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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

“Machismo estrutural”, oculto e terrível

Frida Kahlo, auto-retrato com o cabelo curto, 1940.
Frida Kahlo, Auto-retrato com o cabelo curto, 1940.
Opressão caricatural reduziu-se. Mas mulheres seguem discriminadas em posições de liderança ou forçadas a “ser como eles”. Por que?
Por Marília Moschkovich, na coluna Mulher Alternativa
No domingo passado, cerca de 7 milhões de pessoas, em sua maioria estudantes do ensino médio, realizaram as provas do Exame Nacional do Ensino Médio. Cerca de58% delas eram mulheres. Em 2012, a proporção de mulheres entre os participantes foi quase um ponto percentual maior (cerca de 59%). Esses dados não surpreendem, quando consideramos a proporção de mulheres entre os estudantes de ensino médio no Brasil: segundo o INEP elas representam 54%. Já no ensino superior, são cerca de55% do corpo estudantil. Será que estaríamos diante de uma situação em que a igualdade de gênero foi atingida (ou a desigualdade invertida)?
Parece que não.
Diversos estudos apontam que esse fenômeno é bastante comum em um bom tanto de países. A “ultrapassagem” das mulheres em relação aos homens no sistema escolar foi bem estudada nos EUA, na Argentina, no México, na Holanda, na Austrália, na França e em outros países mais (uma visita ao Google Acadêmico rende excelentes artigos sobre o tema). O sociólogo Christian Baudelot é um dos pesquisadores que mostram: a suposta “vantagem” das mulheres em relação à obtenção de diplomas não se converte em vantagens sociais como melhores salários ou acesso a posições de maior poder no mercado de trabalho.
No Brasil, diversos dados evidenciam que a situação também é essa: nós, mulheres, ganhamos cerca de 30% menos que os homens, para exercermos as mesmas funções, com as mesmas qualificações (às vezes até com qualificação superior)… Ocupamos menos de 1/4 das posições de liderança em empresas. Entre as 250 maiores empresas brasileiras, apenas 4% têm mulheres no comando, e os homens têm 20 vezes mais chances de se tornarem executivos-chefes (CEOs) do que as mulheres no país.
A discrepância entre escolarização feminina e acesso das mulheres a posições de prestígio e poder no mercado de trabalho mostra que melhores diplomas não são suficientes para que sejamos consideradas “iguais” a nossos colegas de profissão homens. Segundo a francesa Marlaine Cacouault-Bitaud, o mercado de trabalho é mais rígido com as mulheres do que com os homens. Homens com diplomas menos prestigiosos conseguem alcançar postos de trabalho inatingíveis para mulheres com o mesmo atestado. Para acessar altos cargos, além de possuírem diplomas do mais alto prestígio, as mulheres, em geral, precisam passar numa espécie de provação moral muito rígida. Isso acontece de maneira praticamente insconsciente – é o que chamamos de “machismo estrutural”. Ele funciona mais ou menos da seguinte maneira:
Todas e todos somos socializados na mesma sociedade, certo? Adquirimos, por meio da cultura, uma série de informações consolidadas socialmente. Essas informações nos dizem como classificar e hierarquizar coisas, ideias, pessoas, seres vivos ou inanimados, etc. Embora haja variações nessas classificações e hierarquias dentro de uma mesma cultura, aprendemos em geral as mesmas coisas. Desde sempre, estabelecemos as definições das coisas também pela sua posição em relação às outras. Quer dizer, em grande medida “ser mulher” significa, no nosso esquema de pensamento, “não ser homem”, e vice-versa. Esse esquema de pensamento também associa “ser mulher” e “ser homem” com uma série de características comportamentais, maneiras de pensar, escolhas que se pode ou não fazer ao longo da vida (não vou nem entrar na discussão sobre o corpo e expressões do corpo; essa fica pra outra hora). Até aí tudo bem? Pois continuemos.
Quando dizemos que nossa sociedade é “machista” em geral, não estamos falando de indivíduos declaradamente machistas. Nem de atitudes isoladas de machismo explícito, ou de discriminação proposital, racionalizada, das mulheres. Estamos falando das associações que fazemos com “ser mulher” e “ser homem” e o que elas significam em nossa sociedade. Por exemplo, nós associamos “ser mulher” a uma característica de “emotividade” e ensinamos as mulheres a “serem mulheres” portanto “emotivas”, reforçando positivamente esse tipo de comportamento. Isso poderia ser apenas uma diferença de gênero – e não uma desigualdade. A suposta diferença se converte em desigualdade quando essa “emotividade” (por exemplo) que associamos ao “ser mulher” é entendida como negativa em espaços que concentram poder e prestígio em nossa sociedade (topo da carreira corporativa e política, por exemplo).
Isso é, senhoras e senhores, o machismo estrutural: nossos esquemas mentais mais elementares entendem que diversas características que associamos às mulheres sejam negativas nas posições de maior poder em nossa sociedade. Assim, discriminamos sem perceber candidatas mulheres, exigindo mais delas do que de candidatos homens, especialmente em carreiras pouco feminizadas.
A escola, por outro lado, tem um sistema que, mal ou bem, avalia prioritariamente com base no desempenho acadêmico. Embora meninas sofram cotidianamente diversos tipos de opressão no ambiente escolar (de professores/as inclusive e talvez principalmente), na hora da avaliação – que é o que dá acesso aos diplomas –, o efeito do gênero é suavizado. Já numa entrevista de emprego, pelo contrário, o efeito do gênero é em geral maximizado. Essa percepção também explicaria por que 22% das mulheres empregadas no Brasil eram funcionárias públicas em 2011, enquanto apenas 10% dos homens ocupavam o mesmo tipo de cargo.
O fato de sermos maioria entre participantes do Enem, portanto, não denota uma vantagem social ou o prelúdio do fim das desigualdades de gênero. Infelizmente, essa ascensão feminina no sistema escolar só mostra que, sem romper de fato com a mentalidade machista e as categorias mais básicas do nosso entendimento sobre homens e mulheres, patinaremos nos primeiros degraus de uma escadaria quilométrica rumo ao verdadeiro buraco – que é (bem) mais embaixo.

