Em meio à crise política que sobrecarrega o noticiário brasileiro, causou certa repercussão a resolução do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) em proibir a presença de “doulas” em hospitais durante os partos realizados nos hospitais cariocas.
Aos que não possuem tanto contato com o tema, vale esclarecer que doulas são profissionais, mulheres, que auxiliam tanto física como emocionalmente as mães e gestantes durante o período gestacional. Auxiliam também a mulher no trabalho de parto, no parto e pós-parto.
É bom frisar que as doulas não são parteiras, tampouco possuem formação médica, não substituindo, assim, profissionais da área da saúde. Sequer podem auxiliar no ato do parto em si, sendo que seus serviços circundam a gestante, provendo-lhe auxílio para lidarem com a dor, escolherem uma melhor posição na hora do parto, exercícios respiratórios, dentre outros métodos não-farmacológicos. Embora não possam substituir um ginecologista, ou obstetra, o papel de suporte exercido pelas doulas é extremamente importante e relevante para deixar a mulher gestante e “recém-mamãe” confortável em um momento delicado e (mais) importante de sua vida.
Agora, é direito da gestante manter sua doula ao seu lado durante o parto? A legislação brasileira permite esta possibilidade?
Um primeiro ponto a se deixar muito claro é: A figura da doula não é um direito da gestante, não sendo, portanto, sua presença compulsória, mas uma faculdade exercível apenas aquelas que tenham condições financeiras de contratarem seus serviços. Significa dizer, portanto, que o hospital não é obrigado a manter uma doula à disposição da gestante em trabalho de parto, por exemplo.
Muito embora não seja a entidade hospitalar obrigada manter uma equipe de doulas à disposição de suas pacientes, é correto adotar a postura de impedir seu ingresso ao hospital para acompanhamento da gestante?
Ainda que não haja uma legislação específica tratando a respeito do tema em nível federal (há apenas um projeto de lei em trâmite), o estado de Santa Catarina já possui lei específica autorizando a presença de doulas em hospitais, bem como há Leis Municipais em Curitiba e Belo Horizonte, que aguardam sanção e publicação, respectivamente, com o mesmo permissivo.
Isso não significa dizer que as mulheres do restante do território nacional não possam contar, caso queiram, com a presença de uma doula. E o motivo é bastante simples.
A Lei 11.108/2005 assegura a presença de um acompanhante durante todo o trabalho de parto, parto e pós-parto, sendo que a pessoa desse acompanhante será eleita, livremente, pela gestante, não havendo qualquer tipo de restrição a quem essa pessoa deva ser. Logo, caso a escolha seja por uma doula (em detrimento de um familiar, por exemplo), a entidade hospitalar deverá acatar a decisão.
Esclarece que a referida legislação seja restrita ao âmbito do Sistema Único de Saúde e de seus conveniados, tal determinação estende-se aos hospitais particulares, isto por força da Resolução-RDC 36/2008 da ANVISA (item 5.6.1) e da Resolução Normativa 338/2013 da ANS (artigo 22).
Vale também frisar que a Resolução-RDC 36/2008, em seu item 3.4 assegura o direito da gestante em ser acompanhada por pessoa de sua rede social, livremente eleita por ela, isto para assegurar a humanização da atenção e gestão da saúde. Igualmente, o mesmo item também retrata que tanto o trabalho exercido, como os profissionais envolvidos (dentre os quais pode ser incluída a doula) devem ser respeitados.
Além da legislação e resoluções indicadas, ao contratar os serviços hospitalares, não se pode ignorar que a gestante passa também a ser consumidora, e como tal, mantém seus direitos preservados pelo Código de Defesa do Consumidor, o qual, por sua vez impede a vedação à presença da doula, por alocar à consumidora em evidente desvantagem (artigo 39, V), afinal, terá de, por qualquer razão, abdicar de acompanhante de sua confiança (e por ela eleito), seja ele quem for. Tornando-se a presente prática abusiva, segundo a ótica consumerista.
Por fim, cabe a ressalva de que, como a doula equivaleria a um acompanhante convencional, o hospital se vê obrigado apenas a permitir a presença de um acompanhante, ou seja, a presença da doula não poderá ser cumulada com a de um parente próximo, ou do pai da criança. Para esses casos se faz necessária autorização da entidade hospitalar, e esta é facultativa.
Fernando Henrique Rossi é sócio responsável pela área de Direito do Consumidor da Rabelo e Rossi Advogados Associados.
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