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sábado, 1 de outubro de 2016

Medidas protetivas e acolhimento familiar

Camila Elizabeth Rodrigues
Resumo: O escopo deste artigo é fazer um breve apanhado a respeito das medidas protetivas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, notadamente o acolhimento familiar. Trazer noções sobre os direitos fundamentais da criança e do adolescente e sua consolidação no estatuto do menor. Realizar apontamentos sobre as medidas protetivas previstas no diploma menorista e sua aplicação. Lançar luzes sobre o programa de acolhimento familiar, trazendo uma noção conceitual. Definir família acolhedora, salientando os aspectos de provisoriedade e transitoriedade, com vista ao retorno do menor ao grupo familiar de origem. Salientar, finalmente, a importância do serviço de acolhimento familiar, abordando sua natureza e diretrizes.

Introdução
Os direitos e garantias da criança e do adolescente encontram seu alicerce na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A lei maior impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (artigo 227, CR/88).
Na esteira da especial proteção atribuída à pessoa em desenvolvimento, adveio o Estatuto da Criança e Adolescente, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990.
Trouxe o diploma menorista em seu pórtico a assunção da doutrina da proteção integral, insculpida no artigo 227 da Constituição Federal, que conferiu ao menor a condição de sujeito de direitos (artigo 1º, ECA).
Corporifica a especial proteção, a adoção de medidas que resguardem a criança ou adolescente de situações de risco, consubstanciadas na ameaça e violação de direitos.
Prevista entre as medidas de proteção encontra-se o acolhimento familiar, objeto principal do presente estudo.

Desenvolvimento
As medidas de proteção estão dispostas no Título II, da Parte Especial do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 (ECA).
Rossato, Lépore e Cunha trazem definição do instituto:
“Por medidas protetivas entendem-se as ações ou programas de caráter assistencial, aplicadas isolada ou cumulativamente, quando a criança ou adolescente estiver em situação de risco, ou quando da prática de ato infracional.” (2016, p. 320).
Com efeito, prevê o diploma menorista que tais medidas serão aplicadas sempre que houver ameaça ou violação aos direitos reconhecidos na respectiva legislação, constatado comportamento que se revele contrário à garantia dos direitos estabelecidos em prol das crianças e adolescentes, evidenciando situação de risco.
A necessidade de adoção de medidas de proteção decorre da verificação de ameaça ou violação dos direitos do menor, oriunda de ação ou omissão da sociedade ou do Estado, da negligência, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis e da conduta da própria criança ou adolescente (art. 98, ECA).
Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo assinalam que:
“O dispositivo relaciona as hipóteses em que se considera que uma criança ou adolescente se encontra na chamada ‘situação de risco’, ou seja, em condição de maior vulnerabilidade, demandando uma atenção especial por parte da ‘rede de proteção’ e dos órgãos de defesa dos direitos infanto-juvenis.” (2010, p. 129).
As medidas de proteção poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulada, em conformidade com as necessidades demandadas pela especial proteção ao sujeito em desenvolvimento.
Constatada a ocorrência de hipótese prevista no artigo 98 do estatuto do menor, a lei prevê, exemplificativamente, medidas de proteção a serem adotadas, nos termos do artigo 101, a saber:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;           
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta.
Serão aplicadas, preferencialmente, as medidas que objetivem o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (artigo 100, ECA).
A lei de adoção, nº 12.010 de 3 de agosto de 2009, introduziu no ordenamento pátrio, dentre as medidas protetivas, o programa de acolhimento familiar (art. 101, VIII, ECA).
O acolhimento familiar é medida de proteção por meio da qual uma criança ou adolescente, afastados temporariamente de sua família natural até que esta se reestruture, permanecem sob os cuidados da denominada família acolhedora.
A família acolhedora é formada por um indivíduo ou indivíduos, componentes de um núcleo familiar, que, vocacionados para tal mister, participam do programa de acolhimento de crianças ou adolescentes, provisoriamente apartados do seio de sua família natural, através do respectivo cadastro e habilitação. 
Consoante Rolf Madaleno:
“O programa de acolhimento familiar é uma medida protetiva a ser aplicada exclusivamente pelo juiz da Vara da Infância e Juventude (ECA, art. 101, VIII), pelo qual a criança ou adolescente é retirado da guarda de sua família de origem e entregue a uma pessoa singular ou uma família, denominada família acolhedora, previamente cadastrada no programa de acolhimento familiar, habilitada para o resguardo, e encarregada de oferecer carinho e cuidados especiais ao assistido, em caráter provisório, até que passe a situação de risco e este possa retornar ao convívio de sua família natural.” (2013, p. 631).
É um serviço público direcionado às crianças e adolescentes afastados da família de origem, que prefere ao acolhimento institucional (art. 34, § 1º, ECA), uma vez que garante ao menor um referencial familiar e cuidados individuais.
Trata-se de serviço de proteção social especial de alta complexidade, assim considerado em virtude da necessidade de afastamento temporário do menor do seio da família natural.
Jane Valente salienta que “no caso do acolhimento familiar, realizado em espaço físico privativo de uma família, as crianças e os adolescentes acolhidos recebem cuidados e convivem com as regras próprias da dinâmica familiar, tendo garantido o seu direito à convivência familiar e comunitária” (2013, p.107).
O acolhimento familiar demanda prévio cadastro das famílias candidatas, que serão submetidas a um processo de avaliação por equipe técnica e, efetivada a habilitação, a programas de formação e orientação pela entidade responsável.
Trata-se de medida provisória e excepcional, que será objeto de reavaliação a cada período de seis meses, oportunidade em que se emitirá um relatório contemplando a situação do acolhido e de sua família, com o fito de se verificar sobre a possibilidade de reinserção do menor em seu grupo familiar de origem (artigos 19, § 1º, e 92, § 2º, ECA).
A família acolhedora receberá a criança ou adolescente mediante termo de guarda (artigo 34, § 2º, ECA).
O acolhimento familiar ocorrerá em local que se revele mais próximo ao da residência dos pais ou responsável e se limitará ao prazo de dois anos, ressalvada comprovada necessidade que atenda aos superiores interesses do destinatário da proteção (artigo 19, § 2º, e 101, §7º, ECA).
A respeito da duração da medida, colhe-se dos comentários de Rossato, Lépore e Cunha:
“Vale ressaltar que apesar da ausência de disposição legal expressa a respeito do prazo máximo de duração da medida de acolhimento familiar, entendemos que, por analogia, aplica-se a mesma limitação de 2 (dois) anos imposta ao acolhimento institucional, haja vista ambas constituírem-se em medidas excepcionais e transitórias, e que devem respeito ao princípio da intervenção mínima e da intervenção precoce.” (2016, p. 149).
Dispõe o estatuto menorista sobre a prevalência da manutenção e reintegração da criança e adolescente à sua família de origem, que deverá ser incluída em serviços de proteção, apoio e promoção e ter facilitado e estimulado o contato com o menor acolhido.
Durante a permanência do menor no programa de acolhimento devem ser envidados esforços para a reestruturação da família de origem, de forma a propiciar o retorno da criança ou do adolescente.
Promovido o acolhimento familiar, será elaborado pela entidade responsável pelo serviço um plano individual de atendimento, que considerará a opinião da criança ou adolescente e a oitiva dos pais ou responsável.
O plano individual visará o breve retorno do assistido ao núcleo familiar originário e deverá conter os resultados da avaliação interdisciplinar, os compromissos assumidos pelo pai ou responsável, bem como a previsão das atividades a serem desenvolvidas com o menor e seus pais ou responsável, com o fito de reintegrá-lo à família natural.
Reconhecida a impossibilidade de regresso do menor ao grupo familiar de origem, serão adotadas providências para sua colocação em família substituta.