Onde o véu é sinal de liberdade

Na direção contrária dos países europeus, a Turquia dobra a secularização imposta e acaba com a proibição da veste em repartições públicas

por José Antonio Lima
Parlamento da Turquia
As deputadas Nurcan Dalbudak e Sevde Beyazit Kacar, ambas do AKP, foram duas das quatro integrantes do partido que usaram o véu na sessão do Parlamento turco nesta quinta-feira 31
Adem Altan / AFP
Enquanto diversos países europeus analisam e aprovam projetos de lei proibindo o uso de vestimentas muçulmanas, como a burca e o niqab, quatro deputadas turcas celebraram sua liberdade nesta quinta-feira 31 ao entrar no Parlamento vestindo hijabs, os véus que cobrem a cabeça. Foi a primeira vez que isso ocorreu na Turquia, país onde as vestes religiosas eram proibidas em instituições do Estado até o início do mês.

Se na Europa o uso das vestimentas que escondem o rosto da mulher é visto como opressor e até mesmo o hijab é motivo de desconfiança, na Turquia o véu é sinal de liberdade.

Fundador do Estado turco moderno após a 1ª Guerra Mundial, Mustafa Kemal “Ataturk” combateu o conservadorismo do país em diversas frentes, entre elas a das roupas. Durante seu governo, dedicado a secularizar e modernizar a Turquia nos moldes ocidentais, foram aprovadas no país leis que regulamentavam como os homens turcos deveriam se vestir. O fez, um chapéu cônico tradicional, foi proibido e quem o usasse poderia ser condenado a trabalhos forçados ou enforcado. Nos anos 1980, a repressão chegou às mulheres. Véus e quaisquer outras vestes religiosas foram banidos de repartições públicas, hospitais e universidades.

Aos poucos, o véu se tornou um dos símbolos da clivagem existente entre secularistas e os adeptos do islã político na sociedade turca. No fim do século XX, mesmo com o país atravessando uma onda de liberalização política (que abriu espaço para os religiosos) e econômica, as proibições se mantiveram. Em 2013, após dez anos de governo do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), o principal porta-bandeira do islã político na Turquia, o banimento foi derrubado. Agora a população pode sair às ruas para qualquer lugar como bem quiser – com ou sem burca ou niqab.

O fim da proibição é sinal de liberdade para algumas mulheres, mas não passa de uma mudança superficial para a maioria delas. No ranking de desigualdade de gênero feito pelo Fórum Econômico Mundial, a Turquia aparece em 120º lugar entre 136 países, uma situação que exige reformas profundas no Estado. O fim do banimento dos véus deve marcar, também, um novo aprofundamento no cisma secular-religioso da Turquia. A presença de mulheres com essas vestes onde antes não apareciam será entendida como uma derrota para os defensores da “resistência modernista” diante do que dizem ser um processo de “islamização” da sociedade. Com o país ainda sentindo o rescaldo da repressão contra os manifestantes anti-AKP na praça Taksim e prestes a entrar em um complexo ciclo eleitoral, o véu deve continuar a polarizar as opiniões na Turquia.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Deixa a menina dançar!

Por Luiza Tenan


“Cinco, seis, sete, oito”, quem já fez algum tipo de dança conhece bem essa contagem. As danças clássicas, como o ballet, jazz e sapateado exigem uma dedicação e disciplina que vão além da livre expressão corporal. É preciso que o bailarino ou dançarino siga regras e treine seu corpo para se adaptar àquele tipo de linguagem da dança. E cada uma tem um treino diferente, mas nem sempre a melhor opção é seguir regras, muito menos nas artes. 
  (Foto: divulgação)
(Foto: divulgação)
Quem provou isso foi uma simpática menina da cidade Bountiful, que fica em Utah, nos Estados Unidos. Era sua apresentação de sapateado e a música era “Broadway Baby from Follies”. Ela até que tentou seguir alguns poucos passos da coreografia, mas achou que a dela era mais legal, e fez! Enquanto todas as outras meninas seguiam a risca os passos ensinados, ela dançou no seu próprio ritmo e fez caras e bocas, conquistando a plateia. Ao final, ela mandou beijos para seus recém fãs que a aplaudiram de pé! 
Assista ao vídeo aqui
A professora de corpo Renata Mafra acredita que no processo de aprendizagem não se deve restringir a criatividade: “Na aprendizagem devemos sempre partir da livre expressão criativa do aluno. Deixá-lo criar livremente. Cada um de nós tem memórias, histórias, identidades registradas em nosso corpo. O trabalho de expressão corporal possibilita esse emergir do que cada um tem para oferecer e criar. Com a criança devemos trabalhar sua espontaneidade, seu movimento natural, deixar que ela construa e perceba seus movimentos e sua dança.
Conceitos e regras podem ser introduzidos a partir desse universo particular que a criança tem a oferecer, o adulto também. Não podemos sufocar o aluno com conceitos, regras e formas “corretas” de fazer tal exercício. Se formos por esse caminho estaremos formando um aluno capaz de reproduzir corretamente determinado passo ou movimento, mas incapaz de criar e construir algo singular. A arte deve focar a liberdade de criação, a autonomia, a capacidade de cada um poder descobrir, pesquisar formas de expressão que mostram a identidade e singularidade de cada um”.
Ser livre de formas pré-estabelecidas em um mundo onde as regras imperam, é uma privilégio para poucos. Dançar como se ninguém estivesse vendo, é a essência para se libertar e deixar esse energia da arte fluir pelo seu corpo. Tomara que ela nunca se esqueça disso.  

perfil Luiza Tenan - blog da Ruth (Foto: ÉPOCA)

Gente submissa

Quem apaga a própria personalidade comete alguma espécie escandalosa de suicídio

IVAN MARTINS

Falávamos, eu e o amigo, de uma mulher que ambos conhecemos. Moderna, inteligente, bonita. Disponível, além de tudo. Pergunto por que ele nunca tentou namorá-la. “Ao conviver com ela, perdi o interesse”, ele responde. “Toda vez que namora, ela vira uma sombra obediente do sujeito com quem está. Parece que não tem personalidade própria. Para mim, perdeu a graça.”

