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domingo, 24 de abril de 2016

A voz das mulheres, sobretudo negras e jovens, precisa estar no centro da resposta ao zika no Brasil

(Géssica Brandino/Agência Patrícia Galvão, 22/04/2016) É preciso garantir as  vozes das mulheres no contexto da síndrome congênita do zika, especialmente das mulheres negras em idade reprodutiva e pobres que estão no centro de uma epidemia que se propaga, revelando a ineficácia das respostas do Estado para conter o mosquito aedes aegypti.
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Da esquerda para a direita: Marisa Sanematsu, Tania Lago, Jurema Werneck, Catalina Ruiz e Cláudia Collucci (crédito: Luciana Araújo


Segundo as especialistas presentes no primeiro painel do 9º Seminário A Mulher e a Mídia – realizado na manhã deste dia 22, em São Paulo – é preciso romper a invisibilidade das mulheres na mídia e nas políticas públicas. Assim, será possível evidenciar um cenário de negligência perante a falta de saneamento básico, coleta de lixo e acesso à água potável que torna as mulheres vulneráveis à infecção, e, perversamente, as deixa numa situação de desamparo, falta de assistência e angústia, quando grávidas e infectadas pelo zika.
Mídia precisa ouvir as mulheres
De acordo com a diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, Marisa Sanematsu,  a imprensa brasileira não tem sido capaz de mostrar quem são as mulheres que estão no olho do furacão da epidemia de zika no Brasil. “Não importa se são poucas mulheres ou milhares, nós precisamos agir com urgência para que elas tenham acesso a direitos”, frisou.
A jornalista realizou um panorama da cobertura da mídia e constatou: as mulheres aparecem na maioria das matérias como figuras acessórias, mãos que carregam os bebês, e pouco se fala sobre o acesso a políticas públicas e direitos. “Não ouvimos as vozes das mulheres que estão grávidas e que estão angustiadas porque não sabem se contraíram o vírus ou não, e que vão continuar nessa angústia porque não têm acesso a testes para diagnóstico do zika, mesmo apresentando sintomas”, frisou, denunciando problemas como a dificuldade a demora na realização de exame para grávidas.
Inexistentes também no discurso da saúde
Segundo a professora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, a médica Tania Di Giacomo do Lago, a invisibilidade das mulheres também é marcante na área da saúde. Com isso, apesar de serem as mais afetadas por doenças virais há décadas, do ponto de vista de políticas públicas, pouco tem sido feito para dar assistência às mulheres, seja em termos de informação ou de garantia da autonomia em direitos sexuais e reprodutivos.
O problema acontece na própria Organização Mundial da Saúde (OMS), exemplificou a médica. “Em 2005, foi criado um plano de enfrentamento mundial para as epidemias virais em que não havia uma palavra sobre as gestantes”, frisou, lembrando que pouco tempo depois foram as mulheres as que mais sofreram diante da epidemia do vírus H1N1. “A mortalidade materna aumentou 40% durante a epidemia de H1N1 em 2009, foi uma epidemia extremamente letal para as mulheres e pouco se falou sobre isso”, apontou a sanitarista.
O cenário se repete no contexto da epidemia de zika. A médica chama atenção para a ausência de informações sobre as gestantes nos boletins epidemiológicos, de manuais que informem às mulheres como agir nesse cenário e da disponibilização dos exames existentes para mulheres na rede pública de saúde. “Os testes da rede particular são imperfeitos, mas ao menos dizem que as gestantes não têm zika vírus e isso tem que ser disponibilizado pelo SUS”, salientou.
Racismo institucional no centro do problema
Para a médica e coordenadora da ONG Criola, Jurema Werneck, a ausência das vozes das mulheres em um país com 60 milhões de mulheres negras é um sinal claro da violação de direitos gerada pelo racismo institucional – aquele incorporado à gestão de instituições, do próprio Estado e da mídia. “A mídia é o braço do racismo que chega à casa das pessoas todos os dias”, criticou.
“Há um jogo de silêncios, mas também de narrativas. É preciso trazer as mulheres jovens e negras para a narrativa, porque o desespero e a angústia pairam sobre as costas delas. É sobre elas que está o maior peso dessa epidemia. Elas têm o que dizer e precisam dizer”, frisa a médica e coordenadora da ONG Criola, Jurema Werneck.
O efeito da invisibilidade das vozes das mulheres é perverso. Nesse cenário, ao invés de terem seus direitos sociais, sexuais e reprodutivos garantidos, as mulheres acabam sendo culpabilizadas pelos efeitos de uma epidemia da qual são as principais vítimas. No discurso oficial, recai sobre os ombros da mulher o dever de evitar a infecção quando grávidas para não contaminar seus fetos ou dos cuidados com a casa para eliminar focos de água parada.
Jurema aponta que, ao contrário desse discurso sexista e racista, há milhões de pessoas, principalmente mulheres negras, que não acessam serviços de coleta de esgoto, água tratada e coleta de lixo e que, portanto, ficam mais expostas às infecções transmitidas pelo mosquito aedes aegypti.
