Mesmo com a tendência de queda na gravidez na adolescência, a educação sexual mostra-se fundamental, alerta professor da Unicamp
A relação entre a escolarização e as taxas de gravidez na adolescência é direta: quando a primeira sobe, a segunda cai, explica João Luiz Pinto e Silva, professor de Obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e titular da Divisão de Obstetrícia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Unicamp, centro de referência na área.
Ao final do Ensino Médio, de 70% a 80% dos adolescentes já são sexualmente ativos, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2009.
De todos os partos realizados no Brasil, cerca de 20% são de jovens entre 10 e 19 anos. Os números, por si só, alertam para a necessidade de a educação sexual se fazer presente no ambiente escolar de uma maneira contínua.
Segundo o pesquisador, autor de diversos artigos sobre o tema, o País apresenta hoje uma tendência de queda nesses índices graças a mudanças culturais e ao maior acesso à informação, a serviços de saúde e a métodos anticoncepcionais, mas seguem altos devido à prevalência de adolescentes na população do País.
Ainda assim, a escola tem papel fundamental para informar e levar o jovem a lançar mão desses conhecimentos em sua vida sexual. Mais que isso, critica, são necessárias políticas focadas nessas populações.
“Boa parte das meninas que ficam grávidas muito cedo já saiu da escola antes, não é a gravidez que as tira da escola. Agora há outro problema: o Bolsa Família, que as coloca para complementar a renda da família, mas, quando ela fica grávida, acaba saindo da escola e perdendo o benefício. A incompreensão das políticas públicas voltadas a esse tipo de assistência pode ser fatal para ela e para o núcleo em que ela está inserida”, afirma.
Carta na Escola: Que tendências se observam nos índices de gravidez na adolescência no Brasil hoje?
João Luiz Pinto e Silva: A mudança tem sido bem favorável. Quando comecei a trabalhar com eles, em 1978, aqui no hospital a taxa de gravidez entre jovens de 10 a 19 anos era por volta de 25%, hoje está em torno de 12%. O que se observa é que, em todos os grupos, de todas as faixas etárias, a fertilidade caiu bastante, mas aumentou nessa faixa de adolescente ou tem caído em menor proporção. Há números maiores em alguns estados, principalmente no Norte e Nordeste. O número de partos feitos pelo Sistema Único de Saúde nessa faixa etária caiu 34,6% entre 2000 e 2009. Ou seja, a tendência é de queda. Existe uma associação entre o número maior de adolescentes existentes e o número maior de gravidez nesse grupo. Isso porque, no momento, por razões diversas da estrutura demográfica brasileira, temos a maior coorte de adolescentes de todos os tempos. Ou seja, se há mais gente demograficamente, mantemos um número muito alto de gravidez nesse perfil.
CE: As campanhas de prevenção à Aids nos últimos 30 anos têm algum impacto nessa queda?
JLPS: É difícil especificar o peso dessas iniciativas. Quando, no começo dos anos 1980, fiz meu doutorado sobre o tema, chamou a atenção que a grande maioria das adolescentes grávidas conhecia anticoncepcionais, mas não havia usado. Em primeiro lugar, porque não havia na rede de saúde, em segundo, porque não tinha informação, em terceiro, porque a relação sexual precoce era um tabu muito grande e o uso de anticoncepção denunciaria isso… Existia também uma característica própria da adolescência, que é pensar “comigo não vai acontecer”, e o fato de ser também um sexo ainda exploratório. São fatores que faziam com que, embora, na época, cerca de 90% conhecessem ou tivessem usado anticoncepcionais antes de engravidar, elas não os utilizassem, ou o fizessem sem constância, de forma errada. Hoje, as unidades básicas de saúde têm pílula, DIU, injetáveis, camisinha… A popularização e a extensão da cobertura ajudaram. Agora, é óbvio que há também uma referência da mudança da cabeça das pessoas, e de certa forma misturaram a prevenção da gravidez na adolescência com o medo das doenças sexualmente transmissíveis e da Aids.
CE: Essa questão do uso incorreto dos métodos anticoncepcionais ainda se faz presente hoje em dia?
JLPS: Muitas das grávidas de hoje ou usaram errado ou de forma irregular. Há as duas coisas. Antigamente era muito tabu falar de anticoncepcional, especialmente para jovens. Hoje, esse tipo de conversa é mais comum, houve uma mudança cultural. Você vê na televisão, campanhas públicas, falamos mais abertamente sobre sexo. Assim, hoje, os adolescentes lançam mão dessas informações mais do que no passado, mas têm ainda características de adolescentes. Em primeiro lugar, porque têm ainda dependência econômica dos pais, precisam de convênio para ir ao médico, ou que o pai compre ou dê dinheiro para o anticoncepcional, embora existam serviços públicos que façam isso com maior ou menor eficiência. E aí entramos em outra questão, a de que nem todo serviço está capacitado a fazer uma orientação e promover o fornecimento contínuo dos métodos. Fora isso, às vezes os pais não sabem que o jovem já iniciou sua vida sexual, e ele tem de esconder a pílula, a camisinha, o que é um empecilho para se usar. Hoje temos também uma campanha maciça do governo, a rede de informação dirigida a esse público, a rede de instrumentalização de métodos anticoncepcionais, se modificou muito nos últimos anos. E, somado a isso tudo, há a questão educacional: a escolaridade melhorando, diminui a negação ao uso do anticoncepcional.
