28/04/2016
Embora aposentada desde o ano passado, tenho ido com certa frequência ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais onde me dediquei à pesquisa e ao ensino por quarenta e três anos. Ao longo de todo esse tempo vi bandeiras vermelhas e palavras de ordem de partidos de esquerda penduradas nas paredes internas do prédio centenário e também no seu frontispício tombado.
Qual não foi minha surpresa quando recentemente, atravessando o Largo de São Francisco, em direção ao Instituto, avistei uma enorme faixa branca esticada em suas grades com uma inscrição em tinta preta . Não eram palavras de ordem de partidos, muito menos alguma conclamação para atos políticos ou greves sindicais. Na enorme faixa os seguintes dizeres: “Ricas abortam, pobres morrem!” Fiquei pasma.
Ao entrar no portão do Instituto, perguntei a duas estudantes quem havia colocado a faixa. Elas disseram sem pestanejar: “Fomos nós, do coletivo feminista do IFCS”. Imediatamente pensei: então realmente as coisas mudaram. O feminismo juvenil conseguiu vencer uma barreira que sempre existiu entre ele e os movimentos de esquerda. Pelo menos na Universidade.
A frase do coletivo feminista do IFCS chama a atenção para a injustiça e para mais uma das imensas desigualdades entre ricos e pobres no País. A lei que regulamenta o aborto no Brasil prevê três casos em que ele pode ser praticado pelo SUS legalmente: existência de risco para a mãe, gravidez por fruto de estupro ou o feto ser anencéfalo. (Neste último caso, desde 2012, o Supremo Tribunal Federal entendeu que não se caracteriza como aborto, mas como antecipação terapêutica do parto). Quando decidem interromper a gravidez em casos não especificados na lei, mulheres ricas podem arcar com preços altíssimos cobrados por médicos ou clínicas ilegais espalhadas pelo País. As mulheres pobres não têm essa chance: utilizam-se de métodos perigosos em casa ou em clínicas de péssima qualidade, e não raramente vão parar em hospitais públicos com hemorragias graves e muitas encontram a morte.
A faixa estendida no IFCS representa um novo rumo no pensamento e nos valores da sociedade brasileira sobre a legalização do aborto. Essa desigualdade tem de ter um fim. Ricas abortam, pobres morrem.
No dia 28 de abril, quinta-feira, militantes, acadêmicos e cidadãos brasileiros participarão da quinta e última audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal. O objetivo é discutir o tema para que a Sugestão nº 15 de 2014, com mais de vinte mil assinaturas, que propõe regular a interrupção voluntária da gravidez dentro das doze primeiras semanas da gestação, pelo Sistema Único de Saúde, seja transformada em Projeto de Lei. Se assim o fizerem os senadores desta Comissão darão um passo importante para a descriminalização do aborto.
E os tempos estão propícios, apesar de sabermos que nossos representantes pensam mais em si, nas suas famílias e em Deus do que em pôr fim às imensas iniquidades de nosso país. Os tempos são propícios diante da epidemia do vírus tenebroso da Zika, transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti, que traz danos irreparáveis nos fetos de mulheres que apresentam a doença durante a gravidez.
Segundo a pesquisadora francesa Ilana Löwy a epidemia de rubéola no século passado na Inglaterra e na França propiciou o abrandamento das sanções aos médicos e pacientes que recorriam ao aborto nesse caso. Segundo a pesquisadora em entrevista à revista Época, foi este surto que permitiu a descriminalização do aborto.
Lá, os legisladores compreenderam a relevância de deixar as mulheres livres para exercer o direito de escolher quando e como ter seus bebês. Espero que aqui, nossos representantes, um século depois, alcancem esta grandeza e pensem nas mulheres pobres e sem recursos tanto quanto nas suas.
Para quem quiser assistir à audiência aqui vai o link:
(Foto: Arquivo/Yvonne Maggie)
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