que não estão no mundo para ser bibelô. Não aguento mais emagreça, alise, diminua, seque, suma.
Não aguento mais ter nosso trabalho diminuído. Não aguento mais ver mulheres ganhando menos, recebendo menos que os homens pela mesma função. Não aguento mais ouvir que licença maternidade é “como férias”. Não é, caras. Não é.
Não aguento mais a responsabilidade da criação dos filhos toda na nossa mão, toda a responsabilidade, toda a culpa. Não aguento mais cara feia quando não posso ir em reunião da escola porque estava, que horror!, trabalhando. Se eu fosse um homem, ah, se eu fosse homem seria tudo bem.
Não aguento mais violência obstétrica. Não aguento mais ouvir relatos de partos desrespeitosos, violentos, de mães tratadas como lixo, da desumanização da mulher grávida, tratada com um mero forno de bebê. Não aguento mais saber que existem mulheres que têm seus filhos algemadas, não aguento mais saber de episiotomia malfeita e feita sem necessidade, não aguento mais saber de cesarianas forçadas e desnecessárias. Não aguento mais.
Não aguento mais ver mulheres morrendo pelas mãos de parceiros violentos, que as tratam como posse, que não respeitam sua autonomia e sua existência, não aguento mais ver que o número de feminicídio de mulheres negras não para de crescer.
Não aguento mais não ter paz na rua. Não poder sair de saia e decote sem ser incomodada com “elogios” que me causam mais repulsa do que qualquer outra coisa. Não aguento mais ter medo de voltar pra casa à noite não porque podem roubar meu celular, mas porque temo pela minha integridade física. Não aguento mais viver de olho pra ver se não colocaram nada na minha bebida, não aguento mais ter que viver alerta.
Não aguento mais saber que nossos poucos direitos de atendimento em caso de violência sexual estão sendo ameaçados por uma bancada conservadora, fanática, misógina. Não aguento mais ter que exigir políticas públicas que nos permitam exercer nossos direitos sexuais e reprodutivos, direitos que hoje nos são não apenas negados, mas criminalizados. Não aguento mais viver em um país que criminaliza o direito de escolha das mulheres. Não aguento mais que a maternidade ou a ilegalidade se tornem destinos inevitáveis.
Não aguento mais repetir que NÃO significa NÃO. NÃO.
Não aguento mais que nossa vida sexual determine nosso caráter. Não somos santas, não somos putas, somos pessoas com desejos.
Não aguento mais.
Não aguento mais ser chamada de exagerada. De louca. De mulher ser estigmatizada como histérica, descompensada, enquanto existem homens que estouram a cara uns dos outros por causa de time de futebol ou qualquer outra merda.
Não aguento mais ser tratada de forma paternalista. Não sou coitada. Não sou “guerreira”. Não somos coitadas. Somos, sim, vítimas de uma sociedade desigual. Mas não somos coitadas.
Não aguento mais. Não aguentamos. Não precisamos aguentar. Precisamos de mudanças e de empatia. Precisamos ser ouvidas e precisamos ser ouvidas agora.
Então muito obrigada pela flor murcha no tule e pelo chocolate, mas nós queremos é respeito.
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