Suponho que vocês conhecem gente assim, submissa. Acontece com homens e mulheres. A pessoa passa a vida esperando por gente que mande nela. Quando um alguém aparece, (e pode ser qualquer um), ela se anula, se submete e se torna, para quem a conheceu, mais ou menos irreconhecível. Quer dizer: é a mesmíssima pessoa, mas dá impressão de ter pendurado suas opiniões e sentimentos num cabide. Apaixonada – ou apaixonado - age como bichinho obediente e temeroso. O mais importante passa a ser a aprovação do Fulano ou a Sicrana.

Homens legais não gostam desse tipo de alma apagada. Suponho que mulheres também não. Alguma deferência aos desejos e às ansiedades do parceiro está na conta (seria estranho, aliás, estar com alguém e portar-se como se os sentimentos da pessoa não importassem). Mas quem deleta a sua personalidade em nome do outro comete alguma espécie escandalosa de suicídio. No longo prazo, o resultado é broxante. Nada mais inevitável do que enjoar de gente sem luz própria, que está no mundo apenas para nos servir. Exceto, talvez, no universo peculiar do sexo.

Outro dia, li um texto feminino que descrevia, minuciosamente, os prazeres da submissão sexual. Não era sadomasoquismo. Parecia uma moça normal, contando como lhe dava prazer curvar-se aos desejos do parceiro, portar-se como gueixa, ser usada pelo seu homem. Não havia violência, apenas irrestrita e libidinosa devoção. Mesmo não sendo minha praia, achei tocante. Talvez nesse caso, se o parceiro curtir a mesma viagem, a submissão não seja enjoativa. Até o contrário.

Mas sexo, apesar das ilusões conservadoras, não tem a ver com caráter. A mesma moça que rasteja por prazer pode ser um mulherão altivo e resoluto fora do quarto. Na intimidade vicejam fantasias frequentemente opostas ao que se é no dia-a-dia: a personalidade dominante encontra prazer em ser submissa; a tímida explode de excitação ao assumir o comando do sexo. Ou tudo ao contrário e misturado. Lá no fundo, onde se engendra o desejo, somos criaturas cheias de mistério.

Na vida em pé e vestida, haverá quem prefira uma pessoa servil para servir-se, mas assumo que sejam as exceções. Relacionamentos costumam ser melhor com duas personalidades envolvidas. É pelo menos mais rico. As diferenças de tom e de andamento nos divertem. As discrepâncias de estilo, de idade, de renda, de gosto e cultura formam uma colcha de retalhos sob a qual dormimos enlaçados e nus. Nós e nossos sonhos separados. Nós e nossas lindas personalidades fraturadas. Duas pessoas que se tornam uma apenas no mais fugaz e elusivo dos momentos. Não parece muito, mas é tudo que temos.

Número de OPMs saltou de 13 para 603 desde 2004


30/10 - Número de OPMs saltou de 13 para 603 desde 2004
Foto: Raquel Lasalvia SPM/PR
Evolução foi apresentada durante Fórum Nacional de Organismos de Políticas para as Mulheres, que reúne mais de 300 gestoras de todas as esferas governamentais, em Brasília, até quinta-feira (31)
 
Em cerca de dez anos, o número de organismos governamentais de políticas para as mulheres (OPMs) implantados no Brasil teve um crescimento expressivo: de treze instituições, em 2004, para 603 organismos contabilizados em 2013. Os dados foram apresentados pela secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da SPM, Vera Soares, durante o Fórum Nacional de OPMs, realizado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). 
 
“Hoje, somente dois estados e duas capitais não possuem, ao nível estadual, nenhum espaço governamental”, afirmou Vera Soares. Estados como o Acre e Amapá contam com organismos de políticas para as mulheres em todos os seus municípios. Pernambuco vem logo em seguida, com cerca de 70% de suas cidades com OPMs implantados. 
 
Ao dar as boas-vindas a mais de 300 gestoras estaduais, municipais e do DF que participam do Fórum, a secretária-executiva da SPM, Lourdes Bandeira, ressaltou a importância do crescimento de OPMs. “Não é um aumento apenas do ponto de vista quantitativo. Estes organismos têm um significado político, estratégico e cidadão para as mulheres brasileiras”, destacou. 
 
Políticas Públicas – No painel “Políticas Públicas para as Mulheres: a Construção da Igualdade”, na terça-feira (29), foram discutidas diretrizes para a formulação de políticas no cotidiano da SPM. Participaram da exposição a secretária-adjunta de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Rosângela Rigo; a secretária de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres, Tatau Godinho; além de Vera Soares e Lourdes Bandeira. 
 
Rosângela Rigo fez um panorama das ações da pasta, com ênfase no Programa ‘Mulher, Viver sem Violência’, lançado este ano pelo governo federal e que integra políticas de combate à violência, coordenadas pela SPM. Entre as iniciativas, a Casa da Mulher Brasileira, as unidades móveis de atendimento às mulheres do campo e da floresta, a transformação do Ligue 180 em disque-denúncia e a humanização de serviços de saúde e periciais no atendimento às vítimas de violência sexual.
 
“Estamos construindo parcerias sólidas com os estados, através da adesão ao Programa, para que todas as regiões possam ter este tipo de enfrentamento”, explicou Rosângela. “Ao pensar estas ações, estamos trabalhando com as dimensões do enfrentamento, da assistência, da prevenção e da garantia de cidadania para as mulheres”, finalizou. 
 
Tatau Godinho expôs as questões centrais que norteiam as atividades da Secretaria de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica da Mulher da SPM, e destacou que, sem a autonomia econômica, as outras dimensões da vida da mulher tornam-se mais difíceis, uma vez que há uma relação de dependência entre elas. “A autonomia econômica é um dos eixos das políticas públicas. É necessário que se tenha um foco de produção de políticas que entenda que as condições de igualdade dependem fundamentalmente das condições econômicas”, pontuou a secretária. 
 
Para Tatau, são prioridades na construção de políticas para a autonomia econômica das mulheres superar a divisão sexual do trabalho e dar visibilidade ao trabalho desempenhado por mulheres. Segundo ela, a divisão sexual do trabalho estrutura relações de desigualdade e dominação no mundo público e privado. “É ancorado nisso que as mulheres ganham salários menores e são dirigidas para guetos profissionais menos valorizados”, explicou.   
 
Transmissão – O Fórum Nacional de Organismos de Políticas para as Mulheres é transmitido ao vivo, pela internet, no link http://www.locamega.com.br/player/versatil/.

