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domingo, 24 de abril de 2016

Especialistas criticam violação dos direitos reprodutivos e de acesso à informação na epidemia de zika

(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 22/04/2016) A responsabilização e culpabilização social das mulheres pelo controle do vetor, prevenção à contaminação pelo zika vírus e cuidado integral às crianças vitimadas pela síndrome congênita decorrente da infecção durante a gravidez foi um dos destaques no segundo painel do 9º Seminário A Mulher e a Mídia. Todas as participantes criticaram fortemente a forma como o Estado e a mídia imputam à mulher responsabilidades que deveriam ser compartilhadas socialmente ou diretamente assumidas pelas instituições de governo e atenção à saúde, como previsto nos tratados internacionais dos quais o país é signatário.

“Ações de informação à saúde e estímulo ao autocuidado são diferentes de responsabilização, sobretudo porque as pessoas não têm controle sobre diversos fatores que concorrem para a epidemia”, ressaltou Fernanda Lopes, representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) é uma das painelistas convidadas. A especialista frisou que o debate sobre a epidemia tem que estar intrinsecamente vinculado a questões como limpeza urbana e saneamento, condições de vida digna e acesso a direitos. “Cabe ao Estado prover as condições para que esses direitos sejam efetivados”, disse.

Bióloga e doutora em saúde pública, Fernanda ainda destacou que “a lógica do materno-infantil que só responde ao infantil considera as mulheres como contêineres ou a mão que vai balançar o berço. Não somos contêineres”.
“Trabalhar com as mulheres no centro das políticas no contexto de zika está diretamente relacionado à determinação social das condições de vida e saúde”, explicou. A representante do UNFPA lembrou ainda que as epidemias de arboviroses (dengue, chikungunya e zika) estão estreitamente ligadas à desigualdade social e ao racismo – o que reforça a importância da atenção humanizada, que só se efetiva quando livre de estereótipos, discriminação e coerção.
“Os casos de zika já confirmados na Colômbia estão onde estão os grupos sociais e historicamente alijados de todas as políticas públicas, majoritariamente povos afrodescendentes”, afirmou. No Brasil, de modo semelhante,“o mapa do zika segue os mesmos caminhos percorridos pela filariose e outras doenças negligenciadas, da pobreza e das ausências. Quando desagregamos os dados por sexo, gênero e raça vemos as maiores desigualdades e iniquidades”, frisou.
Nesse contexto, o desfecho em saúde pública que estamos vivendo e o fato de as epidemias das arboviroses estarem crescendo são resultados de ausências, aponta a especialista. “Ausência da garantia ao direito universal de acesso aos serviços de saúde, como os de saúde sexual e reprodutiva, mas, também, ausência de saneamento, de água tratada e encanada, limpeza urbana, coleta de lixo. Ou seja, da construção de uma condição de vida e de saúde digna para todas as pessoas”, completou.
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Da esquerda para a direita: Maíra Saruê, Ana van der Linden, Jacqueline Pitanguy e Fernanda Lopes (crédito: Tainah Fernandes)
Direito à justiça reprodutiva e atenção integral
A socióloga Jacqueline Pitanguy, que vem acompanhando o surto de zika desde o início, destacou o desrespeito aos direitos reprodutivos das mulheres afetadas pelo vírus. O conceito dos direitos reprodutivos, que expandiu a esfera dos direitos humanos ao reconhecer a reprodução humana, o planejamento familiar e a sexualidade informada como direitos fundamentais, associado intrinsecamente à saúde física e mental, está permanentemente ameaçado de retrocessos em um país que tem uma das legislações mais restritivas do mundo, frisou Jacqueline.
Para ela, é fundamental colocar no centro do debate que a regulamentação destes direitos deve ser pautada por parâmetros dos direitos individuais, de saúde pública e da justiça social.  “É fundamental que haja o acesso à prevenção, que inclui contracepção, mas não se limita a isso. A opção de levar adiante ou não uma gestação em função do direito à saúde física e emocional das mulheres, o amparo e acolhimento àquelas que optam por levar adiante a gestação: tudo isso é uma responsabilidade do Estado”, destacou.
Direito à informação
Maíra Saruê Machado, diretora de pesquisa do Data Popular, apresentou o relatório preliminar de um estudo qualitativo realizado com mulheres grávidas em João Pessoa, Recife e São Paulo. O primeiro dilema ressaltado no estudo é que as gravidezes, em geral, não foram planejadas. E neste momento a gestação é “um misto de alegria, tristeza e medo” e este receio está diretamente relacionado à epidemia e à falta de informações.
“Elas demandam mais esclarecimentos e orientações. Como vive uma pessoa com microcefalia, quais são as causas, como se precaver, se tem cura ou não, tratamento, vacina, enfim, querem informações”, ressaltou.
A mídia, entretanto, não vem dialogando com essas mulheres, segundo a pesquisa qualitativa. “Sabemos que há várias perguntas que não têm respostas, mas várias delas já têm e essas respostas não estão chegando a essas mulheres”, frisou a especialista.
Além do conteúdo das informações transmitidas, Maíra apontou a importância de repensar a forma como a cobertura é construída. “Para elas, a cobertura é triste e assustadora. A abordagem da TV, que é o principal meio de informação que elas têm, as amedronta e torna a gravidez ainda mais angustiante”, relatou.
A neuropediatra Ana van der Linden, uma das primeiras profissionais a identificar o aumento da incidência do novo tipo de microcefalia e demais alterações neurológicas posteriormente associadas à infecção pelo zika, destacou o erro que a mídia vem cometendo ao simplificar a abordagem do problema.
“A microcefalia não é uma doença, é um sinal de uma série de doenças”, reforçou. No Imip  (Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, do Recife), onde Ana atua, já foram identificados caso de hidrocefalia manifesta em pelo menos três bebês com mais de três meses que nasceram acometidos pela microcefalia, comprometimento da visão, irritabilidade extrema, entre outros inúmeros sintomas da síndrome.
Para efetivar os direitos das mulheres, a coordenadora da RadioAgência Nacional EBC, Juliana Nunes, defendeu a articulação das discussões entre profissionais de comunicação e saúde e as mulheres, ressaltando o papel que mídias como o rádio têm nesse processo. “E essas mulheres precisam se tornar protagonistas de suas vidas e da solução para o problema”. Outra urgência apontada pela jornalista é a necessidade de enfrentar o racismo institucional e estruturante da sociedade brasileira. “É necessário, por exemplo, treinar profissionais de saúde para respeitar e não temer espaços como os terreiros e reconhecer a sabedoria e conhecimento das mulheres desses terreiros, que poderiam inclusive contribuir nas políticas de prevenção”, exemplificou.

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