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sábado, 30 de abril de 2016

Ação de alimentos e a prisão civil do devedor: qual a eficácia da medida

 
Elaine Cristina Santos Sales                                         Rio Grande, 30 de Abril de 2016



Resumo: O presente estudo busca questionar qual é a eficácia da prisão civil do devedor de alimentos, em uma sociedade totalmente desfavorecida, como é a sociedade brasileira, e também, verificar se os mecanismos utilizados pela atual jurisprudência tem se mostrado efetivos e eficazes na busca pela solução do problema enfrentado pelo alimentante e pelo alimentado. Faremos uma breve discussão sobre a problemática do inadimplemento da prestação alimentar, no estado de São Paulo, haja vista, que o tema é bem polêmico, e comporta decisões totalmente díspares em outros estados do país.

Introdução
Vivemos em um país com diversidade de comportamentos, opiniões, costumes e crenças. Cada estado do Brasil nos remete a um lugar diferente, onde as pessoas são diferentes, onde o mundo é diferente! O mesmo ocorre com o nosso poder judiciário, que possui posicionamentos diferentes, em cada estado brasileiro.
A pesquisa em comento vai discutir sobre estes posicionamentos no que se refere à questão da prisão civil do devedor de alimentos no estado de São Paulo, onde sua população cresceu na última década, de 10 para 16 milhões de habitantes[1]. Esse crescimento populacional veio acompanhado do agravamento das questões sociais e urbanas: desemprego, transporte coletivo, habitação, problemas ambientais, entre outros.
Por isso, procuraremos analisar à problemática que cerca o adimplemento da prestação alimentar no estado de São Paulo, com base em dados extraídos dos julgados de nossos tribunais, bem como outras fontes de pesquisas, tais como: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família).

1. A importância dos alimentos
Antes de adentramos na discussão jurídica, cumpre esclarecer num breve relato quanto à importância dos alimentos para o organismo humano:
“Para que o organismo humano funcione, permitindo ao indivíduo a realização de atividades físicas e mentais, ocorre um processo químico de geração de energia, a partir da combustão de alimentos, que é parte fundamental do seu metabolismo. O alimento é o combustível capaz de produzir a energia indispensável à vida humana” (BURLEN, 2008).
Há momentos da vida do ser humano em que a alimentação adequada torna-se mais importante, e, compreendendo como sendo esta indispensável à vida humana, surge o interesse social de identificação da alimentação, como um direito do ser humano, oponível a todos que, de alguma forma, prejudicam ou não colaboram com a satisfação de necessidade tão essencial.
Ora, quando falamos de alimentos, estamos discorrendo sobre aquilo que é extremamente necessário, para a sobrevivência humana, e que, portanto, tem natureza de urgência!
No entanto, vivendo em um país de terceiro mundo, em que as taxas de desemprego e do emprego informal têm alcançado patamares preocupantes para a sociedade como um todo, segundo o Censo 2012 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística):[2]
Diante dessa situação, denota-se ser desumano condicionar a liberdade (de quem nem esperança tem) de alguém, ao adimplemento da prestação alimentar, haja vista, que nem oferta de emprego existe para os milhares de brasileiros, que estão às margens da informalidade.
Neste contexto, analisaremos a pertinência da prisão civil do devedor de alimentos e sua eficácia quanto ao adimplemento obrigacional.

2. Do inadimplemento da verba alimentar
O Conselho Nacional de Justiça, enquanto órgão fiscalizador emite periodicamente os indicadores do poder judiciário no anuário intitulado “justiça em números”: apresentando um panorama global da justiça, por meio de dados disponibilizados pelos tribunais sobre processos distribuídos e processos julgados, número de cargos de juízes ocupados e ainda o número de habitantes atendidos por juiz (PORTO et al, 2012).
Uma verdadeira pesquisa quantitativa que permite a avaliação dos tribunais em relação à quantidade de processos, questão financeira e o acesso à justiça, para dar transparência à prestação jurisdicional.
Tendo em vista que a verba alimentar, que emana do dever de solidariedade parental, ou em decorrência do ato ilícito, somente se torna exigível, a partir da manifestação de vontade daquele que tem o dever de prestá-la, ou da emanação do poder-dever do Estado Juiz em fixá-la, atendido o binômio necessidade x possibilidade, temos então, que o credor de alimentos o será, em decorrência da existência de um título executivo judicial ou extrajudicial.