Desamparadas e culpabilizadas
O cenário de culpabilização das mulheres associada a violação de seus direitos não acontece só no Brasil. De acordo com a jornalista Catalina Ruiz-Navarro, colunista e diretora da ONG-revista Hoja Blanca, os casos de microcefalia e outras alterações associadas ao zika vírus também têm sido tratados como um problema das mulheres na Colômbia.
No país, explica a jornalista, as mulheres são responsabilizadas por evitar a própria contaminação. Ao mesmo tempo, não sabem como usar os métodos anticoncepcionais e não têm acesso a eles, por serem muito caros. O acesso ao aborto legal é garantido quando a gestação coloca em risco a vida da mulher, quando resultante de violência e quando a má formação do feto torne a vida inviável. Porém, apesar de amparadas pela legislação, as mulheres que optam por interromper a gestação estão sujeitas a discriminação, enquanto os homens nunca são responsabilizados.
Limites da mídia empresarial dificultam pluralidade de vozes
Atuando como debatedora neste painel, a repórter especial do jornal Folha de S.Paulo, Cláudia Colucci, lembrou que o cenário de cortes de jornalistas nas redações, que mantêm cada vez menos repórteres para cobertura das pautas de saúde, dificulta o aprofundamento da cobertura. “Hoje ficamos reféns do que chega e tudo o lque estamos falando ainda é pouco. Os boletins são falhos e mais do que nunca a mídia precisa do movimento das mulheres para saber o que está acontecendo nos casos de zika”, reforça.
Em sentido semelhante, a diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, Marisa Sanematsu, destacou a importância de uma relação proativa do movimento de mulheres com a imprensa para trabalhar as pautas dos direitos das mulheres.
Entretanto, para além da ampliação do diálogo dos veículos de comunicação com os movimentos de mulheres, segundo Jurema Werneck é preciso mudar o modo de produção da informação que pauta a imprensa. “A mídia precisa voltar para o lugar de falar direto para a população.  Gostaria que os grandes jornais contassem isso de forma diferente, mas acredito que vai demorar para chegarmos lá. Enquanto isso, temos que ter outros caminhos. Temos que incidir nos espaços crescentes de coletivos que estão focados nas injustiças e desigualdades”, considerou.
A variedade de vozes que existem na sociedade, aponta Jurema, deve estar presente na comunicação social. Nesse sentido, as mídias alternativas podem fazer um contraponto à cobertura feita pela grande imprensa – em que as vozes da pesquisa e do governo monopolizam uma narrativa que exclui as mulheres, sobretudo as negras e pobres. “É preciso tirar dos especialistas o monopólio do falar sobre saúde e bem viver”, frisou.
Seminário coloca direitos das mulheres no foco do debate
O 9º Seminário A Mulher e a Mídia começou hoje em São Paulo com o objetivo de aprofundar o debate sobre zika e os direitos das mulheres, grávidas ou não, e o papel da mídia nesse contexto. Para as participantes do evento, qualificar a produção de informações e influenciar as políticas públicas é urgente.
Promovido pelo Instituto Patrícia Galvão, com apoio da Fundação Ford e parceria com a ONU Mulheres, o evento reúne ao longo de dois dias especialistas de organizações nacionais e internacionais com foco em direitos reprodutivos, comunicação, saúde, direito e bioética, com transmissão ao vivo pela internet.
“O chamado de emergência global da OMS sobre a epidemia de Zika tem a ver com a vida de milhares de mulheres e esse contexto exige mobilização, articulação e oportunidades de debates qualificados. Essa é a grande intenção do Mulher e Mídia: ser um espaço para a construção coletiva de pensamento, que faz toda a diferença para nossa atuação política”, ressaltou a diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo.
Nilcéa Freire, representante da Fundação Ford no Brasil e uma das idealizadoras do Seminário, destacou a importância da continuidade do evento, que chega a sua nona edição. “O Mulher e Mídia tem sido um momento de aprofundamento das nossas reflexões, especialmente no cenário em que estamos vivendo. O zika é um dos mais democráticos dos vírus e nos coloca em um momento de incertezas. A partir deste Seminário vamos ter a possibilidade de montar uma estratégia para fazer face à epidemia do zika vírus no Brasil.”
Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, chamou atenção para a necessidade de influenciar o discurso sobre o zika vírus, em que o direito das mulheres está quase sendo esquecido. “Isso não é uma questão de mosquitos, mas de pessoas que estão sofrendo, que estão doentes. É essencial ter essa discussão para posicionar todos os direitos das mulheres, inclusive os direitos sexuais e reprodutivos, que têm uma resposta ameaçada”.
Em um auditório lotado por cerca de 200 participantes, majoritariamente mulheres, as presentes lembraram a importância que cada ativista do movimento feminista tem para exigir o direito das mulheres à assistência, informação e serviços no cenário de emergência global da síndrome congênita do zika.

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