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domingo, 3 de março de 2019

Quantas mulheres cientistas você conhece?

SORORIDADE EM PAUTA
POR FERNANDA MENNA PINTO PERES   28 DE FEVEREIRO DE 2019
“Um professor falou que eu não estava entendendo o conteúdo porque as mulheres não conseguem projetar o espaço tridimensional, e que a neurociência explicava isso” – Juliana Davoglio Estradiotojovem cientista brasileira.
Este texto é dedicado a todas as mulheres que fazem ciência no Brasil, em especial à amiga Alessandra Nava, pesquisadora da FioCruz Amazônia.
(Antes de iniciar a leitura deste texto, permita-se responder à seguinte pergunta: Quantas cientistas mulheres você conhece? Nomeie-as. Faça o mesmo em relação aos cientistas homens que você consegue enumerar).

No ultimo dia 11 de fevereiro comemoramos, pelo quarto ano consecutivo, o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, efeméride adotada oficialmente na Assembléia Geral da ONU de 22/12/2015 através da Resolução A/RES/70/212, em reconhecimento ao trabalho da Unesco e Onu Mulheres e, principalmente, em razão da importância dos temas ciência e equidade de gênero para implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.   
Desde o século V, início da Idade Média ou Idade das Trevas, até praticamente o século passado, as mulheres foram sistematicamente excluídas do mundo do conhecimento e da produção científica ocidental. Certo é que, nem sempre foi assim. Nas civilizações antigas, as mulheres participavam ativamente na medicina. Na Grécia antiga, a filosofia natural era aberta às mulheres. Nos séculos I e II, as mulheres eram ativas cientificamente, notadamente na protociência da alquimia. Com a ascensão do cristianismo e a queda do Império Romano, a vida das mulheres cientistas tornou-se muito difícil, como foi o caso de Hipátia de Alexandria (370-415), a primeira mulher matemática da história, inventora do hidrômetro e do astrolábio, assassinada por cristãos fanáticos em 415 dC. Diz-se que sua morte marcou o fim da participação ativa das mulheres na ciência por séculos.
Na Idade Média (sec. V-XV), apenas às freiras, nos conventos, era permitido o estudo. Em que pese as Universidades tenham sido criadas no século XI, nessa época as mulheres estavam excluídas da vida acadêmica, com raríssimas exceções, a exemplo da Universidade italiana de Bolonha, que permitiu às mulheres que assistissem palestras desde seu início, em 1088. As Universidades italianas eram as mais acessíveis às mulheres. A médica Trotula di Ruggiero (1050-1097), pioneira da ginecologia e obstetrícia, estudou na Universidade de Salerno, a primeira universidade de medicina da Europa Medieval, onde estudaram muitas mulheres da nobreza italiana, as “senhoras de Salerno”.
Mas essas exceções pontuais não apagaram as dificuldades e o preconceito cultural contra a educação e a participação das mulheres na ciência durante a Idade Média, tendo escrito São Tomás de Aquino, sobre a mulher: “Ela é mentalmente incapaz de desenvolver uma posição de autoridade”.
A resistência de grandes nomes da intelectualidade feminina medieval e o crescente número e poder das freiras – como Hildegard de Bingen (1098 – 1179), que antecipou ideias gravitacionais séculos antes de Newton,  e Hroswitha de Gandershein (935 – 1000), que encorajava as mulheres a serem intelectuais – provocaram a reação do alto clero patriarcal, e ainda no século XI, enquanto universidades eram abertas só para homens, muitas ordens religiosas fecharam as portas para as mulheres, excluindo-as da oportunidade de aprender a ler e escrever.
A Revolução Científica (séc. XVI e XVII) pouco fez para mudar a ideia vigente de que mulheres e homens não tinham igual capacidade para contribuir com a ciência. Segundo Jackson Spielvogel, no capítulo 16 de sua renomada obra Uma Breve História da Civilização Ocidental: “os cientistas do sexo masculino usaram a nova ciência para propagar a visão de que as mulheres eram por natureza inferiores e subordinadas aos homens e adequadas a desempenhar um papel doméstico como mães.
Ainda na Alemanha do entresséculos XVII-XVIII, pequeno percentual dos astrônomos eram mulheres, uma das quais Maria Winkelmann, que a despeito de ter recebido ensinamentos do pai, tio, parentes e do marido, de quem foi assistente do Observatório Astronômico de Berlim – e, onde, inclusive, descobriu um cometa -, não foi admitida, após a morte do marido, à vaga de assistente da academia de Berlim, para a qual tinha ampla experiência, pois, segundo os membros da academia, a contratação de uma mulher daria “um mau exemplo” e pessoas ficariam boquiabertas.