Brasil 'perde R$ 7 bi' com gravidez de adolescentes, diz relatório da ONU

Jovem grávida na Nicarágua. Foto: Reuters
Segundo a ONU, gravidez precoce traz problemas tanto sociais como econômicos
Um relatório da ONU afirma que o Brasil deixa de acrescentar US$ 3,5 bilhões (mais de R$ 7 bilhões) à sua riqueza nacional por ano devido à gravidez de milhares de adolescentes.
O documento "O Estado da População Mundial 2013", do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), divulgado nesta quarta-feira, analisa a situação de jovens que dão à luz.
A cada ano, 7,3 milhões de meninas com menos de 18 anos têm filhos em países em desenvolvimento. Destas, 2 milhões têm menos de 14 anos. O texto enfatiza os problemas que isso causa na vida das jovens, com consequências na sua saúde, educação e direitos humanos.
"Em geral, a sociedade culpa as meninas por engravidarem", diz o diretor-executivo da UNFPA, Babatunde Osotimehin. "A realidade é que a gravidez adolescente costuma ser não o resultado de uma escolha deliberada, mas sim a ausência de escolhas, bem como circunstâncias que estão fora do controle da menina. É consequência de pouco ou nenhum acesso a escola, emprego, informação e saúde."
O relatório também fala que as economias nacionais sofrem com as consequências da gravidez considerada precoce.

Riquezas não geradas

Citando um estudo feito em 2011 para o Banco Mundial pelos pesquisadores Jad Chaaban e Wendy Cunningham, o UNFPA tenta estimar quanta riqueza países como Quênia, Índia e Brasil deixam de acrescentar às suas economias, dado que as meninas que ficaram grávidas poderiam estar trabalhando e gerando renda.
"O Brasil teria maior produtividade – de mais de US$ 3,5 bilhões – caso meninas adolescentes retardassem sua gravidez até os 20 e poucos anos", diz o documento.
No caso da Índia, esse "ganho" seria de até US$ 7,7 bilhões. No Quênia, a receita "não gerada" é equivalente a todos os ganhos da indústria da construção civil. E, em Uganda, equivale a um terço do PIB do país.
O relatório também afirma que muitas meninas ficam grávidas quando estão no ensino secundário, e acabam abandonando a escola. Isso faz com que o investimento feito pelos países na sua educação primária acabe sendo desperdiçado, já que elas não dão sequência aos seus estudos.
O estudo do Banco Mundial ressalta que, além dos custos econômicos, há também problemas sociais: filhos de mães precoces costumam ter desempenho escolar mais baixo.
O relatório faz ainda algumas considerações sobre os programas de natalidade do Brasil.
"O Brasil é um dos países que avançou para aumentar o acesso a meninas grávidas a tratamentos pré-natal, natal e pós-natal", diz o UNFPA, citando o Instituto de Perinatologia da Bahia (Iperba) como um "centro de referência para gravidez de alto risco na Bahia".
O Iperba tem tratamento especializado para mães adolescentes, que representam 23% do total de suas pacientes.

Primavera ultraortodoxa?

Judias desafiam a tradição religiosa para se lançar na política. 

Por Marsílea Gombata, de Kfar Saba, Israel 

Ruth Israel
Ruth em um de seus atos políticos. Ela enfrenta
resistência da família e da sociedade
Quando decidiu se lançar à política, a judia ultraortodoxa Ruth Colian teve de encontrar mais do que coragem para reunir forças contra as vozes contrárias dentro de sua própria religião. Foi preciso encarar também a oposição da família e dos amigos mais próximos. “‘Cuidado ao sair na rua' era o que eu mais ouvia”, conta. “Eles, na verdade, não gostaram muito e ficaram bastante preocupados.”

Aos 32 anos, Ruth é pioneira de um movimento que gosta de chamar de Haredi Spring – ou Primavera Ultraortodoxa – no qual as mulheres religiosas desafiam a tradição em nome de maior participação nas decisões políticas e na vida social. Nas últimas eleições municipais, na semana passada, ela esteve bem perto de realizar o sonho de se tornar a primeira ultraortodoxa a concorrer à Câmara Municipal da cidade de Petah Tikva, a pouco mais de 11 km de Tel Aviv. “As mulheres também são responsáveis por seu futuro e devem tomar as rédeas do rumo de suas vidas”, explicou. “Nós podemos e devemos estar na política.”

Ruth, que divide seu tempo entre o marido, os quatro filhos, seu trabalho e os estudos - cursa o segundo ano de direito no Ultra Orthodox (Haredi) Campus – é filha de iemenitas que deixaram o estilo de vida do judaísmo ultraortodoxo quando ela era criança. A tradição, no entanto, foi retomada mais tarde por ela mesma, quando tinha 19 anos.

A tentativa de se candidatar a partir de uma legenda ultraortodoxa – como Shas, Degel Ha Torah e Yadut Ha Torah – não foi, no entanto, a primeira manifestação de seu viés politizado. No início do ano, Ruth caminhou de Peth Tikva até o Knesset (Parlamento israelense) para protestar contra a decisão do governo de suspender uma lei que a teria beneficiado e permitido que comprasse seu apartamento. Além disso, desafiou publicamente autoridades religiosas em um episódio de suspeita de maus tratos de animais nos certificados kosher (de alimentos preparados segundo as leis judaicas).

Não foi a falta de empenho, no entanto, que a impediu de concorrer. Obstáculos diversos, como a falta de apoio dentro da comunidade religiosa e a verba escassa, deixaram-na a poucos passos de ser candidata de um partido haredi. “Não me permitiram concorrer pelo fato de eu ser mulher”, contou entre lágrimas. “Apesar de algumas mulheres se mostrarem contentes com a minha iniciativa de buscar igualdade de gênero e tomar posse dos meus direitos, a maior parte das pessoas me disseram para abandonar a ideia.”

De acordo com os dogmas ultraortodoxos, as mulheres são impedidas de participar da vida política e da vida social de forma tão ativa e protagonista como os homens. Como lembrou o rabino Idan Itzjak, também prefeito da cidade ultraortodoxa de El’ad, a 25 km de Tel Aviv, “às mulheres cabe a função na sociedade religiosa de cuidar dos filhos e da família”.

