Em ensaio para a GALILEU, socióloga Wânia Pasinato, especialista em combate à violência contra a mulher, avalia os desafios no acesso à Justiça
Nos últimos anos, a violência contra as mulheres no Brasil vem se tornando assunto público e reconhecido como problema ao qual qualquer mulher, independentemente de raça, cor, etnia, idade ou classe social pode estar sujeita. Trata-se de reconhecer que a violência não é um infortúnio pessoal, mas tem origem na constituição desigual dos lugares de homens e mulheres nas sociedades – a desigualdade de gênero –, que tem implicações não apenas nos papéis sociais do masculino e feminino e nos comportamentos sexuais, mas também em uma relação de poder.
Em outras palavras, significa dizer que a desigualdade é estrutural. Ou seja, social, histórica e culturalmente a sociedade designa às mulheres um lugar de submissão e menor poder em relação aos homens. Qualquer outro fator – o desemprego, o alcoolismo, o ciúme, o comportamento da mulher, seu jeito de vestir ou exercer sua sexualidade – não são causas, mas justificativas socialmente aceitas para que as mulheres continuem a sofrer violência.
Em outras palavras, significa dizer que a desigualdade é estrutural. Ou seja, social, histórica e culturalmente a sociedade designa às mulheres um lugar de submissão e menor poder em relação aos homens. Qualquer outro fator – o desemprego, o alcoolismo, o ciúme, o comportamento da mulher, seu jeito de vestir ou exercer sua sexualidade – não são causas, mas justificativas socialmente aceitas para que as mulheres continuem a sofrer violência.
Essa situação tem sido traduzida num enunciado bastante simples: “as mulheres são vítimas de violência porque são mulheres”. Mas não é apenas a desigualdade de gênero que é estrutural. Outros fatores, como o racismo e as diferenças econômicas, também afetam de forma desproporcional alguns grupos da sociedade, sendo a mais atingida a população negra.
Em anos recentes, esse reconhecimento foi acompanhado por mudanças na forma como devemos responder a essa violência, atacando não as justificativas, mas as causas. O país tornou-se referência internacional com a Lei 11.340/2006 – a Lei Maria da Penha, cujo diferencial é a forma de abordar o problema, propondo a criminalização e a aplicação de penas para os agressores, mas também medidas que são dirigidas às mulheres para a proteção de sua integridade física e de seus direitos, além das medidas de prevenção destinadas a modificar as relações entre homens e mulheres na sociedade, campo no qual a educação desempenha papel estratégico.
Apesar de tudo, o Brasil segue sendo um país violento para as mulheres. Anualmente são registradas centenas de ocorrências de violência doméstica, de violência sexual, além das elevadas taxas de homicídios de mulheres que, quando motivadas pelas razões de gênero, são tipificadas como feminicídios. Esses números expressam apenas uma parte do problema e comumente dizemos que a subnotificação é uma característica dessas situações.
O medo, a dúvida, a vergonha são algumas das explicações para esse silêncio, mas novamente nos contentamos em olhar para justificativas e não para as causas. E se queremos mesmo mudar essa realidade, é preciso encarar que a desigualdade de gênero é estrutural das nossas instituições também, e se apresenta como um obstáculo a ser transposto se queremos tornar o direito formal em direito de fato, universal e acessível a todas as mulheres.
A aplicação da Lei Maria da Penha é um exemplo, mas não é o único. De modo geral, mudamos leis, mas não a forma como as instituições funcionam. O sistema de Justiça segue atuando de forma seletiva e distribuindo de forma desigual o acesso à Justiça. Existem poucos serviços especializados para atender as mulheres em situação de violência. Faltam protocolos que orientem o atendimento. Falta capacitação para os profissionais cuja atuação é muitas vezes balizada por convicções pessoais e julgamentos de valor que nada tem a ver com os direitos humanos. Cresce um entendimento que dissocia a importância de ensinar gênero e sexualidade nas escolas das políticas de prevenção da violência.
As mudanças continuam a ocorrer como um movimento que ganhou força própria e não tem retorno. Muito tem sido feito para que as leis e políticas possam ser implementadas e mais mulheres encontrem condições para acessar direitos e justiça. Falta avançar em maior engajamento e comprometimento das instituições, governos e da sociedade para que essas sejam um compromisso de todos e todas, e que o lema “Nenhuma a menos” finalmente se torne realidade.
* Wânia Pasinato é socióloga, especialista em gênero e políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Atualmente é assessora no Escritório USP Mulheres, da Universidade de São Paulo
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