No século XVIII, apesar da resistência de intelectuais centrais da época, como Jean-Jacques Rousseau – para quem o papel das mulheres se restringia à maternidade e a servir seus parceiros – o Iluminismo abriu espaço para as mulheres nas ciências pela ascensão da cultura de salões da Europa, espaços que reuniam homens e mulheres em ambientes aconchegantes para discussões filosóficas sobre política, sociedade e ciência. Já que às mulheres era reservado o espaço privado, doméstico, foi a partir da cultura de salões que as mulheres puderam participar mais ativamente da produção intelectual e científica e que trabalhos de mulheres em matemática, física, botânica e filosofia começaram a ter influência e reconhecimento oficial no mundo científico.
Foi no século XVIII, assim, que a primeira mulher ganhou uma cadeira acadêmica científica para lecionar em uma universidade: a física italiana Laura Bassi (1711-1778) foi admitida na Academia de Ciências da Bolonha em 1732. Dorothea Erxleben (1715-1762) foi autorizada pelo rei da Prússia – Frederico,  o Grande – a estudar medicina na universidade de Halle, sendo a primeira médica mulher reconhecida oficialmente, na Alemanha e no mundo. Erxleben, em que pese seu diploma, sofreu muito preconceito e escreveu um tratado sobre a educação das mulheres e os obstáculos que as impediam de estudar. Entre os séculos XVII e XIX, eram também muito comuns as figuras das “esposas científicas”, mulheres que faziam ciência à sombra de seus maridos cientistas, como foi o caso de “Madame Lavoisier”.
E, embora a botânica tenha tido entre uma de suas fundadoras Maria Sybilla Merian (1647-1717), o sistema de classificação de plantas por suas características sexuais, por Carlos Lineus – o pai da taxonomia moderna – foi uma barreira ao aprendizado das mulheres nessa área, porque se temia que mulheres aprendessem lições imorais a partir do exemplo da natureza. As mulheres ainda eram retratadas como inatamente emocionais e incapazes de raciocínio objetivo, ou como mães naturais reproduzindo uma sociedade moral e natural. Anota-se que, a despeito dos papeis de gênero terem permanecido praticamente inalterados, no século XVIII muitas mulheres protagonizaram grandes avanços na ciência e em direção à igualdade de gênero nas ciências.
Já no início do século XIX, Caroline Hershell (que, ainda no século XVIII havia descoberto oito cometas e foi a primeira mulher a submeter um índice à Royal Society de Londres) e Mary Fairfax Somerville foram as duas primeiras mulheres a serem admitidas em 1835 como membras honorárias da Royal Astronomic Society. A matemática inglesa  Ada Lovelace (1815-1852), filha do poeta Lord Byron, escreveu o primeiro algoritmo do mundo e é considerada a primeira programadora de computadores da história. É tão importante para a ciência, que tem um dia dela no calendário: toda segunda terça-feira de outubro é o Lovelace Day.
Ainda no início do século XIX foram fundados institutos para a educação superior de mulheres na Europa, como o criado por Florence Nightngale (“A dama da lâmpada”), famosa enfermeira britânica pioneira no tratamento a feridos de guerra, durante a Guerra da Crimeia (1853-1856). Nightngale também contribuiu no campo da estatística, sendo pioneira na utilização de métodos de representação visual de informações (gráficos setoriais ou gráficos pizzas). A matemática autodidata francesa Marie Sophie Germain (1776-1831), estudou na Escola Politécnica fazendo-se passar por um aluno do sexo masculino, e utilizava o pseudônimo de Le Blanc.  Marie Sophie Germain teve fundamentais contribuições à teoria dos números e à teoria da elasticidade, e atualmente dá nome a um prêmio anual de matemática da Academia de Ciências de Paris.
James Barry, nascido Margaret Ann Bulkley foi a primeira britânica a obter qualificação de médica “fazendo-se passar por homem” em 1812; apenas em 1865 Elizabeth Garrett Anderson (1836-1917) foi a primeira mulher britânica a se qualificar médica sem precisar se passar por homem e fundou em 1874 a primeira universidade de medicina para mulheres.
MARGARET ANN BULKLEY
A segunda metade do século XIX aumentou substancialmente o número de oportunidades de educação formal para mulheres, sendo fundadas escolas para mulheres com conteúdo semelhante às dos meninos e homens. Na Prússia, as mulheres puderam frequentar universidades a partir de 1894 e em 1908 foram eliminadas todas as restrições que eram impostas às mulheres na academia. A ascensão dessas ‘”faculdades das mulheres”, do final do século XIX, proporcionou empregos às mulheres cientistas e oportunidades de educação e crescimento exponencial de doutoramento de mulheres em diversas áreas da ciência. Também cresceu o número de escolas mistas ou de “coeducação”, sendo que em 1875 havia 3000 mulheres nesse sistema e em 1900 já eram 20.000.