Na vida prática, Ruth disse ter sido hostilizada por seu ativismo. A pressão a levou a mudar seus filhos de uma escola tradicional para uma menos religiosa. “Sei que o que estou fazendo hoje é para o futuro dos meus filhos amanhã”, disse. “Não quero mudar o sistema, estou apenas buscando meus direitos. Espero que minha luta como uma haredi feminista seja um grande despertar para as mulheres se darem conta de que podem fazer mais.”

Corte. Sua batalha para entrar na vida política ainda não está perdida. Apesar de não ter conseguido alcançar todas as assinaturas necessárias e apoio para se candidatar a vereadora, Ruth agora tenta o Judiciário para pedir o fim da exclusão de candidatas mulheres nos partidos ultraortodoxos.

No dia 6, ela e seu advogado, Jonathan Ginat, têm uma audiência na Suprema Corte de Justiça, na qual se julgará a petição apresentada por Ruth. Ela pede que o Estado não provenha fundo para os partidos políticos que vetam candidatas mulheres, baseado no argumento principal de discriminação de gênero apoiada pelo Estado israelense.

“O principal objetivo de Ruth é um importante passo na direção da igualdade de gênero entre homens e mulheres. Por isso aceitei defendê-la nessa empreitada nada fácil”, explicou Ginat, que trabalha no escritório Galanti, Sudri & Datz, com sede em Haifa, no norte de Israel. “A sociedade haredi não vê a mulher como igual e não creio que esteja pronta para ter uma mulher em uma posição tão importante. Pedir por igualdade entre os ultraortodoxos é uma revolução bem grande.”

A sessão na Suprema Corte será aberta ao público. O caso será analisado por três juízes, sendo a presidente da mesa uma mulher. “Se tivermos êxito, a decisão da Corte forçará os partidos haredi a reconsiderar sua posição. Será o início de uma mudança, ainda que lenta.”

As crianças soldados da República Democrática do Congo

Relatório da ONU ressalta "recrutamento endêmico" de crianças por grupos armados. Elas são utilizadas, entre outros lugares, em minas de metais para tablets e gadgets

por Gabriel Bonis 

De Londres

Congo
Relatório da ONU ressalta "recrutamento endêmico"
de crianças por grupos armados. Elas são utilizadas,
entre outros lugares, em minas de metais para tablets e gadgets
Um grave, e infelizmente comum, problema em muitos países da África deixou a missão de paz da ONU na República Democrática do Congo (Monusco, da sigla em francês) "extremamente preocupada". Segundo um relatório publicado na última semana, entre janeiro de 2012 e agosto de 2013 cerca de 1 mil casos de crianças recrutadas por grupos armados congoleses foram registrados.

O primeiro levantamento da missão da ONU sobre crianças soldados no país ressalta que "o recrutamento permanece endêmico" na RDC, apesar de campanhas de conscientização e tentativas de pacificar grupos armados. O número elevado de casos nos últimos dois anos, acreditam as Nações Unidas, ocorreu devido a novos conflitos internos no país africano.

O relatório aponta que o grupo armado Nyatura foi o que mais recrutou: 190 crianças ao todo. Em seguida aparecem as Forces Démocratiques de Libération du Rwanda (FDLR), com 137, e o Movimento 23 de Março (M23), com 124.

Os recrutados, diz o relatório, frequentemente são vítimas ou testemunhas de graves violações dos direitos das crianças, como estupros, sequestros, assassinatos e mutilações. Na maioria dos casos, os soldados infantis são sequestrados e forçados a se juntarem a tropas. Outros escolhem, porém, entrar nestas organizações atraídos por promessas de dinheiro, educação, empregos e outros "benefícios".

Em geral, as crianças soldados acabam utilizadas como porteiros, cozinheiros, espiões, escravos sexuais, guardas e combatentes. Mas, segundo a ONU, crianças recrutadas pelo grupo M23 também tinham entre suas "tarefas" enterrar corpos de pessoas mortas durante conflitos com o Exército Nacional da RDC e outros grupos armados.

Uma recente reportagem da revista National Geographic traça ainda um paralelo das crianças soldados com os interesses tecnológicos e consumistas de países mais desenvolvidos que a RDC. O texto, assinado pelo repórter Jeffrey Gettleman, narra como as crianças soldados congolesas são exploradas em minas de cobre, cobalto, estanho e ouro, que possivelmente estão presentes em grande parte dos tablets, celulares, notebooks, entre outros gadgets,vendidos fora da África.

As crianças soldados, além disso, também trabalham em minas de diamantes que, vendidos nos exterior, comumente em anéis de noivado, sustentam os grupos armados e seus sangrentos conflitos.

O governo da RDC tem um acordo com a ONU para evitar e prevenir o agenciamento de crianças na luta armada, além de responsabilizar os culpados por graves violações contra os direitos das crianças.

Em agosto deste ano, a missão da ONU libertou 82 crianças do grupo Mayi Mayi Bakata. Eram 69 garotos e 13 meninas, com entre oito e 17 anos. Cerca de metade delas foi imediatamente reintegrada a suas famílias, enquanto outros receberam tratamento antes desta etapa. Do início do ano até setembro foram mais de 550 crianças libertadas.

http://www.cartacapital.com.br/internacional/as-criancas-soldados-da-republica-democratica-do-congo-1074.html

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Pobres vendem órgãos para pagar dívidas de microcrédito em Bangladesh

Mohammad Moqarram Hossen | Sophie Cousins - BBC
Mohammad Hossen vendeu o rim e hoje está com saúde debilitada
O vilarejo de Kalai, em Bangladesh, tem uma paisagem idílica à primeira vista, como outros vilarejos do país. Mas vários habitantes locais alegam ter sido convencidos a vender seus órgãos para pagar dívidas que fizeram em esquemas de microcrédito.
A ideia de oferecer pequenos empréstimos a pessoas rejeitadas pelos programas de crédito bancário tradicionais rendeu o Prêmio Nobel da Paz de 2006 ao bengali Mohammad Yunus, sendo saudada como um caminho para que essas pessoas saíssem da pobreza.
A proposta era que os empréstimos incentivassem o empreendedorismo e dessem poder às mulheres. Mas, como mostra o relato da jornalista Sophie Cousins, que esteve em Kalai, a “revolução” acabou agravando os problemas enfrentados por alguns aqueles que mais deveria ajudar.

