O amor tem preço?
André Fernandes
Toda relação de parentesco tem uma série de elementos concretos e outros intangíveis. Normalmente, o Direito cria uma série de deveres legais justamente para que tais relações possam, no âmbito da comunidade, transcorrer segundo um padrão ético adotado pelo legislador: por exemplo, os deveres paternos de criação e de educação dos filhos até o advento da maioridade civil.
Quando esse padrão ético fala em “dever de criação e de educação” da prole, evidentemente que a mesma comunidade preza por determinado perfil virtuoso de paternidade. Do contrário, bastaria a lei dizer que aos pais compete “agir paternalmente, de maneira que sua conduta possa ser reputada como uma máxima universal de comportamento paterno”.
Ainda que isso fosse apreciável, essa fórmula poderia esbarrar numa ética estritamente formal, para a qual o importante é escolher em consciência, independentemente do conteúdo escolhido, cujo efeito é o de relativizar a moral a ponto de fundamentá-la numa liberdade de indiferença. Um exemplo: posso inculcar certos valores na educação de meu filho desde cedo ou deixar que ele decida por si só quando for maior.
Em ambos os casos, o imperativo ético daquela fórmula teria sido atendido, mas, na prática, os efeitos da educação, provavelmente, seriam bem diferentes em cada caso: no primeiro, houve uma preocupação com o desenvolvimento do caráter do filho; no segundo, o filho cresceu sem caráter...
Por isso, em termos éticos, não basta uma boa vontade para acertar. É preciso olhar para a realidade e saber que o assento dos valores de um filho nunca está vacante e, quando chegar a maturidade, há o risco dele não estar sendo ocupado pelos mais razoáveis.
Mas é possível prevalecer um padrão ético virtuoso quando, por exemplo, o pai recusa-se a cumprir o regime de visita do filho? Recentemente, uma corte brasileira debruçou-se sobre a questão e decidiu que um pai não pode ser obrigado a manter contato com o filho sob a ameaça de multa, porque o amor não se compra e nem se impõe.
Na mesma decisão, afirmou-se que o relacionamento entre pai e filho deve ser desenvolvido de forma livre e espontânea e que o meio mais adequado para resolver relações de afetividade não é o direito obrigacional, mas o tratamento multidisciplinar.
De fato, o amor é um daqueles elementos intangíveis nesse tipo de relação e demanda o componente prévio da liberdade de entrega do pai. Contudo, a partir do momento em que alguém resolve ser pai, emerge desse fato uma responsabilidade inerente à natureza dessa relação e que traz consigo um compromisso ético de conteúdo virtuoso: o dever natural de educação e criação, salvo em hipóteses extraordinárias, como uma doença grave.
Educar e criar um filho importa em exigir do pai, mesmo nas circunstâncias de uma separação, uma certa excelência: a excelência do “pai presente”, um pai que zela cuidadosamente pelas situações de dependência e de carência. Tais situações, se mal conduzidas, provocam uma série de sentimentos negativos, como a impotência, o abandono, a alienação e a perda de identidade. Essa experiência amarga torna-se uma cicatriz que, muitas vezes, permanece latente na memória do filho.
Amor não se compra, nem se impõe e, no âmbito do vínculo paterno, sua carência pode ser superada pelo tratamento multidisciplinar. Sem dúvida. Entretanto, a partir do momento em que essa relação é pautada por uma ética virtuosa, se a lei não pode obrigar um pai a amar um filho, impõe-se, por outro lado, evitar que a lei chancele a postura ética libertária da omissão paterna, criando mecanismos de sanção, como a perda do poder familiar.
Se a multa é ineficaz, pois demonstra que nossa sociedade incorporou perigosamente os valores de uma economia de mercado para situações que não guardam qualquer relação monetária, devemos pensar numa outra sanção que fomente uma atuação paterna em consonância com os ditames éticos adotados pela lei civil.
