(Marina Pita/Agência Patrícia Galvão, 15/04/2016) Para especialista, país vive retrocesso no campo dos direitos reprodutivos e pode encarar um aumento das mortes por abortos inseguros
A síndrome do zika congênita colocou a urgência do debate sobre o direito das mulheres de decidir sobre a reprodução em outro patamar no Brasil. Diante do quadro de incertezas da ciência e das lacunas de políticas públicas, mais do que nunca é preciso ampliar as medidas de planejamento reprodutivo, incluindo novos permissivos para a interrupção da gestação.
A síndrome do zika congênita colocou a urgência do debate sobre o direito das mulheres de decidir sobre a reprodução em outro patamar no Brasil. Diante do quadro de incertezas da ciência e das lacunas de políticas públicas, mais do que nunca é preciso ampliar as medidas de planejamento reprodutivo, incluindo novos permissivos para a interrupção da gestação.
Isso se torna ainda mais urgente considerando-se que o aumento de casos de malformações neurológicas em fetos – uma das características associadas à infecção pelo vírus durante a gravidez – é resultado da incapacidade do Estado em controlar o vetor da doença, o mosquito aedes aegypti. É a partir deste diagnóstico que a socióloga Jacqueline Pitanguy, coordenadora executiva da ONG Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação, ressalta a importância da afirmação do direito de escolha das mulheres. Uma das maiores especialistas em direitos reprodutivos no país, Jacqueline afirma: “É absolutamente fundamental levar o debate sobre o direito de interrupção da gestação no caso de zika. E o pilar deste debate deve ser mostrar à população que estamos falando de opção, não de imposição”.
Para a especialista, a mulher que teve zika, com comprovação por diagnóstico clínico ou laboratorial, e que queira levar adiante a gravidez deve ser amparada pelo Estado para seguir com a gestação, assim como para que a criança que venha a nascer com malformações receba os cuidados necessários. Da mesma forma, com diagnóstico clínico ou laboratorial, a mulher que teve zika durante a gestação e optar por interrompê-la também deve ter sua escolha respeitada e ser amparada pelo Estado.
“É fundamental respeitar a escolha da mulher. Não se trata de uma imposição. O que existe hoje, sim, é uma imposição”, frisa Jacqueline Pitanguy, também cientista política e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM).
Mortes maternas irão aumentar
Uma das maiores preocupações de Jacqueline é em relação ao esperado aumento no número de mortes maternas por conta de abortos inseguros ou de complicações à saúde das mulheres diante da epidemia de zika – que vem apresentando maior incidência entre mulheres pobres e negras, que não têm condições de pagar por um aborto em clínica privada.
Atualmente, segundo a especialista, o aborto inseguro é a quarta maior causa de morte materna no Brasil e, na contramão, o que se observa é o avanço da tentativa de criminalizar as mulheres que abortam e não o avanço na proteção dos direitos das mulheres de decidir sobre sua vida reprodutiva. Um triste exemplo é projeto de lei do deputado federal Anderson Ferreira (PR-PE) – autor do Estatuto da Família – que pretende aumentar a pena no caso do aborto praticado em razão de microcefalia ou outra anomalia do feto.
Direitos reprodutivos
A especialista explica que os direitos reprodutivos envolvem fundamentalmente a garantia da autonomia decisória no que diz respeito à reprodução humana – o que entre outras coisas significa o direito de escolher se e quando ter filhos e com que espaçamento no tempo. Esse direito, complementa Jacqueline Pitanguy, pode ser exercido pelo acesso ao planejamento reprodutivo, campo que se insere no marco da saúde reprodutiva.
Para a socióloga, é importante lembrar no debate público que planejamento reprodutivo não é apenas ter acesso a DIU ou pílulas contraceptivas. “O acesso ao planejamento reprodutivo é tanto para evitar a gravidez, quanto para, em caso de infertilidade, poder engravidar, com o componente da atenção ao pré-natal, parto e puerpério. Isso quer dizer todo o ciclo: para engravidar, para levar adiante uma gravidez e para gestar e parir com saúde”, detalha Jacqueline Pitanguy. Assim, a interrupção voluntária da gestação também faz parte do ciclo de vida reprodutiva da mulher, reforça a especialista.
No Brasil, no entanto, desde os anos 1990 existe uma paralisia no que se refere aos direitos reprodutivos das mulheres. O país tem uma lei de planejamento familiar de 1996, aprovada após a participação do Brasil, em 1994, na Conferência Internacional de População em Desenvolvimento das Nações Unidas no Cairo (em que um grupo de ONGs da sociedade civil propôs um projeto de lei regulando o dispositivo constitucional de 1988 que garante o direito ao exercício do planejamento familiar).
“A partir daí, porém, praticamente nada foi feito. Tivemos uma normativa importante do Ministério da Saúde, relativa ao atendimento das mulheres vítimas de violência sexual na rede pública. Essa normativa foi importante, mas o que temos neste campo dos direitos reprodutivos e sexuais é um campo minado. Temos ameaças constantes à legislação”, argumenta a coordenadora da Cepia, que defende a urgência do debate sobre direitos reprodutivos e direito à saúde no contexto da epidemia de zika.
Jacqueline Pitanguy é uma das convidadas do Seminário Mulher e Mídia – Mídia, Zika e os Direitos das Mulheres, a ser realizado em São Paulo, entre os dias 22 e 23 de abril.
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