A seis horas ao norte da capital Daca, crianças brincam nuas se pendurando em pedaços de bambu que sustentam as cabanas onde moram.
Essas crianças, assim como outras milhões que vivem nas áreas rurais de Bangladesh, crescem em meio a grandes dificuldades financeiras. Em uma tentativa de aliviar a pobreza, muitos habitantes de Kalai contraem empréstimos, mas em seguida mergulham em mais dívidas quando se veem incapazes de pagar as prestações.
Alguns, inclusive, decidem vender seus órgãos como último recurso para saldar as dívidas e tentar escapar do ciclo vicioso da pobreza.
A venda de órgãos em si não é uma novidade, e muitas pessoas pobres no Sul da Ásia recorrem a esta prática há anos. Mas o que não se falava muito até agora é que cada vez mais pessoas estão fazendo parte de uma rede de tráfico de órgãos porque se sentem pressionadas a pagar suas dívidas.

Arrependimento

Mohammad Akhtar Alam, de 33 anos, exibe uma cicatriz de 38 centímetros de comprimento que mostra de onde extraíram seu rim. A remoção de órgão – algo ilegal em Bangladesh a menos que seja para doação para um parente próximo - combinada com cuidados pós-operatórios precários, o deixou parcialmente paralisado, cego de um olho e incapaz de carregar pesos.
Ele é dono de uma pequena mercearia que vende arroz, farinha e, de vez em quando, doces.
Há dois anos, sua renda como motorista de van não era suficiente para pagar as parcelas semanais de dívidas que havia contraído com oito organizações não-governamentais (ONGs) diferentes. Quando não conseguiu arcar com a primeira dívida, contraiu uma segunda para pagar a primeira e assim sucessivamente.
"Um dia estava conversando com um passageiro que me perguntou porque estava fazendo aquele trabalho", relembra.
"Eu expliquei que era pobre e devia cerca de 100 mil taka (aproximadamente US$ 1,3 mil)".
O passageiro era uma peça importante em uma rede de tráfico de órgãos, intermediando a compra e vende de rins, fígados, entre outros. O homem convenceu Alam a vender seu rim e lhe prometeu 400 mil taka (cerca de US$ 5 mil) em retorno.
Duas semanas mais tarde, Alam deixou um hospital privado em Daca e voltou para casa com a saúde debilitada e com uma fração do dinheiro que lhe foi prometido. Ele se arrepende do que fez.
Mohammad Moqarram Hossen, também de Kalai, é outra vítima.
"Eu decidi pagar a dívida", diz ele, enquanto mostra a cicatriz de uma operação que fez na Índia para remover um rim.
"O médico disse que não teria riscos, mas agora não posso fazer nenhum trabalho pesado."

'Pressão'

O microcrédito, aclamado como "salvação" para milhões de pessoas, tem como objetivo quebrar o ciclo de pobreza estimulando atividades geradoras de renda por meio de empréstimos com poucos efeitos colaterais.
Vilarejo de Kalai  | Sophie Cousins - BBC
No vilarejo de Kalai, muitos residentes estão endividados
Mas sua estrutura de pagamento e a aparente incapacidade de as instituições de microfinanças determinarem quem já tem outros empréstimos pode causar problemas.
O professor Monir Moniruzzaman, do departamento de Antropologia da Universidade do Estado de Michigan (Estados Unidos), investiga o comércio de órgãos em Bangladesh há 12 anos.
"As dívidas de muitas pessoas crescem em uma espiral, e eles acham que a única forma de pagar as parcelas é vendendo o próprio rim", observa.
Ele alega que instituições como o Banco Grameen (laureado com o Nobel da Paz em 2006 juntamente com Yunus) e a ONG Brac fazem pressão psicológica para as pessoas pagarem suas dívidas com ações como marcar presença em frente à casa do cliente o dia todo e ameaças verbais de que o devedor será denunciado à polícia.
O acadêmico confirmou que algumas das 33 pessoas que venderam seus rins que ele entrevistou para sua pesquisa disseram que tomaram a decisão por se sentirem pressionadas a pagar o que deviam.
"Um homem me contou que deixou sua cidade por um ano por não conseguir encarar os funcionários da ONG", contou Moniruzzaman.
Em entrevista à BBC, o banco Grameen negou que haja assédio ou outros tipos de pressão e afirma que nunca entrou com ação contra quem toma empréstimo.
E Mohammad Ariful Hoq, analista da Brac, uma das maiores organizações de desenvolvimento do mundo, nega que seus funcionários pressionem os clientes ou que haja ligação entre microcrédito e tráfico de órgãos.

Benefícios do microcrédito

Uma pesquisa divulgada neste ano pelo Banco Mundial mostrou que são grandes os benefícios dos empréstimos, e dados compilados por uma "campanha pelo microcrédito" apontam que este tipo de empréstimo já tirou dez milhões de bengaleses da pobreza entre 1990 e 2008.
Mas à medida que a demanda por órgãos continua a alimentar um mercado negro em Bangladesh, membros pobres de comunidades rurais continuarão sendo seduzidos por falsas promessas de uma vida melhor.
Segundo o professor Moniruzzaman, as consequências do tráfico de órgãos são devastadoras.
"Não há garantias sobre a procedência dos órgãos e quão seguros eles são. Por outro lado, sob a perspectiva de quem está vendendo, a saúde se deteriora após a operação, tornando difícil para a pessoa voltar a ganhar dinheiro porque não poderá voltar para seus trabalhos antigos que demandam muito fisicamente."
Não há dúvida de que o microcrédito mudou a vida de milhões em todo mundo.
Mas à medida que a polarização entre ricos e pobres aumenta, especialistas acreditam que os mais necessitados vão continuar contraindo mais dívidas, algumas vezes recorrendo a medidas desesperadas como a venda de órgãos.
Os homens de Kalai gostariam de ter sabido disso antes.