Pois bem, a verba alimentar, emanada da manifestação da vontade, ou do poder decisionista do juiz, consubstanciada do mínimo para manutenção digna daquele que a recebe, possui natureza de urgência, haja vista, que quem tem fome tem pressa, razão pela qual constitui crédito privilegiado e sua exigência, no cumprimento forçado, possui procedimento especial e coerção mais drástica, qual seja: a prisão civil.
De acordo com o relatório quantitativo apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça “Justiça em números”, o grau de litigiosidade na justiça estadual no 1º grau de jurisdição, alcançou no ano de 2011, o montante de 702.671 casos novos de execução de títulos judiciais, dos quais 112.308 somente no estado de São Paulo, sendo o número de casos pendentes para o estado de 804.751, execuções sobrestadas em arquivo provisório em 66.146 e o de execuções baixadas no mesmo período em 118.629.
Ou seja, na análise quantitativa, os casos de execuções pendentes somente de títulos executivos judiciais, alcança a casa das centenas de milhares, e das execuções suspensas ou sobrestadas, a de dezenas de milhares, demonstrando a ineficácia da execução forçada.
Uma vez que os alimentos são urgentes, e que, portanto, perdem tal qualidade com o passar do tempo, a execução prevista no artigo 732 do Código de Processo Civil, ou seja, execução por quantia certa contra devedor solvente, em que a sanção do devedor é a penhora de bens, se mostra ineficaz, haja vista, que o caráter alimentar – seja ele de alimentos, vestuário, remédio, mensalidade escolar, entre outros – já terá se perdido, quando do término daquela demanda que, por muitas vezes resta infrutífera, diante da ausência de bens em nome do devedor para adimplir a obrigação alimentar.
E isso porque, se levarmos em consideração, o lapso temporal entre a propositura da ação de execução de alimentos e o efetivo pagamento da verba alimentar, quando ocorre, os alimentos que eram urgentes à época da propositura da ação, já terão perdido o caráter de urgência! Por isso, como podemos continuar admitindo que ainda se utilize do instituto da execução de alimentos, por vias que tem se mostrado ineficientes?
Ainda neste sentido, além do relatório anual do CNJ, existe ainda o Índice de Confiança na Justiça Brasileira – ICJ Brasil que é um levantamento estatístico de natureza qualitativa, efetuado pela Fundação Getulio Vargas, realizado em sete estados brasileiros, com base em amostra representativa da população.
No relatório do 4º trimestre de 2012, no item judiciário e resolução de conflitos, restou demonstrado na amostra utilizada que 65% dos entrevistados não utilizaram o poder judiciário por entenderem que a resolução seria por demais demorada, muito cara, ou porque não confiavam no judiciário na resolução do conflito, e, 66% dos entrevistados, declararam que aceitariam utilizar meios alternativos para resolução dos conflitos (CUNHA et AL, 2012)[3].
Ora, ao analisarmos as sanções previstas pelo inadimplemento obrigacional, teremos que se o devedor for negligente, mas possuir bens em seu nome, a execução poderá ser exitosa. Porém, se não fizer o pagamento por falta de meios, e não possuir bens em seu nome, a verba alimentar quedará inadimplida.
Diante da natureza jurídica do crédito alimentar, sua execução forçada ainda possui outro procedimento, que possui como sanção, a prisão civil do devedor de alimentos, prevista no artigo 733, §1º do Código de Processo Civil, e em nosso Texto Constitucional validado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual nosso país é signatário.
Será que com estes mecanismos, seja o de constrição patrimonial ou o de coerção ao pagamento, a justiça brasileira tem logrado êxito? Seguramente que não, haja vista, o grande número de demandas nas Varas de Família de nossos fóruns, que dizem respeito ao inadimplemento da obrigação alimentar, conforme demonstrado abaixo:
“Atrasar o pagamento de pensão alimentícia no Brasil tem um fim quase certo: A cadeia. O número de ações por falta de pagamento já é 5% maior do que no ano passado, em Sorocaba. Fazer um acordo pode ser a melhor saída. Em Sorocaba o número de disputas por pensão alimentícia na justiça vem subindo. No ano passado foram 154 ações, em média, por mês. Este ano a media subiu para 162 ações. Em 80% dos casos houve acordo antes da expedição da ordem de prisão. Segundo a OAB muita gente acaba com problemas na justiça por acreditar que pensão alimentícia é compromisso só com a alimentação dos filhos. (Fonte: temmais.com/notícia da redação: Cresce o número de ações por pensão alimentícia em Sorocaba, 2011).