Conclusão
O estatuto menorista estabelece a adoção de medidas de proteção, havendo ameaça ou violação aos direitos das crianças ou adolescentes, com o objetivo de salvaguardá-los.
Previsto entre os instrumentos de proteção, encontra-se o acolhimento familiar, introduzido no ordenamento jurídico pela lei de adoção, nº 12.010 de 3 de agosto de 2009.
Trata-se de medida transitória e excepcional, cujo norte é a reintegração do menor ao seio da família de origem.
A inserção do serviço de acolhimento familiar, entre as medidas protetivas dispostas no estatuto menorista, observou o direito fundamental da criança e do adolescente, retirados do seu núcleo originário, à convivência em família e comunidade.
Considerada a necessidade de se garantir ao menor os direitos fundamentais insculpidos no artigo 227 da lei maior, que adotou a doutrina da proteção integral, estabeleceu-se a preferência ao acolhimento familiar, em detrimento da cultura de institucionalização do menor, garantindo-lhe o cuidado e amparo individuais provenientes da família acolhedora.
Exerce a família acolhedora, consoante Rossato, Lépore e Cunha, “vocacionada função, para a qual se exige preparo especial e desprendimento, com o intuito de oferecer carinho e cuidado especiais ao assistido” (2016, p. 324).

Referências:
CURY, Munir et al. Estatuto da Criança e Adolescente Comentado. 11. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010.
DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da Criança e Adolescente Anotado e Interpretado. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná. Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, 2010.
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
RIBEIRO, Paulo Hermano Soares; SANTOS, Vívian Cristina Maria; SOUZA, Ionete de Magalhães. Nova Lei de Adoção Comentada: Lei nº 2010 de 3 de agosto de 2009. Leme: J. H. Mizuno, 2010.
ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.069/90 comentado artigo por artigo. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016.
VALENTE, Jane. Família Acolhedora: As Relações de Cuidado e de Proteção no Serviço de Acolhimento. 8. ed. São Paulo: Paulus, 2013.
Camila Elizabeth Rodrigues
Graduada em Direito pela Faculdade Milton Campos. Pós-graduada em Direito Público e em Direito de Família e Sucessões. Analista de Direito do Ministério Público de Minas Gerais

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