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domingo, 9 de outubro de 2016

Por que empresas que projetam um perfil ‘descolado’ não estão livres de denúncias de sexismo

André Cabette Fábio 18 Set 2016

Preconceitos arraigados não desaparecem com boas intenções ou simplesmente contratando mais mulheres

O vazamento de uma discussão feita por e-mail por funcionárias e funcionários da Apple está levantando questionamentos sobre a capacidade da empresa de lidar com casos de discriminação de gênero. De acordo com um relatório da companhia publicado em agosto de 2016, 32% de seus funcionários são mulheres.

Denúncias de discriminação de gênero foram vazadas pelo site Mic em setembro de 2016, que teve acesso a uma discussão feita por e-mail entre funcionários insatisfeitos. A publicação também entrevistou alguns dos funcionários, cuja identidade foi mantida anônima. Os relatos apontam uma “atmosfera tóxica” na empresa de tecnologia.

Não faltam exemplos de organizações que projetam um perfil “descolado” com problemas de sexismo. Em dezembro de 2015, a agência de relações públicas FitzGibbon Media chegou a fechar temporariamente as portas.

A empresa já era conhecida na época por representar instituições como o site para vazamento de documentos sigilosos Wikileaks e a Anistia Internacional. O motivo para a crise foi o afastamento de seu fundador, Trevor FitzGibbon, após sofrer diversas denúncias por assédio sexual.

“É abundantemente claro que uma diferença irreconciliável surgiu entre a equipe FitzGibbon e eu”, afirmou Trevor na época.

Os problemas na Apple, segundo funcionários

PIADAS SOBRE ESTUPRO
Uma funcionária relata que em uma manhã de trabalho um colega fez uma piada sobre como um invasor estupraria todo mundo no escritório. Ela reclamou e o colega se desculpou. Mas revoltada com a reincidência de casos do tipo, a funcionária decidiu enviar um e-mail para o presidente da empresa, Tim Cook.

Ela escreveu: “Piadas sobre estupro são, basicamente, o meu limite. Eu não estou confortável com uma empresa que tolera quem faz piadas sobre estupro”. A funcionária se afastou do trabalho por um mês após o incidente - não está claro se de férias ou em algum outro tipo de licença.

Mas nenhuma medida foi tomada sobre o caso, o que fez com que entrasse com uma reclamação formal junto à Comissão para Igualdade de Oportunidade do governo americano pedindo que a Apple seja investigada. Ela também acusa a empresa de privilegiar homens brancos em promoções.

PARCEIRAS ‘CHATAS’
Na troca de e-mails, uma das funcionárias da Apple conta que enviou um pedido de ajuda para a seção de recursos humanos relatando o seu desconforto durante uma reunião com 12 homens e mais nenhuma outra mulher.

“A conversa se transformou em todos os homens diminuindo suas esposas e parceiras. Eu me senti muito desconfortável com o fato de que eu era a única mulher na sala enquanto todos os meus colegas classificavam mulheres como pentelhas [‘nags’] sem que o meu gerente se posicionasse afirmando que aquilo não era apropriado”, escreveu.

TURNO NOTURNO SOZINHA
A mesma funcionária relata que, durante turnos da madrugada ela ficava tão solitária que as luzes da empresa, sensíveis a movimento, se apagavam. Ela escreveu: “eu trabalhava na escuridão durante o horário da noite do meu turno” em um escritório praticamente vazio e no qual era a única mulher do andar. Isso fez com que ela temesse pela sua segurança.

A funcionária pediu permissão para que fosse transferida a uma área próxima a alguma das poucas pessoas presentes no local, mas teve o pedido negado. Cansada, abandonou o emprego na empresa de tecnologia.

‘TPM MASCULINA’
Um outro funcionário relata como era frequentemente criticado por ser um homem emotivo, que parecia ter as características de uma mulher. Ou seja, ele era criticado através de um comentário machista. 'Qualquer homem sabe que ser comparado a uma mulher é uma insinuação de que você não é forte ou estável o suficiente para lidar com as dificuldades que a vida ou o trabalho como um homem faria'.

Um comentário recorrente era o de que ele estava na sua 'TPM masculina'. 'Essa é uma declaração usada para afirmar que mulheres menstruando são emotivas e pouco confiáveis ou racionais'.

Ainda na discussão de e-mail sobre os casos de sexismo, uma funcionária relatou que, após reclamações conseguiu que a empresa reconhecesse que estava trabalhando em um ambiente hostil. A proposta que recebeu foi: permanecer na vaga que ocupava ou mudar para uma outra, com um salário pior. Ela aceitou a segunda opção.

Um dos funcionários anunciou que estava se demitindo da Apple porque “apesar de todas as tentativas de buscar justiça dentro dessa corporação, as reclamações de diversos empregados membros de minoria sobre o ambiente tóxico e opressivo não foram respondidas. Eu testemunhei o completo descrédito das vozes de homens e mulheres de cor, e a culpa não é só da administração direta, mas daqueles com a tarefa de proteger o direito dos empregados”.

Em resposta às denúncias, a Apple afirmou através de um porta voz que "tem compromisso em tratar a todos com dignidade e respeito. Quando recebemos reclamações ou temos informação de que funcionários estão preocupados com seu ambiente de trabalho, levamos muito a sério e investigamos as acusações com afinco - como fizemos com cada um dos casos descritos. Se julgamos que o comportamento está em desacordo com nossos valores, nós agimos”.

De acordo com a empresa, 37% das novas contratações são de mulheres - o que ajuda a aumentar a taxa de funcionários do sexo feminino, de 32%. E 27% das contratações são de negros, hispânicos ou indígenas - que atualmente respondem por 22% dos trabalhadores.

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