E mais:
Quase 60% das pessoas que procuram a assistência judiciária gratuita na Casa dos Advogados de Birigui querem mover ação para conseguir pensão alimentícia. Essa é a mesma realidade, com porcentagem praticamente igual, nas subseções da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Andradina, Guararapes, Mirandópolis, Valparaíso e Penápolis. Uma parte das ações envolve, além do pedido de pensão alimentícia por quem mantém a guarda da criança, revisão do valor pago e ordem de prisão para os pais inadimplentes. Dados divulgados pela Casa do Advogado de Birigui apontam que os advogados do órgão movem cerca de 360 ações em média por mês relacionadas à pensão de alimentos. Em Penápolis, das 435 nomeações feitas em março, 239 envolvem a área da família (54%) - pensão alimentícia e separação de casais”. (ALCANTARA, 2008).
Pois bem, apesar da eficiência na aplicação da sanção privativa de liberdade para ao menos se conseguir um acordo quanto a verba inadimplida, sua efetivação encontra outras barreiras, pois ao se exigir o cumprimento da reprimenda drástica, nos deparamos com problemas estruturais do próprio Estado, notadamente quanto ao local para a privação do corpo do devedor de alimentos, conforme demonstra ação civil pública, promovida pelo Promotor de Justiça José Paulo França Piva[4], que destaca que as celas do 18º DP estão superlotadas, na medida em que os mandados de prisão oriundos das mais variadas comarcas do país, cumpridos em São Paulo, resulta no recolhimento dos devedores de alimentos e depositários infiéis nas carceragens daquele Distrito Policial. Os detentos, segundo a ação, estão sob condições subumanas.
Ainda segundo o promotor: “Estes presos devem, imediatamente, serem removidos a um estabelecimento prisional específico, que atenda às exigências do artigo 88 da Lei de Execuções Penais, desativando-se, até que a questão seja definida, as carceragens do 18º Distrito Policial, que não reúnem condições mínimas para custodiarem pessoas cumpridoras de prisão civil".
A ação civil pública pede ainda, que seja concedida liminar, obrigando o Estado a remover, no prazo de 60 dias, todos os presos civis custodiados no 18º e no 33º Distritos Policiais da Capital, para um dos estabelecimentos prisionais da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária, órgão estadual devidamente aparelhado para abrigar presos que não são provisórios.
O pedido de liminar abrange, ainda, a obrigatoriedade de o Estado destinar unidade (s) própria (s), separada (s) dos demais presos comuns, que atenda (m) às exigências do artigo 88 da Lei de Execuções Penais, específica (s) para a custódia dos cumpridores de prisão civil; e abster-se de manter os presos civis em Departamentos, em Delegacias e em Distritos Policiais da Capital, exceto por período mínimo e suficiente para a devida transferência dos detentos para a (s) unidade (s) especializada (s) disponibilizada (s).
Corroborando com o pedido constante na ação civil pública promovida pelo promotor de justiça do estado de São Paulo, temos também, a notícia veiculada pela Defensoria Pública do estado de Minas Gerais, na data de 04 de junho de 2013:
Minas Gerais terá a primeira unidade prisional do país exclusiva para devedores de pensão alimentícia. O espaço deve ser inaugurado até o fim do ano, com capacidade para abrigar cem internos da Grande Belo Horizonte. A previsão da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) é definir o local da construção em três meses.
A unidade receberá o nome de Centro de Referência para Devedores de Alimentos. A criação tem como objetivo garantir a segurança dos condenados que, segundo o secretário-adjunto de Defesa Social, Genilson Zeferino, são hostilizados pelo restante da população carcerária.
“Maus-tratos à família e aos filhos são vistos pelos outros detentos como algo muito ruim. Na lógica dos presos, quem comete este tipo de crime merece punição em dobro”, diz Zeferino.
Atualmente, 400 pessoas cumprem pena pelo não pagamento da pensão alimentícia em todo o Estado. Sob a responsabilidade da Subsecretaria de Administração do Sistema Prisional estão 189. Os demais são mantidos em cadeias públicas controladas pela Polícia Civil.”[5]
E ainda, o Projeto de Lei 954/11, do deputado Felipe Bornier (PHS-RJ)[6], que visa garantir às pessoas presas por não pagar pensão alimentícia, o direito a cela separada, sem nenhum contato com os demais detentos.