CE: Qual é o papel da educação sexual na escola? Ela por si só basta ou precisa estar atrelada a um trabalho com a família e a comunidade?
JLPS: A educação sexual na escola é importantíssima. A combinação é desejada e é a que funciona. Mas já passamos do tempo de ter uma aula isolada de educação sexual, que mostre os órgãos, o espermatozoide… A educação sexual se faz de maneira contínua, aproveitando todas as oportunidades e instrumentos que a escola tem para orientar e acrescentar à educação como um todo. Há recursos midiáticos muito mais eficientes que esses antigos. É possível, por exemplo, em Português, inserir o debate a partir de leituras de obras clássicas que descrevam os relacionamentos humanos. É possível entrar nele também por outras disciplinas, como Geografia, História… Ou seja, há oportunidades pedagógicas várias que não se limitam à área da Biologia, e elas devem visar a prática sexual sadia, um relacionamento positivo, com confiança, que são elementos importantíssimos para a integração dessa responsabilidade no adolescente.
CE: Quais devem ser os pilares desse trabalho na escola?
JLPS: A educação sexual precisa estar vinculada ao conceito de educação integral, e não seccionada. O principal pilar é a discussão grupal que leva em consideração valores daquela comunidade, que integra os pais sempre que possível para que haja continuidade do debate em casa, que se aproveite de teatro, jogos e atividades para explorar a sexualidade e o início da vida sexual. Essa fase etária é realmente um cadinho de ebulição sexual, e é preciso canalizar isso de forma efetiva, de modo a contribuir para a formação de caráter, da relação de confiança, da autoestima do adolescente.
CE: Que questões ligadas à sexualidade tornam-se fatores de risco?
JLPS: A sexualidade tem a ver com esse conceito do papel social do adolescente. Minha vó casou-se com 12, 13 anos, antes mesmo de menstruar pela primeira vez, e sua perspectiva era casar, cozinhar, costurar, cuidar dos filhos e acabou. Quando o valor social se modifica, do indivíduo, da mulher principalmente, a situação muda, porque aí, sim, a adolescência aparece. Você, então, está apto a começar suas atividades sexuais, por estar biologicamente pronto, mas não convém que você engravide. Mas há países e mesmo regiões do Brasil em que a importância social é medida pela maternidade, e elas de fato querem e ficam felizes ao engravidar. No nosso ambulatório, temos muitas meninas que queriam engravidar sim, apesar de estar estudando. E a gente tem outra questão importante, que é o número preocupante de meninas que engravidam antes dos 15 anos. São 18 milhões de meninas abaixo de 20 anos as que dão à luz a cada ano e, dessas, 2 milhões têm menos de 15 anos. Esse grupo é muito mais vulnerável. Do ponto de vista médico, são mais vulneráveis por ser muito jovens e, não raro, especialmente se têm 11, 12 anos, a questão tem ligação com a violência sexual doméstica. Outro problema: há muitos casos de jovens que, aos 15, 16 anos, já estão na segunda, terceira ou até quarta gravidez. Isso é dramático porque, sem esperar um intervalo ideal entre partos de dois anos, vão aparecendo doenças. Ou seja, é um grupo altamente preocupante.
CE: Mesmo sem esse quadro de gravidez repetida, a idade da adolescente a torna mais vulnerável?
JLPS: Há muitos estudos que afirmam que não há fatores complicadores pela idade mais baixa. Só que, quanto mais precoce, mais problemas a gente tem: mesmo que os biológicos sejam poucos, eles são mais de ordem psicossocial e familiar, o que pode redundar em má assistência pré-natal ou no período pós-parto. Se não houver estrutura familiar, e quase sempre ela não tem nessa circunstância, suas condições vão piorar. Boa parte das meninas que ficam grávidas muito cedo já saiu da escola antes, não é a gravidez que as tira da escola. Agora há outro problema com o Bolsa Família, que as coloca para complementar a renda, mas, quando ela fica grávida, acaba saindo da escola e perdendo o benefício. A incompreensão das políticas públicas voltadas a esse tipo de assistência pode ser fatal para ela e para o núcleo em que ela está inserida. A lógica do benefício pode ser a de fazê-la voltar à escola depois, mas ela tem condições para isso? É preciso ter amparo do Estado, porque, em geral, essas meninas vêm de um ciclo de perpetuação de pobreza, são mulheres que chegam aos 50 anos bisavós, todas as gerações têm filhos aos 14, 15 anos, e a coisa não para nunca. Se não houver um aparelho social de suporte, que dê condições de educação, de planejamento para não repetir gravidez, de não excluí-la da escola, isso é algo que tende a continuar.
Carta Capital
Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário