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terça-feira, 9 de julho de 2013

As urgências inadiáveis dos filhos

Tentamos condicionar as crianças mas elas sempre aparecem com reações criativas a certos comandos

ISABEL CLEMENTE
  
Lá se vão 110 anos desde que a humanidade foi apresentada a um conceito-chave do comportamento humano: o reflexo condicionado. Ao estudar o processo de salivação dos cachorros diante da comida e do sino associado às refeições, o psicólogo russo Ivan Pavlov deixou uma grande contribuição para a psicologia moderna. Polêmicas científicas à parte, ele ajudou a desvendar a influência dos estímulos externos no processo de aprendizado.
Como pais, somos um estímulo externo permanente e insistente na vida dos filhos. Para o bem e para o mal. Começamos com o treinamento básico. Repete: ma-ma-i. Dá um passinho, dá! Agradece, filho. Joga beijinho? Na-na-ni-na-não. E avançamos na tentativa de criar reflexos condicionados repetindo todo santo dia a mesma ladainha: lava a mão depois do xixi; não fale de boca cheia; guarde os brinquedos; agradece; você já fez o dever?
Pouco científicos, não isolamos todos os fatores dessa experiência educacional e os resultados conquistados são muito díspares. Tem pai que faz o moleque se ajeitar na cadeira com um olhar. Pavlov total. Tem gente tentando até hoje convencer o filho de 30 a dar um jeito na vida. Pois é. 
Vou me restringir à nossa tentativa de condicionar as crianças pequenas a coisas simples. Por exemplo? Falar baixo. Seria genial se a gente levantasse o indicador aos lábios e, sem interromper a conversa, conseguisse que elas baixassem o tom da voz. Imediatamente. Outro exemplo: você está com muita pressa mas tem uma menina descabelada e de cabelo comprido fugindo de você pela casa. É preciso penteá-la. Você pediria “fica quietinha, filha“, e filha permaneceria imóvel, sem se jogar no chão ou virar pra te olhar de frente enquanto você tenta fazer um rabo-de-cavalo. Mais uma situação corriqueira: a criança grita “acabei“ mas, enquanto você tenta limpá-la e pede para ela parar por favor, ela tenta beijar o seu pé, ameaçando bater com a cabeça no chão.  
Minha experiência doméstica me diz que o dia da obediência condicionada vai chegar. O prazo vai depender de três fatores: insistência do educador, complexidade da atividade e idade do filho. É quase perda de tempo falar para a menina de 3 anos não derrubar o leite na mesa porque o leite fatalmente pingará do copo na mesa e sujará também o pijama. Ao falar enquanto come - coisa que faz o tempo todo -, a criança vai inclinar um pouco o copo, o canudo fugirá da boca e, enquanto gotas escorrem pelo queixo para o peito, outras cairão na mesa. Mas eu já posso ficar satisfeita de manhã quando encontro a mais velha, de 7 anos, prontinha pra tomar o café com a gente: rosto lavado, pés calçados. Que beleza. Um dia também fechará a pasta de dente.
Nosso dia-a-dia está repleto de provas sobre como vamos adotando certos comportamentos ao longo da vida. É muito gratificante perceber que, ao som de um único comando meu, elas reagem comos os cães salivadores de Pavlov diante do sino. Eu digo “muito bem, meninas, chega, agora é hora de ficarmos quietinhas esperando o sono chegar. Boa noite“. Ato-contínuo, aparece uma formidável sequência de urgências inadiáveis. Segue um breve resumo:

Estou com sede. Traz água?
Conta outra história?
Faz massagem? Não consigo relaxar.
Minha barriga tá doendo.
Posso te contar só mais uma coisa?
Preciso tirar uma meleca.
Esqueci de botar minha boneca pra dormir.
Posso buscar o sapinho?
Cadê meu ursinho amarelo?
Me empresta o seu travesseiro molinho hoje, mamãe?
Eu também quero um travesseiro seu.
Posso começar a dormir na sua cama?
Tô com vontade de fazer xixi.
Papaiê, ela não me deixa dormir.
Eu vim te dar um beijo.
Quero fazer cocô.
Mamãe, não consigo dormir.

Nem eu. Nem eu.  

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