Como não há dependências específicas para esses casos, “pessoas de bem que se tornam devedoras de alimentos são segregadas muitas vezes, junto a criminosos contumazes de altíssima periculosidade”, argumenta Bornier.
O deputado afirma ainda que, “além de a segregação conjunta contribuir para a superlotação do sistema prisional, o preso devedor de alimentos sofre todas as influências deletérias do convívio com tal sorte de criminosos”.
Segundo ele, a medida se justifica, porque a prisão civil não tem característica de pena, mas de meio de coerção para o cumprimento da obrigação.
Com efeito, o objetivo do legislador foi louvável, porém, não condiz com a realidade da grande maioria da sociedade brasileira, conforme já demonstrado nos indicadores econômicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O nosso judiciário deve procurar uma solução mais eficaz, haja vista, que uma vez preso, o devedor não poderá mais ser preso pela mesma dívida, apenas pelas que vencerem novamente, e, caso não possa pagar, será posto em liberdade.
Conforme Regina Beatriz Tavares Silva:
“Em face da jurisprudência firmada, foi recentemente editada a Súmula 309 pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo[...]. No entanto, a Súmula 309 tem um desacerto, ao considerar que somente os três débitos anteriores à citação conservam a força executiva da pena de prisão. Isso porque é preciso existir débito, pensão vencida, ao menos uma, para que a ação de execução seja promovida. Se a citação demorar mais de três meses, o que ocorre muitas vezes, mesmo que somente um mês seja objeto da execução, aqueles valores vencidos antes da propositura da ação não poderão ser exigidos sob pena de prisão[...]. Com a devida vênia, teria sido mais adequada a seguinte redação para a Súmula 309 do STJ: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à propositura da execução e as que vencerem no curso do processo” (SILVA, 2006).
Seria razoável, que aquele pai, ou aquela mãe, desempregado (a), que não tem mais lugar no mercado de trabalho, por conta da idade ou da qualificação, que mal sabe assinar o próprio nome, que não tem moradia própria, que possui uma saúde debilitada, por conta dos inadequados atendimentos do S.U.S (Sistema Único de Saúde), fosse levado(a) ao cárcere, porque deixou de cumprir com uma obrigação, que para ele/ela por vezes, foi difícil de cumprir?
E que fique bem demonstrado, que não estamos levantando a bandeira da desigualdade social, mas sim, a bandeira da decência, do razoável! Esta é uma situação, na qual se encontra a grande maioria da população brasileira, estimada em 190.732.694 (cento e noventa milhões, setecentos e trinta e dois mil e seiscentas e noventa e quatro) pessoas, segundo o Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Entretanto, não é razoável que se prive de liberdade, quem não tem condições mínimas e adequadas, de continuar sobrevivendo, tampouco de adimplir com uma obrigação que, por vezes, chega a ser impossível de cumprir.
Se a prisão no direito penal, que tem outro objetivo, não consegue “ressocializar” o preso, pois este volta a delinquir, por outra banda, qual seria o escopo da prisão civil por inadimplemento da prestação alimentar? Qual é o real alcance deste tipo de prisão?
Qual o caráter positivo, de se prender alguém que, trabalhando, perderá seu emprego quando for posto em liberdade e, consequentemente, continuará devendo a prestação alimentar, após cumprir os meses que lhe foram imputados?
Qual o resultado prático e positivo, de se prender aquele que se encontra desempregado, vivendo às mínguas, e que também não vê cumprida a obrigação que o Estado tem com relação à sua pessoa?
Se este devedor, deixou de adimplir a obrigação, até a ocorrência da prisão, não é óbvio que não terá como quitar as 3 (três) parcelas mais recentes, anteriores a distribuição da ação, e todas as demais que se vencerem durante a execução até o pagamento?
Onde podemos vislumbrar a observância do que dispõe o artigo 1º, incisos II, III, IV c/c artigo 5º, incisos XXII, LXI, LXVI, LXVII, todos de nossa Constituição Federal?
“Artigo 1º: “a República Federativa do Brasil, (...) constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”;
Artigo 5º: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (...), garantido o direito de propriedade; ninguém será preso, senão em flagrante delito(...), ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, (...)”.
