Em sua nova coluna, a psicanalista Lidia Aratangy fala da trajetória comumente percorrida por casais apaixonados - do flerte inicial à admiração pelo outro
Marie Claire 05.02.2019 | POR LIDIA ARATANGY
Marie Claire 05.02.2019 | POR LIDIA ARATANGY
A notícia da separação de um casal provoca curiosidade e, às vezes, até espanto: o que teria levado aquele casal a se separar? Por que uma relação amorosa termina? Mas é raro alguém se debruçar com a mesma perplexidade sobre o mistério maior: o que faz nascer uma história de amor? O que leva uma pessoa a acreditar que a relação com aquele outro ser é o único caminho para preencher sua incompletude, para afastar o sentimento de solidão?
O espanto deveria valer para todos os amores, a indagação se coloca não só para os Romeus e as Ofélias, mas para você, para mim, para a moça que vende verduras na feira. Por que duas pessoas, que nem são parentes, que nunca se viram antes, de repente se olham de um jeito diferente e... O feitiço se faz? Daí em diante, a paz será para sempre perturbada pelo medo da perda, pois sem o outro, sem aquele outro, parece impossível respirar.
O espanto deveria valer para todos os amores, a indagação se coloca não só para os Romeus e as Ofélias, mas para você, para mim, para a moça que vende verduras na feira. Por que duas pessoas, que nem são parentes, que nunca se viram antes, de repente se olham de um jeito diferente e... O feitiço se faz? Daí em diante, a paz será para sempre perturbada pelo medo da perda, pois sem o outro, sem aquele outro, parece impossível respirar.
Nenhuma resposta definitiva foi encontrada nem pela ciência, nem pela filosofia, nem pelas artes (embora os poetas românticos sejam imbatíveis em descrever os sentimentos que esse encontro mobiliza). Mas ainda assim podemos reconhecer alguns componentes da trajetória amorosa, a partir do momento da sua revelação — mesmo sem conseguir explicar o que exatamente provoca essas reações.
O primeiro impulso vem de uma sensação de curiosidade, um desejo de saber mais sobre o outro: quem é, o que faz, de onde vem... Antigamente, se um rapaz quisesse se aproximar de uma moça, a frase típica que ele diria seria: “Gostaria de conhecê-la melhor... Posso acompanhá-la?” (Se ela sentisse o mesmo interesse, só lhe cabia calar e torcer para que ele se adiantasse. Outros tempos, outros costumes. Felizmente.).
Tanto faz se o encontro acontece na casa de amigos, no recreio da escola ou no aplicativo do tablet ou do celular. É a curiosidade que alimenta as primeiras conversas, e faz com que cada um seja ouvido ou lido com atenção, o que torna o diálogo interessante e vivo. Os primeiros encontros, reais ou virtuais, permitem que o casal avalie se a relação tem fôlego para mergulhos mais profundos.
O interesse pelo que diz o outro leva ao passo seguinte: uma agradável sensação de competência, de ser interessante o bastante para manter a atenção do outro. Muitas vezes essa impressão se traduz pela frase: “Com ele a conversa corre fácil, nem preciso me esforçar!”. Pois o encanto de uma conversa depende, em grande parte, da sensação de ser ouvido e compreendido pelo outro. Como numa relação sexual, o prazer que se sente na conversa é diretamente proporcional ao prazer que se percebe no outro. A certeza de estar agradando cria um clima relaxado que favorece a espontaneidade da comunicação, passo importante para o aprofundamento do vínculo.
Mas não basta a conversa ser fácil e agradável para que a relação adquira um lugar especial: ela precisa ser transformadora, isto é, ser capaz de alterar e enriquecer nossa percepção e até nossos sentimentos. Imagine, por exemplo, que você tenha tido um dia especialmente difícil no trabalho, que a fez se sentir humilhada ou magoada. Diante do seu relato, um interlocutor sensível é capaz de sugerir novos ângulos pelos quais o episódio pode ser visto, acrescentando um novo colorido, que torna menos sofrida a lembrança da experiência. Tudo fica mais tolerável, mais fácil, depois de uma conversa assim, pois um parceiro capaz de exercer essa função com competência conquista um espaço diferenciado dentro da gente.
Para que uma relação se consolide, não pode faltar uma dose de admiração, que vem da prazerosa descoberta dos conhecimentos e competências do outro. Por isso, os parceiros procuram criar situações em que as qualidades de cada um tenham mais chance de aparecer. Ao mesmo tempo, captar um olhar de admiração na expressão do outro é um alimento precioso para o vínculo amoroso. O olhar que reafirma o afeto e confirma as qualidades torna-se o espelho preferencial no qual cada parceiro busca se refletir. Uma tradução verdadeira da expressão “eu te amo” é: “gosto do jeito que você me vê”.
Uma das consequências desse processo de encantamento é que a presença da pessoa amada tem o efeito de ressaltar o que o parceiro tem de melhor, deixando à sombra os traços menos favoráveis. É como se cada um emitisse uma luz que ilumina as melhores facetas do outro — o que faz com que ambos se sintam sedutores e atraentes. Assim, os parceiros de fato mobilizam os aspectos mais favoráveis da personalidade um do outro, o que, por sua vez, estimula o desejo de estar perto.
É claro que essa trajetória não é fixa, nem são obrigatórios todos os passos dessa caminhada. Mas esse é um percurso presente na maioria dos encontros que tendem a se consolidar, com nuances diferentes para cada casal que se aventure por esse território, cuja travessia não é para covardes, nem para distraídos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário