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sábado, 23 de fevereiro de 2013


LIBERDADE DE TRABALHO

Advogados se voltam contra Resolução Pro Bono da OAB-SP

Por Pedro Canário

"A norma da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil que regulamenta a advocacia pro bono impede o livre exercício da profissão", afirmam grandes nomes da advocacia que estiverem em audiência pública organizada pelo Ministério Público Federal para discutir o tema na sexta-feira (22/2), em São Paulo.

São Paulo e Alagoas são os únicos estados que regulamentam a prática da advocacia voluntária no país. São Paulo foi o primeiro, com a Resolução Pro Bono, de 2002. O texto permite que os advogados atuem de graça apenas para pessoas jurídicas sem fins lucrativos, integrantes do terceiro setor e que sejam “comprovadamente desprovidas de recursos financeiros”. Em outras palavras, ONGs. O mesmo acontece em Alagoas, mas o evento organizado pela Procuradoria Regional da República da 3ª Região discutiu a situação paulista, já que é o estado com o maior número de advogados do país.

Na opinião dos presentes ao evento, em sua maioria advogados de renome e estudantes de Direito, a Resolução Pro Bono da OAB-SP não faz sentido e fere a liberdade de trabalho prevista na Constituição. Para a advogada Flávia Piovesan, professora de Direitos Humanos e Direito Constitucional da PUC de São Paulo, a regra fere o direito à igualdade social, já que impede o acesso à Justiça, que ela diz ser a principal ferramenta para se valer os direitos dos cidadãos.

Ela afirma que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, dá a todos o direito ao livre exercício profissional, e o trabalho voluntário é um desses exercícios. “Não existe lei que vede, e, se existisse, o faria de maneira inconstitucional”, afirma a professora. Para Flávia, a advocacia pro bono é “um dever ético” dos advogados, principalmente em sociedades excludentes. “O acesso à Justiça é um direito humano em si mesmo, porque a partir dele é possível concretizar os outros.”

O professor Miguel Reale Junior, ex-ministro da Justiça, concorda com Flávia e vai além. Para ele, o advogado deve “exercer o desprendimento”, pois nunca se pode colocar o ganho financeiro à frente da prestação de auxílio judicial. Sendo assim, argumentou, é preciso que se acabe logo com a resolução da OAB paulista e que a advocacia pro bono seja liberada no Brasil de uma vez por todas. “Devemos trabalhar para garantir o acesso de todos à Justiça. Devemos trabalhar para reduzir a participação do Estado como litigante e aumentar a participação dos cidadãos em busca de seus direitos.”

Reale referiu-se a dados levados à audiência por Flavio Crocce Caetano, secretário da Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça. Ele afirmou que o país hoje tem 90 milhões de processos em trâmite, "uma ação para cada dois brasileiros". Mas, na prática, a realidade é diferente: 50% desses processos são de iniciativa de governos federal, estaduais e municipais, diz. Outros 38%, de bancos. Cabe ao resto da sociedade a responsabilidade dos demais 12%.

Vergonhas e confissões
Também ex-ministro da Justiça, o advogado José Carlos Dias pediu a palavra para uma fala humilde. “Venho pedir a bênção ao Ministério Público pela vergonha que passo como advogado. Não posso crer que se negue ao advogado o exercício da liberdade de atender quem quer que seja, quem bate à minha porta ou quem precisa”, disse ele, arrancando aplausos dos presentes.

O criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira falou logo depois e disse partilhar da mesma vergonha do ex-ministro. Lamentou o fato, por exemplo, de não poder atender à súplica do porteiro de seu prédio, que teve o filho preso, porque está obrigado a cobrar pelo serviço. “É a construção de um país egoísta”, lamentou.

Colega de Mariz, Alberto Zacharias Toron também se disse envergonhado, mas “confessou” praticar a advocacia pro bono, desde os tempos de faculdade. Disse que atendeu, sim, o porteiro de seu prédio que teve o filho preso sob a acusação de roubo. De graça. E lembrou de seus tempos de conselheiro federal da OAB por São Paulo, quando ouvia que a pro bono é proibido porque os advogados a usariam para captar clientes. “Meu Deus, em que mundo nós estamos?”

Toron ainda contou que sempre ouviu de muitos colegas que a defesa dos que não têm como pagar deve ser deixada para a Defensoria Pública, e que os advogados e a OAB não deveriam entrar na discussão. “Quando a OAB bota essa camisa de força nos advogados, se desligitima não só perante a sociedade, mas perante toda a advocacia.”

Carlos Miguel Aidar, ex-presidente da OAB-SP em cuja administação foi aprovada a Resolução Pro Bono, também pediu a palavra para criticar a regra. Disse que ela parte da premissa equivocada de que, ao defender uma ONG, o advogado estaria indiretamente se colocando à disposição da população carente. “Mais inaceitável ainda é ouvir que a advocacia pro bono é concorrência desleal.”

Falta sentida
Marcos da Costa, que preside a seccional desde janeiro, depois de ganhar a eleição na qual, inclusive, Toron foi candidato, não compareceu ao evento. Nem qualquer outro representante da OAB-SP foi ao evento, que discutia uma resolução da própria entidade.

Em ofício enviado à organização, disse que o assunto está sendo tratado pelo Conselho Federal da OAB, e por isso não poderia dar suas opiniões na audiência pública. Em mensagem enviada à ConJur, Costa disse que a regra trata de “tema afeto à regulamentação profissional” e por isso é da competência do Conselho Federal.Ele disse também que está “disposto a dialogar com todos os atores, de forma transparente e democrática, até para extrair uma posição a ser encaminhada ao Conselho Federal da OAB”.

Sua falta não passou despercebida. José Carlos Dias, durante sua fala, ressaltou que é a primeira vez em sua carreira de advogado que anda no mesmo caminho que o Ministério Público, “já que a OAB decidiu não aparecer”.

O professor Oscar Vilhena Vieira, da Fundação Getulio Vargas, teve das falas mais aclamadas. Chamou atenção para o “clima de desobediência civil” da discussão, já que todos estavam confessando não se importar muito com as restrições da OAB à advocacia voluntária. “Ninguém tem o monopólio da miséria. Infelizmente a miséria existe, e nós temos a obrigação moral de, como advogados, fazer alguma coisa. Não devemos esperar a OAB tomar a iniciativa.”

A OAB não foi, mas a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), sim. Seu vice-presidente, Leonardo Sica, brincou que faz advocacia pro bono e a divulga em seu site. “Mas não vou divulgar o endereço para não ser processado noTribunal de Ética da OAB.” Ele contou que a Aasp não tem ainda posição oficial sobre a advocacia voluntária, mas saiu de lá militante da causa, com o compromisso de sugerir a agenda na entidade.

A advogada Marina Dias, representante do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, outra entidade que milita pela advocacia pro bono, aproveitou o gancho da fala de Oscar Vilhena: “Desafio todos os que estão aqui a descumprir a resolução OAB”.

Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2013-fev-23/grandes-nomes-advocacia-voltam-resolucao-pro-bono-oab-sp

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