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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013


Livro "Encantações" lembra escritoras pioneiras do país

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Elas romperam padrões. Foram escritoras e jornalistas em plena sociedade patriarcal e escravocrata. Lutaram pela abolição e pelo voto feminino. Enfrentaram críticas e preconceitos. Remoeram culpas e ansiedades. Expuseram dores e impasses.

Para dissecar esse universo, a historiadora e antropóloga Norma Telles escreveu "Encantações - Escritoras e Imaginação Literária no Brasil, século 19". O livro, lançado agora, foi sua tese de doutorado na PUC-SP em 1987.

O trabalho resgata o contexto social e político das escritoras, analisa seus trabalhos e descreve suas vidas. De olho nos movimentos literários no mundo, Norma, 70, mostra a esquecida vitalidade literária feminina brasileira.

"Devido à nossa educação, estamos certos de que não existem escritoras antes de Cecília Meirelles, Clarice Lispector. Sistematicamente a história das mulheres é silenciada", diz Norma em entrevista à Folha.

Ela conta que, no século 19, "não era culturalmente bem vista uma mulher que escrevia. Elas estavam sozinhas, escreviam em casa, não tinham grupos, não participavam de boemia".

Ligadas à educação e originárias de famílias intelectualizadas, elas tinham apoio em casa para suas experiências pioneiras.

Editoria de Arte/Folhapress
A crítica oscilava. Um exemplo é o caso da poeta Narcisa Amália (1863-1924): "Os críticos adoravam quando ela escrevia poesias mimosas; e odiavam quando ela escrevia coisas políticas".

Uma das mais politizadas escritoras do período foi Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), que militou na Legião da Mulher Brasileira com Bertha Lutz, a pioneira feminista. Escreveu romances como "A Família Medeiros", com severas críticas à escravidão (leia texto nesta página).

Júlia é tida como a primeira mulher a ganhar dinheiro com o trabalho de escritora. "Foi muito prestigiada. Ela conta que levou a família para a Europa com o sucesso de um dos livros", diz Norma.

"Os laços fortes, nos romances de Júlia, são em geral entre as personagens femininas, especialmente em situação de dificuldade financeira, tendo de lutar pela sobrevivência", escreve.

Em "Encantações", a autora não se preocupa em fazer uma aprofundada crítica literária. Seu foco é outro: as conexões sociais e políticas das autoras, seus universos e suas tensões. A historiadora anota que as mulheres daquela época cresciam educadas para os homens, aprendiam a ser "hipócritas e dissimuladas" e a desempenhar um rígido papel na sociedade.

"Foram treinadas para se reprimirem, para se sacrificarem e serem laboriosas, para viverem para os outros, não para si mesmas, foram ensinadas a não demonstrarem seus sentimentos", diz.

ANGÚSTIA DA INFLUÊNCIA
Ao se desvencilhar desses padrões e conquistar espaço na sociedade, as escritoras experimentaram culpa e ansiedade. "É uma luta contra elas mesmas", diz Norma.

Para ela, não há a "angústia da influência" apontada pelo crítico Harold Bloom, mas uma "ansiedade de autoria". "Elas procuravam muito por predecessoras, para ter companhia, porque estavam sozinhas. Não queriam matar a mãe --para seguir o raciocínio de Bloom", diz.

Essa ansiedade é um temor radical de não poder criar, de nunca se tornar um precursor. Assim, o ato de escrever gera isolamento e destruição, explica a antropóloga no livro. Ela observa que "o índice de suicídio entre escritoras, de todas as línguas e de todas as nacionalidades, é muito alto". Basta lembrar os casos de Virginia Woolf, Ana Cristina Cesar e Sylvia Plath.

Para Norma, a tensão das escritoras naquela época ajuda a entender como, em muitas histórias, as mulheres enlouquecem, morrem, ficam sem opção: "Há exageros românticos, mas não há saídas, as pessoas morrem todas. Não é porque seja um dramalhão, é porque elas não conseguiam enxergar alternativas. Com o tempo, isso mudou. Ganharam prática, leram mais e tinham mais material para refletir", diz.

A antropóloga chama a atenção para o romance "Lésbia", de Maria Benedicta Camara Bormann (1853-1895), que escrevia sob o pseudônimo Délia. O livro trata da vida de uma autora que só consegue escrever depois de se separar e de conquistar uma vida independente.

"Ela demorou quase dez anos para conseguir perceber uma alternativa. Lésbia é uma escritora heroína. O texto fala da necessidade de a mulher ter casa própria, ter seu próprio dinheiro", diz Norma.

E qual o legado dessas escritoras? Norma responde: "Perseverança, uma ambição. Isso era proibidíssimo para mulheres. Mas elas decidiram fazer e deixar uma marca que talvez faça diferença".

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