Vários são os autores, que ressaltam a natureza da prisão civil como meio coercitivo, e não como pena, dentre eles: Barbosa Moreira (1976, p.114-115), Humberto Theodoro Júnior (1976, p. 342) e Pontes de Miranda (1976, p. 483).
Estes autores afirmam que a prisão civil, representa um meio de coerção eficaz, já que o adimplemento da prestação por conta do próprio devedor está totalmente despojada do caráter punitivo.
Nesta esteira, temos então, que a prisão civil é meio executivo de finalidade econômica: prende-se o executado, não para puni-lo, como se criminoso fosse, mas para forçá-lo indiretamente a pagar, supondo-se que tenha meios de cumprir a obrigação e queira evitar sua prisão, ou readquirir sua liberdade.
Yussef Said Cahali, citando o Ministro Cordeiro Guerra, principal colaborador da Lei de Alimentos, sustentando a admissibilidade e legitimidade da prisão, em voto proferido no RHC 54.796-RJ, se manifestou no sentido de que: "a prisão do devedor de alimentos é meio coercitivo adequado, previsto em todas as legislações cultas, para obrigar o devedor rebelde aos seus deveres morais e legais a pagar aquilo que, injustificadamente, se nega". (CAHALI, 2002).
Ora, a questão se torna extremamente enigmática quando vemos quase que diariamente, que os devedores de pensão alimentícia, cumprem a medida denominada de "coerção", em presídios juntamente com os mais diversos criminosos, sendo constrangidos à todo tipo de humilhação.
Conforme José Augusto Vieira:
“A doutrina recente entende majoritariamente que a Lei nº 5.478/68 deve mudar para adequar-se à atual Carta constitucional e evitar as injustiças. Enquanto o Legislativo cuida de “assuntos mais importantes”, resta aos infelizes alimentantes, presos injustamente, orar para escapar da violência dos presídios comuns” (VIEIRA, 2012).
A prisão sempre foi vista como medida extrema e excepcional em nosso ordenamento jurídico. No que concerne a prisão civil, a idéia que muitos de nós ainda temos, é que a única solução de se ver cumprida a prestação alimentar em muitos casos, é com o decreto de prisão do devedor.
A medida coercitiva quando imposta, inibe o devedor de alimentos, a cumprir sua obrigação. Deve-se observar também, que a prisão não pode ofender os direitos de personalidade e as garantias individuais. A segregação celular, ainda que seja de forma meramente coercitiva, implica diversas consequências, de ordem psicológica e legal, fazendo do devedor literalmente um réu sem crime.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, ao entregar suas sugestões de alterações ao projeto de reforma do Código de Processo Civil, defendeu o fim da prisão para os devedores de pensão alimentícia, conforme noticiou o Jornal do Brasil.
O projeto já foi aprovado pelo Senado, e agora se encontra na Câmara dos Deputados, onde está em processo de audiências públicas para recebimento de pareceres e propostas de alteração. A relatoria do projeto de reforma é do deputado Sergio Barradas Carneiro (PT-BA).
O ex-presidente do STF acredita que a prisão, no caso de devedores de alimentos, deve ser o último recurso do juiz. Antes, deve haver medidas de restrição de crédito, com inscrição nos serviços de proteção, como Serasa e SPC. A prisão, hoje, pode ser decretada pelo juiz quando a parte credora da pensão não a receber por três meses. Para o ministro, a prisão de devedores "não é eficaz", pois restringe até mesmo a possibilidade de providenciar o pagamento.
No Brasil, um pai que se vê obrigado a pagar pensão alimentícia, tem pouca chance de defesa, caso não possa pagar, desempregado ou não. A prisão, muitas vezes, não passa de um subterfúgio para satisfazer a um desejo de vingança pela separação mal resolvida.
Abaixo, breve levantamento do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família)[7], acerca dos números que cercam a questão, evidenciando que nos estados mais pobres, o número de prisão é menor, por conta do índice de desemprego, e também, pelo desconhecimento da população, acerca dos mecanismos de busca do direito aos alimentos:
Levantamento revela o número de presos por pensão alimentícia em diversas regiões brasileiras:
Levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) revela o número de presos por falta de pagamento de pensão alimentícia em 14 estados brasileiros e no Distrito Federal. Os números, obtidos em datas diversas no decorrer do primeiro semestre de 2012, mostram que São Paulo registrava 499 presos em janeiro de 2012. O Distrito Federal com 234 presos (Janeiro e Fevereiro de 2012) e Minas Gerais (228), Paraná (102), Santa Catarina (98), Rio de Janeiro (37) e Espírito Santo (24).
