se você já pensou em se matar, precisa saber que...
Alex Castro
1. você tem esse direito
a não ser que você esteja sofrendo de alguma doença mental que lhe deixe incapaz de se responsabilizar por suas decisões...
... eu acredito que você, e qualquer pessoa adulta e racional, tem o direito fundamental de acabar com a própria vida.
para mim, é um grande consolo saber que, por pior que fiquem as coisas, a não ser que eu esteja literalmente paralisado, eu sempre vou poder pelo menos escolher a maneira da minha morte.
2. sua dor provavelmente vai passar
porque tudo passa: a dor passa, e a felicidade também passa.
atrás da felicidade, vem mais dor. atrás da dor, vem mais felicidade.
sucessivamente, sem parar.
até que um dia a gente morre.
então, se você segurar as pontas, é quase certo da sua dor passar.
(e ainda tem o bônus adicional de descobrir como vai acabar game of thrones, de saber como a crise política vai explodir nas eleições de 2018, e essas coisas legais que o futuro só reserva para quem está viva.)
por outro lado, se você não quiser encarar esse infindável sobe-e-desce de dor e felicidade que caracteriza a existência humana, beleza: você tem o direito de acabar com sua vida.
3. as pessoas que te amam vão sofrer
talvez você sinceramente ache que ninguém vai sofrer se você morrer.
talvez você esteja sofrendo tanto que sinceramente não se importe em causar sofrimento em outras pessoas.
mas eu te garanto que elas vão sofrer.
nunca, nunca, nunca conheci ninguém tão desprezível que não deixasse para trás muitas pessoas chorosas e saudosas que agora têm um buraco dentro delas do tamanho da pessoa que perderam.
com certeza não será você a primeira pessoa tão horrível que a morte não causaria imenso sofrimento entre amigas e familiares.
algumas de minhas pessoas mais queridas se mataram e elas fazem falta na minha vida todos os dias. não sei se elas sabiam disso. talvez tenham achado que eu não estava nem aí para elas. não era verdade.
então, sim, você tem o direito de terminar sua própria vida, mesmo se isso causar dor em outras pessoas.
afinal, a vida é sua.
mas te peço para pensar bem.
porque, algumas vezes, sim, infelizmente, fazermos o que queremos de nossas vidas causa dor nas pessoas que amamos.
(não vou deixar de ser gay e me obrigar a ser hétero só porque isso causaria dor no meu pai!)
a dor do outro não pode nos impedir de sermos agentes autônomas e livres de nossos corpos e de nossos destinos, mas, se possível, também não devemos causar dor desnecessariamente às pessoas a nossa volta.
tenho uma amiga que só não se mata (diz ela) para não destruir o pai e a mãe: se os dois morressem num acidente hoje, ela se jogava da janela na mesma hora.
acho digno, bonito, carinhoso.
4. a química do seu cérebro pode estar errada
nosso cérebro é um órgão do corpo como nossos rins e nossos intestinos, que depende de um delicado equilíbrio de elementos químicos, orgânicos, elétricos.
tudo isso que damos tanto valor, que nos parece tão metafísico e transcendental, nossa personalidade, nossa mente, nosso temperamento, nosso intelecto, se resume a alguns poucos impulsos elétricos facilmente manipuláveis.
você é a primeira juíza que pode determinar se seu cérebro está funcionando adequadamente ou não. (seja lá o que isso queira dizer!)
outra coisa é ouvir com carinho as pessoas que te amam: se uma boa parte delas já te aconselhou a buscar ajuda profissional psiquiátrica, pode ser uma boa ideia.
sim, você tem direito de se matar, mas pode ser um desperdício acabar com a sua vida, e nunca ver o próximo filme do Almodóvar, digamos, apenas por um problema que se resolveria com dois comprimidos.
vale a pena investigar essa possibilidade antes de tomar medidas mais drásticas.
5. tem gente que quer te ouvir
às vezes, muitas vezes, as maiores dores existenciais são resolvidas pelo simples ato de falar sobre elas.
talvez sua família e amigas sejam mais receptivas do que pensa. (você já tentou?).
mesmo se não forem, existem serviços bonitos, como o cvv, onde pessoas voluntárias se dispõem a conversar, ouvir, acolher.
eu mesmo, que sou apenas um escritor que não sabe nada de nada, faço um encontro chamado "as prisões", aberto a todas as pessoas, onde trocamos histórias e praticamos escutatória (você pode vir sem pagar nada.)
além disso, também abro minha casa para receber visitas e adoro ouvir histórias de vida pelo telefone ou pela internet (escritores são vampirinhos de histórias).
se você me procurar, eu não posso prometer nem te dar "bons conselhos"
(quem sou eu pra saber o que você deve fazer!)
nem tentar te convencer a não se matar
(porque acho que todas nós temos esse direito fundamental sobre nossa existência)
mas prometo que te escuto, te acolho, te aceito, te abraço.
que é só o que podemos fazer umas pelas outras, todos os dias, pelas pessoas que querem se matar e pelas que nunca pensaram nisso, na cama do hospital ou na fila do banco, com amigas queridas ou com completas desconhecidas: escutar, acolher, aceitar, abraçar.
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