Mães de aluguel na Índia geram dois pares de gêmeos para casal britânico

barrigas de aluguel | Reuters
Mercado de barrigas de aluguel na Índia movimenta R$2,2 bi por ano.
Um casal britânico está esperando dois pares de gêmeos, gerados por duas barrigas de aluguel na Índia.
Os quatro bebês, com nascimento previsto para março, são resultado de um contrato entre o casal e uma clínica em Mumbai que oferece serviços de barriga de aluguel.
O marido, de 35 anos, e a mulher, de 36, não quiseram divulgar nomes. Eles foram à Índia em maio em busca de uma mulher que pudesse gerar seu bebê após terem sofrido dois abortos e passado por vários tratamentos fracassados de reprodução assistida em diversas clínicas da Grã-Bretanha.
Não há dados oficiais, mas de acordo com a advogada Natalie Gamble, especializada no mercado internacional de barrigas de aluguel, centenas de casais britânicos vão à Índia todos os anos em busca deste serviço, que movimenta mais de US$ 1 bilhão (R$ 2,2 bilhões) por ano no país.

Boa surpresa

Na clínica Corion, em Mumbai, os óvulos da britânica foram fertilizados com espermatozoides do marido, criando embriões que foram implantados em duas mulheres para aumentar as chances de gravidez.
"Nós tínhamos seis embriões e normalmente se usa apenas uma mãe de aluguel. Mas eu pensei: 'quero duas mulheres que vão receber três embriões cada' ”, relata o marido.
Um mês mais tarde, a clínica ligou para avisar que uma das mulheres estava grávida de gêmeos. Dias depois, outro telefonema:
"Eles haviam encontrado duas batidas de coração na segunda mulher", recorda a esposa.
O casal não quis divulgar quanto pagou à clínica, mas, em média, um pacote de barriga de aluguel na Índia custa entre US$ 27,5 mil (R$ 60 mil) e US$ 32,5 mil (R$ 70 mil) .
Eles dizem ser gratos às mulheres por estarem gerando seus filhos, mas insistem que não têm intenção de conhecê-las.
"Elas estão nos prestando um serviço. Com quanta regularidade você conversa com seu pedreiro ou seu jardineiro?", indaga a britânica.
O casal não parece temer o desafio de cuidar de quatro bebês de uma só vez e diz ter condições financeiras para educá-los.
O órgão regulador britânico, a Autoridade de Fertilização Humana e Embriologia (HFEA), recomenda a transferência de apenas um embrião em tratamentos de reprodução assistida e alerta para os riscos de gravidez múltipla, como morte prematura, aborto tardio e complicações para a saúde da mãe e do bebê.
Segundo Natalie Gamble, este procedimento não seria permitido na Grã-Bretanha, onde o uso de barrigas de aluguel é regido por regras estritas e o comércio é proibido.
A diretora da clínica na Índia, Kaushal Kadam, insiste que não é prática comum usar duas mães de aluguel para o mesmo casal.
"Geralmente usamos apenas uma mulher, mas há ocasiões em que os casais querem mais", admite.

A escola sob pressão

Esta é uma época muito desfavorável para a escola e, consequentemente, para crianças e adolescentes que precisam, obrigatoriamente, frequentá-la. E aqui não faço referência a uma unidade especificamente, e sim à instituição escola, seja ela particular ou pública, que existe em nossa realidade e que também habita o imaginário de todos nós.

É que agora é o tempo em que os pais --aqueles que podem escolher a escola que o filho frequenta-- consideram a possibilidade de transferência do filho, motivados por insatisfações dos mais diversos tipos.

E os que não podem fazer tal escolha avaliam o ano letivo que está prestes a terminar, considerando, quase sempre, apenas a atuação da escola.

Há uma grande pressão, por exemplo, por notas altas ou, pelo menos, por notas que permitam a aprovação do filho. E quando as notas não alcançam o patamar esperado e/ou desejado pelos pais, estes costumam pensar que a escola não cumpriu seu papel de alertá-los a respeito do fato, agora quase consumado, para que pudessem tomar algum tipo de providência. Ponto negativo para a escola, portanto.

Há também, hoje, uma ansiedade generalizada dos pais para que o filho não sofra assédio dos colegas ou não seja alvo de violências, brandas ou pesadas --o agora tão popular bullying. E o interessante nessa história é que muitos pais atribuem a determinados colegas do filho essa ação frequente ou a liderança para o ato. É o que chamamos de "bode expiatório".

Se a escola não toma algum tipo de providência em relação a esses alunos --expulsão branca, por exemplo--, os pais acreditam que ela não serve para o filho. Ponto negativo para a escola, mais uma vez.

E o que dizer de frustrações que nada têm a ver com a vida escolar do filho? Eventos que não agradam, reuniões que não são do jeito que eles querem, pouca atenção aos pais etc. Tudo é motivo para a escola ganhar pontos negativos na avaliação que os pais fazem dela.

Sim: a escola está obsoleta, resiste quanto a se renovar, não sabe ao certo o que significa "educar para a cidadania", insiste em um modelo totalmente ultrapassado, acredita que seu papel ainda é o de transmissão de conhecimento e vê e trata os pais como consumidores de educação. Pai, hoje, é patrão na escola, e os filhos já se tocaram disso.

O problema é que falar mal da escola, que é o que torna este momento desfavorável a ela, e sair em busca de outra muito semelhante --apenas com novos diretores, coordenadores, professores e materiais didáticos, por exemplo, só colabora para que a instituição fique cada vez mais desacreditada pelos alunos.

E, contraditoriamente, queremos que nossos filhos gostem de estudar, sigam as orientações da escola, respeitem os trabalhadores da educação, aprendam. Aprendam!

Quanto mais falarmos mal da escola, menos tudo isso ocorrerá. Nossa alternativa é cobrar da escola inovações --de verdade, em sua organização e estrutura e não na instalação das muitas traquitanas tecnológicas-- e orientar nossos filhos a fazer a mesma coisa.

