13/04/2016
A necessidade de desconstruir estereótipos relacionados às múltiplas formas de violência contra as mulheres foi apontada como urgente por especialistas durante o Seminário “Aspectos Práticos do Enfrentamento à Violência de Gênero: a culpabilização da vítima”, promovido pelo Ministério Público do Paraná (MPPR), por meio do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero (Nupige).
O evento reuniu dezenas de promotores e procuradores de justiça, profissionais que atuam na rede de atendimento e de enfrentamento à violência contra as mulheres, além de estudantes, em Curitiba, no dia 22 de março.
De acordo com a integrante do Comitê CEDAW da ONU Silvia Pimentel, as discriminações associadas aos papéis de gênero são um sério entrave para a garantia dos direitos das mulheres. “Os estereótipos e os preconceitos de gênero no sistema de justiça têm consequências de amplo alcance. Eles impedem o acesso das mulheres à justiça em todas as áreas do direito e podem ter um impacto particularmente negativo sobre as mulheres vítimas e sobreviventes da violência. Os estereótipos distorcem percepções a partir de mitos pré-concebidos, e não de fatos”, explicou a especialista, citando a Recomendação Geral da CEDAW, de número 33.
O Comitê CEDAW é composto por especialistas de diferentes países que acompanham a efetivação da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) pelos países que a ratificaram, como é o caso do Brasil. A advogada brasileira Silvia Pimentel coordenou o processo de elaboração da recomendação, que analisa o cenário de acesso das mulheres à justiça, mapeando os principais obstáculos existentes, além de apontar caminhos para que os governos possam superá-los.
Durante o evento, a especialista também chamou atenção para a reprodução de pensamentos que conduzem a decisões injustas e que contribuem para a manutenção de uma cultura da impunidade no país. “Nossa sociedade é toda patriarcal e machista e é interessante que comecemos a chamar atenção para este problema: nós todos reproduzimos inconscientemente pensamentos e atitudes discriminatórias”, frisou.
Raízes históricas e culturais da violência
O discurso legitimador da violência contra as mulheres foi construído ao longo da história e, assim, naturalizado no cotidiano da maior parte das pessoas. A historiadora Ana Paula Vosne Martins lembrou o peso de narrativas masculinas que associam a mulher ao mal ou à destruição, cuja credibilidade é questionável: “as autoridades eclesiásticas e civis sempre colocaram as mulheres sob suspeita, mesmo quando vítimas de violência. Historiadoras sociais mostram que as mulheres que procuraram auxílio tinham a palavra desconsiderada quando acusavam comerciantes, empresários ou parentes”, destacou.
O grave problema permanece no horizonte: a desconfiança em relação ao relato da mulher e o acionamento de mecanismos que ‘justificam’ a prática violenta mobilizando acusações contra a própria vítima estão entre as principais barreiras para o acesso à justiça, segundopesquisas recentes.
Construções que garantem a persistência de discriminações contra as mulheres são reproduzidas cotidianamente, colocando a mulher como alguém duvidável – o que se manifesta, inclusive, no discurso de alguns advogados de defesa do réu no Tribunal do Juri, onde são julgados os crimes mais extremos: os feminicídios.
O que chama atenção é como a estratégia discursiva de culpar a vítima se constrói, em grande parte, por meio de um antigo procedimento: a desqualificação da palavra e da própria mulher. É uma prática enraizada na nossa cultura e em nossa visão de mundo e, por isso, ainda hoje temos que nos posicionar contra frases que vitimizam as mulheres. Enquanto as mulheres não tiverem sua palavra empoderada, a culpa continuará a ser acionada e a violência se perpetuará”, frisou a historiadora Ana Paula Vosne Martins.
Recomendação CEDAW sobre acesso à justiça
Silvia Pimentel considera que, apesar dos avanços conquistados com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), os desafios para garantir igualdade material entre homens e mulheres persistem. Neste cenário, a Recomendação nº 33 do Comitê CEDAW orienta os Estados partes a promoverem capacitações em relação à perspectiva de gênero com todos os agentes dos sistemas de segurança e justiça e estudantes de direito – buscando evitar, assim, que aqueles profissionais que devem garantir direitos sejam reprodutores de discriminações.
“As mulheres devem poder contar com um sistema de justiça livre de mitos e estereótipos, e com um judiciário cuja imparcialidade não seja comprometida por pressupostos tendenciosos. Eliminar estereótipos no sistema de justiça é um passo crucial na garantia de igualdade e justiça para vítimas e sobreviventes”, recomenda o documento.
Por Géssica Brandino
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