Porque o amor (e não a afetividade), nessa relação ética, não é uma faculdade. É um dever que decorre da natureza desse vínculo e que se mensura objetivamente, no caso concreto, pelo cuidado que se tem com o filho. Afinal, como prega o adágio popular, com uma profundidade ontológica e axiológica, quem ama, cuida. Com respeito à divergência, é o que penso.
Quando esse padrão ético fala em “dever de criação e de educação” da prole, evidentemente que a mesma comunidade preza por determinado perfil virtuoso de paternidade. Do contrário, bastaria a lei dizer que aos pais compete “agir paternalmente, de maneira que sua conduta possa ser reputada como uma máxima universal de comportamento paterno”.
Ainda que isso fosse apreciável, essa fórmula poderia esbarrar numa ética estritamente formal, para a qual o importante é escolher em consciência, independentemente do conteúdo escolhido, cujo efeito é o de relativizar a moral a ponto de fundamentá-la numa liberdade de indiferença. Um exemplo: posso inculcar certos valores na educação de meu filho desde cedo ou deixar que ele decida por si só quando for maior.
Em ambos os casos, o imperativo ético daquela fórmula teria sido atendido, mas, na prática, os efeitos da educação, provavelmente, seriam bem diferentes em cada caso: no primeiro, houve uma preocupação com o desenvolvimento do caráter do filho; no segundo, o filho cresceu sem caráter...
Por isso, em termos éticos, não basta uma boa vontade para acertar. É preciso olhar para a realidade e saber que o assento dos valores de um filho nunca está vacante e, quando chegar a maturidade, há o risco dele não estar sendo ocupado pelos mais razoáveis.
Mas é possível prevalecer um padrão ético virtuoso quando, por exemplo, o pai recusa-se a cumprir o regime de visita do filho? Recentemente, uma corte brasileira debruçou-se sobre a questão e decidiu que um pai não pode ser obrigado a manter contato com o filho sob a ameaça de multa, porque o amor não se compra e nem se impõe.
Na mesma decisão, afirmou-se que o relacionamento entre pai e filho deve ser desenvolvido de forma livre e espontânea e que o meio mais adequado para resolver relações de afetividade não é o direito obrigacional, mas o tratamento multidisciplinar.
De fato, o amor é um daqueles elementos intangíveis nesse tipo de relação e demanda o componente prévio da liberdade de entrega do pai. Contudo, a partir do momento em que alguém resolve ser pai, emerge desse fato uma responsabilidade inerente à natureza dessa relação e que traz consigo um compromisso ético de conteúdo virtuoso: o dever natural de educação e criação, salvo em hipóteses extraordinárias, como uma doença grave.
Educar e criar um filho importa em exigir do pai, mesmo nas circunstâncias de uma separação, uma certa excelência: a excelência do “pai presente”, um pai que zela cuidadosamente pelas situações de dependência e de carência. Tais situações, se mal conduzidas, provocam uma série de sentimentos negativos, como a impotência, o abandono, a alienação e a perda de identidade. Essa experiência amarga torna-se uma cicatriz que, muitas vezes, permanece latente na memória do filho.
Amor não se compra, nem se impõe e, no âmbito do vínculo paterno, sua carência pode ser superada pelo tratamento multidisciplinar. Sem dúvida. Entretanto, a partir do momento em que essa relação é pautada por uma ética virtuosa, se a lei não pode obrigar um pai a amar um filho, impõe-se, por outro lado, evitar que a lei chancele a postura ética libertária da omissão paterna, criando mecanismos de sanção, como a perda do poder familiar.
Se a multa é ineficaz, pois demonstra que nossa sociedade incorporou perigosamente os valores de uma economia de mercado para situações que não guardam qualquer relação monetária, devemos pensar numa outra sanção que fomente uma atuação paterna em consonância com os ditames éticos adotados pela lei civil.
Porque o amor (e não a afetividade), nessa relação ética, não é uma faculdade. É um dever que decorre da natureza desse vínculo e que se mensura objetivamente, no caso concreto, pelo cuidado que se tem com o filho. Afinal, como prega o adágio popular, com uma profundidade ontológica e axiológica, quem ama, cuida. Com respeito à divergência, é o que penso.
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