As regiões Norte e Nordeste têm o menor número de prisões. Amazonas e Maranhão não registraram nenhum preso em fevereiro de 2012. Roraima, Paraíba e Alagoas registraram um preso apenas, Pernambuco (6), Pará (9) e Mato Grosso (32). Os dados foram fornecidos em datas aleatórias pelas secretarias de Estado de Segurança Pública, Justiça e Cidadania, Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, ente outras, dos respectivos estados.”
Tanto na seara cível, como na penal, as leis que regem as prisões, carecem de ajustes que reflitam o contexto atual. O direito deveria expressar leis consonantes com a realidade social.
Para piorar, enquanto a dívida alimentícia não for paga, o devedor corre o risco de ter a prisão decretada sucessivamente, até que ele possa quitar a dívida ou realizar um acordo com o alimentado, ou seu representante. Reversamente, igual rigor não é utilizado, se houver desvio e mau uso dos recursos destinados ao alimentando pelo ex-cônjuge detentor da guarda.
Sendo assim, qual é a eficácia da prisão civil do devedor de alimentos: uma punição coercitiva, que força o pagamento? Um instituto realmente eficaz, capaz de resolver o problema? Ou uma forma de marginalizar os milhões de brasileiros devedores de alimentos, que estão desempregados, e são forçados a conviver por algum tempo (no mínimo 30 dias), com criminosos de verdade?

Conclusão
Os meios legais para cumprimento da obrigação alimentar, devem priorizar a necessidade do alimentado, bem como a possibilidade do alimentante, sem contudo, favorecer injustiças.
Embora o inadimplemento da obrigação alimentar deva ser sancionado, porém, não se pode afastar do exame dessa questão, a perspectiva da pessoa, como a principal destinatária da nova ordem constitucional.
Nesta esteira, é de extrema importância, que haja uma revisão do instituto, já que os meios utilizados para o pagamento, já se mostraram completamente ineficazes para solucionar esta mazela.
O presente estudo, não tem o escopo de extinguir essa ferramenta processual, que em situações excepcionais, ainda tem surtido algum malgrado efeito.
O que se propõe, é o reconhecimento de novos mecanismos, menos gravosos que a prisão, mas também, impactantes, que no caso concreto, possam dar efetividade ao adimplemento da obrigação alimentar, sem atentar contra a dignidade da pessoa humana.
Não podemos nos esquecer, de que o devedor de alimentos também é uma pessoa, que possui, assim como o credor de alimentos, necessidades básicas para sua sobrevivência, e que, além de ter que preocupar-se consigo mesmo, ainda está à mercê de uma legislação deficiente, incapaz de manter a equidade entre as partes desta relação jurídica.
A intenção do legislador foi louvável, e quiçá capaz de auferir resultados positivos, em países que não possuam os mesmos problemas sociais que o Brasil.
Nossa amostragem teve como cenário, o estado de São Paulo, coração econômico do país, que possui uma realidade um pouco mais diferente dos outros estados brasileiros.
Se tivéssemos levado em consideração, a problemática do instituto em algum estado do nordeste nos depararíamos com uma realidade muito mais dolorosa, e seríamos incapazes de aceitar, que a prisão civil do devedor de alimentos, pudesse continuar arraigada em nosso ordenamento jurídico.
Usar de uma relação mal conduzida, mal resolvida e mal discutida para vingar-se do outro, não nos levará a uma sociedade melhor. Muito pelo contrário: tornará-nos cada vez mais medíocres!
Não podemos nos esquivar das obrigações que o mundo em sociedade nos imputa. Mas também, não podemos ser penalizados por leis ineficazes, que não minoram a situação, que causam mais dor, e que acabam às vezes, ocasionando outros problemas indissolúveis!
Que nosso legislador tenha mais consciência social, que analise a fundo, a problemática vivida pelos muitos pais e mães que devem a prestação alimentar, para que assim, as demandas de execução de alimentos, possam se tornar cada vez mais escassas e eficientes em nosso país.

Elaine Cristina Santos Sales
Advogada especialista em Processo Civil pela Universidade Nove de Julho e em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale. Milita na área cível e previdenciária

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