Já no século XX, o grande divisor de águas de oportunidades acadêmicas e científicas para as mulheres foi a Segunda Guerra Mundial.
Antes mesmo da II Grande Guerra, muitas mulheres cunharam seus nomes por grandes feitos na ciência, como a física Marie-Curie (1867-1934) que fez importantes descobertas na área de radiotividade, tendo isolado os elementos radio e polônio. Foi a primeira mulher a receber o prêmio Nobel (em física, 1903) e a primeira pessoa a receber duas vezes o Nobel (em química, em 1911), feito até hoje só conseguido por quatro pessoas. É considerada a grande dama da ciência, e sua vida é contada em dois filmes, um de 1943 e outro de 2014.
Vale referir ainda a física austríaca Lise Meitner (1878-1968) que com suas descobertas sobre fissão nuclear é considerada a mãe da era atômica. E, a geodesista e sismologista dinamarquesa Inge Lehmann (1888-1993) que descobriu o núcleo duro do planeta Terra.  Dentre tantas outras.
A trajetórias das mulheres cientistas na primeira metade do século XX, notadamente nos EUA, está contada nas obras de Margaret Rossiter. Destacam-se, entre as cientistas do período, a astrônoma estadunidense Annie Jump Cannon (1863-1941), cujo trabalho foi fundamental na classificação das estrelas, pela temperatura. Era uma das “mulheres de Pickering” (diretor do observatório astronômico) e seu trabalho colaborou para que mulheres ganhassem respeito e aceitação na comunidade científica dos EUA.
Ainda, em 1925, a astrofísica britânica-americana Cecilia Payne-Gaposchkin (1900-1979) demonstrou, pela primeira vez, que as estrelas eram constituídas exclusivamente de hidrogênio e helio. E a médica canadense Maud Leonora Menten (1879-1960) fez importantes contribuições na cinética enzimática e na imuno histoquímica, sendo uma das primeiras mulheres a receber o título de doutora, no Canadá – e realizou pesquisas nos EUA e Alemanha, porque na época o Canadá ainda não autorizava investigações científicas por mulheres. Em 1935, Irene Joliot-Curie (1897-1956) – filha de Marie-Curie – ganhou Nobel de química pela descoberta da radioatividade artificial.
A Segunda Grande Guerra trouxe novas oportunidades às mulheres, notadamente nos EUA, em razão da escassez de trabalhadores, muitas mulheres conseguiram empregos antes inacessíveis.
A partir de 1941, o “Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento Científico” dos EUA passou a registrar cientistas mulheres, muitas das quais participaram do “Projeto Manhattan”, pesquisa que desenvolveu a primeira bomba atômica durante a segunda Guerra, como Leona Woods Marshall (1919-1986), Katherine Way (1902-1995) e Chien Shiung Wu (1912-1997)esta última considerada a Marie-Curie do século XX e da China, a “rainha da pesquisa nuclear”.
Outras mulheres também contribuíram para o esforço de guerra, como Lydia Roberts (1879-1965), Hazel Stiebeling (1896-1989) e Helen S. Mitchelli (1895-1984)que em 1941 desenvolveram o IDR-Índice de Ingestão Diária Recomendada, em razão do racionamento alimentar a grupos de Guerra.
Rachel Carson (1907-1964)bióloga marinha que trabalhou no Serviço Americano de pesca e vida selvagem,  autora da grande obra de literatura documental científica “Primavera Silenciosa”, de 1962 (obra que denunciou os malefícios dos pesticidas e inaugurou o movimento ambientalista global), também editou brochuras sobre a importância da ingestão de peixes e frutos do mar e contribuiu para o desenvolvimento de técnicas de detecção e submarinos, durante a segunda Guerra.
RACHEL CARSON
Também a formação do Conselho Nacional de Mulheres Psicólogas está relacionada ao esforço de Guerra nos EUA, bem como a oceanógrafa Mary Sears (1905-1997) desenvolveu técnicas oceanógrafas militares. Florence Van Straten (1913-1992) estudou os efeitos do clima nos combates militares. A matemática Mina Spiegel Rees (1902-1997) foi assessora técnica principal do Painel de Matemática Aplicada do Comitê de Pesquisa da Defesa Nacional dos EUA. A matemática Grace Hopper (1906-1992) foi analista de sistemas da marinha estadunidense e uma das primeiras programadoras do Harvard Mark I, primeira e maior calculadora digital automática do mundo, desenvolvida em 1944 por Harvard em parceria com a IBM.
A matemática da NASA Katherine Johnson (1918-*) foi a responsável por certificar que os cálculos da primeira missão estadunidense ao espaço estivessem corretos. Ela era uma verdadeira calculadora humana! Além de mulher, era negra e sua história foi contada no filme “Estrelas além do tempo”.
Os períodos pré e pós Segunda Guerra Mundial parecem, mesmo, ter delimitado uma fase de transição à almejada equidade de gênero nas oportunidades de produção científica e do reconhecimento pela ciência produzida por mulheres. Por exemplo, a bioquímica tcheca, radicada nos EUA, Gerty Cori (1896-1957) – que ganhou o prêmio Nobel de 1947 por descobrir o mecanismo pelo qual os músculos transformavam glicogênio em ácido lático e posteriormente a energia era armazenada – sofreu muito preconceito por ser mulher ao chegar nos EUA em 1922, passando por sérias dificuldades em conseguir postos de trabalho. Em 1931 a Universidade de Washington ofereceu cargos a ela e a seu marido, mas seu salário era muito menor que o do marido.
Na era pós-guerra, tanto nos EUA como na Europa, cresceu muito o número de mulheres cientistas de renome e grandes descobertas e feitos científicos foram encabeçadas por mulheres. Françoise Barré-Sinoussi (1947-*) teve trabalho fundamental na identificação do HIV como agente causador da Aids. A astrofísica inglesa Margaret Burbidge (1919-*)fez contribuições notáveis ​​para a teoria de quasares, para medições da rotação e massas de galáxias, e para a compreensão de como elementos químicos são formados nas profundezas das estrelas através da fusão nuclear.
Rosalind Franklin (1920-1958), química e cristalógrafa, ajudou a elucidar as estruturas delicadas do carvão, do grafite, dos virus e do DNA. Em 1953 fotografou o DNA e seu trabalho foi a base fundamental para que Watson e Crick formulassem o modelo espiral da estrutura do DNA. Rosalind Franklin dá seu nome à sonda que explorará marte em 2021.
Jane Goodall (1934-*), maior especialista em chimpanzées do mundo. Rita Levi Montalcini (1909-2012), médica fisiologista, descobriu o fator de crescimento nervoso, o que lhe rendeu o Nobel em 1986. Foi a primeira laureada com o Nobel a chegar a 100 anos de idade. Em 2001 foi nomeada senadora vitalícia do Senado Italiano. Anne MacLaren (1927-2007), pioneira nos estudos genéticos que levaram à fertilização in vitro e foi a primeira mulher, em 331 anos, a exercer o cargo de Chefe da Royal Society. Bertha Swirles (1903-1999)física inglesa que pesquisou a física quântica em seus primórdios. A russa Valentina Tereshkova (1937-*) foi a primeira mulher a ir ao espaço em 1963. Linda Buck (1947-*) neurobióloga que ganhou o Nobel em 2004 por seu trabalho com receptores olfativos. Eugenie Clark (The Shark lady) (1922-2015), grande estudiosa do comportamento dos tubarões. Gertrudes B. Elion (1918-1999), química que descobriu a diferença entre células humanas normais e patógenos, prêmio Nobel de 1988. Sandra Faber (1944 -*),astrofísica estadunidense que liderou a equipe dos “Sete Samurais” que descobriram o “Grande Atrator”. Dian Fossey (1932-1985), zoológa que trabalhou na África com gorilas desde 1967 até ser assassinada em 1985. Andrea Ghez (1965-*), recebeu o prêmio McArthur “para gênios” em 2008 por seu trabalho em superar as limitações dos telescópios terrestres.
Barbara McClintock (1902-1992)citogenetiscista considerada uma das três figuras mais importantes da genética mundial, descobriu os elementos genéticos móveis que causam o fenômeno da transposição genética, o que lhe rendeu o Nobel em 1983. Lisa Randall (1962 – *), física teórica e cosmologista, sua missão é explicar o tecido do Universo. Foi a primeira mulher a receber “tenure” (proteção contra demissão sumária) do departamento de física da Universidade de Princeton, no MIT e em Harvard. Uma das cientistas mais citadas em física de partículas, foi eleita em 2007 como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela Revista Time. Vera Rubin (1928-2016)astrônoma pioneria no estudo das curvas de rotação das galaxias espirais, uma das principais evidências da matéria escura.

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