Esta seria a verdadeira parceria da escola com as famílias de seus alunos: a exigência posta para a instituição de que ela deve mudar. Com nosso apoio, é claro. E para o bem dos mais novos, e não para nossa tranquilidade e ilusória sensação de segurança.
rosely sayão
Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. http://folha.com/no1363608

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Tunísia debate veracidade de 'jihad sexual' de meninas que se oferecem a militantes

Combatentes na Sìria. Foto: AP
Muitos combatentes da Tunísia estão lutando na Síria
Quando as autoridades da Tunísia denunciaram que várias mulheres jovens tinham deixado suas casas para oferecer serviços sexuais a militantes islâmicos no país e na Síria, o anúncio foi recebido com choque e ceticismo.
Muitos não sabem se as denúncias das autoridades têm mesmo credibilidade ou se são parte de um esforço de propaganda contra extremistas islâmicos.
Por meses, houve boatos sobre o que chegou a ser chamado pela imprensa internacional de "jihad sexual", mas o escopo deste tipo de prática e sua possível ligação com o conflito na Síria ainda são um mistério.
A história está centrada em Jebel ech Chaambi – as montanhas de Chaambi – no Centro Oeste da Tunísia, perto da fronteira com a Argélia.
Esta região remota testemunhou duras batalhas entre o Exército da Tunísia e militantes da al-Qaeda desde dezembro de 2012.
As autoridades disseram ter prendido um número grande de mulheres e meninas nas cidades de Chaambi, muitas delas acusadas de ter relações sexuais com os militantes, em uma suposta campanha para elevar o moral dos combatentes.
Para tentar desvendar alguns dos mistérios, a BBC encontrou-se com a família de uma das meninas na cidade de Kasreen, que fica perto de Chaambi e a quatro horas de carro da capital Túnis.
A mãe diz que sua filha de 17 anos está entre as 19 que foram presas nos últimos dois meses só nesta cidade.
Ela acredita que sua filha é inocente, e se diz especialmente preocupada com o fato de sua filha ter problemas mentais. A menina está presa com outras adultas, apesar de ser menor de idade.
"Ela nunca foi às montanhas de Chaambi. Essas acusações são falsas. Ela é religiosa e vai à mesquita", disse à BBC a mãe que pediu para não ter seu nome revelado, temendo represálias.
"Ela usava um véu de corpo inteiro – que é um sinal de castidade, não de extremismo."
No entanto, a mãe reconhece que não sabe dizer exatamente o que acontecia na mesquita frequentada pela filha.
"Ela pode ter tido uma lavagem cerebral por parte dos extremistas. Eu não sei. Mas eu peço ao ministro do Interior que a liberte. Ela é menor de idade e além disso pode ter convulsões."

Denúncias

As principais denúncias sobre a suposta "jihad sexual" foram feitas em setembro pelo ministro do Interior, Lotfi bin Jido. Ele disse que muitas das mulheres e meninas estavam indo para a Síria.
"Meninas da Tunísia são oferecidas para 20, 30 ou cem rebeldes, e elas voltam com marcas do contato sexual em nome desta 'jihad sexual' e nós estamos em silêncio, sem fazer nada, apenas assistindo a tudo", disse bin Jido em discurso no Parlamento.
No mês anterior, a agência nacional de segurança da Tunísia disse ter prendido várias mulheres que supostamente participavam da "jihad sexual".
Mas muitos críticos viram isso apenas como um elemento de propaganda, sem nenhum fundamento.
"O ministro do Interior nunca apresentou provas concretas. Ele não tem estatísticas", diz o radialista Zuhir Elijis.
"Ele causou polêmica, dando a impressão de que isso é um grande problema. Ele é conhecido por ser politicamente independente, mas acho que ele está jogando um jogo entre facções políticas rivais."
O ministério não acatou o pedido da BBC de entrevistar algumas das mulheres detidas. O porta-voz do ministério disse que o governo possui provas, e que estas serão apresentadas na Justiça.
"As pistas são baseadas em denúncias, interceptação de telefonemas e páginas do Facebook. Também possuímos confissões, mas não podemos revelar a identidade das mulheres e meninas por isso ser um assunto sensível na nossa sociedade", disse o porta-voz Mohammed Ali al-Arawi.
Em abril, a maior autoridade religiosa da Tunísia, Mutfi Othman Batikh, havia provocado polêmica ao denunciar a "jihad sexual" na imprensa. No entanto, ele acabou demitido pelo presidente Muncif Marzouk, por ter falado em público sobre o assunto.
O acadêmico muçulmano Sheikh Fareed Elbaji disse à BBC que conhece famílias cujas filhas ofereceram seus serviços sexuais a combatentes em Chaambi e na Síria. Segundo ele, elas estavam aparentemente obedecendo um fatwa ou algum outro tipo de ordem religiosa.
"Esses extremistas baseiam suas fatwas no argumento de que a necessidade imediata permite que coisas proibidas sejam feitas – neste caso um 'casamento temporário' para atender às demandas dos combatentes", diz o acadêmico.
"O Islã proíbe essa prática, que equivale a prostituição voluntária", diz ele.
Grande parte das pessoas na Tunísia vê as acusações de "jihad sexual" como apenas um boato. Mas outros, preocupados com o crescente extremismo no país, não descartam a hipótese.

Escolas avaliam traços de personalidade

Pesquisas comprovam que eles são decisivos para o sucesso na educação e no trabalho. Agora, instituições se ensino se preparam para ensiná-los e avaliá-los

CAMILA GUIMARÃES

Priscilla Gil, essa jovem de olhar confiante e tranquilo que aparece na foto abaixo, tinha apenas 6 anos quando passou pelo o que considera a maior frustração de sua vida. No 1º ano do ensino fundamental, quando deveria ser alfabetizada, ela não aprendeu a ler e escrever como seus coleguinhas. Repetiu o ano. Estudava num colégio particular num bairro de classe média alta, em São Paulo, perto de casa. “Lembro até hoje a vergonha que senti. Saí da escola depois de saber da má notícia e fui chorar na rua, sentada na calçada. Não me conformava”, diz ela. Seu pai também não se conformou com o diagnóstico da escola para justificar o fracasso da filha: dislexia. Foi procurar ajuda em outro colégio, o Vértice, um dos mais puxados do país, que a acolheu. Com a ajuda de uma professora, Priscilla trabalhou duro e, em um mês, já lia e escrevia. Perfeitamente? Não. As dificuldades e o embaraço causados pela alfabetização desastrosa acompanharam Priscilla pelo resto daquele ano e por todos os outros, até o ensino médio. Nunca foi boa aluna de português. No resto, ia melhor. Seu rendimento, no geral, ficava entre 55% e 65%. “Minha vida de estudante era assim: estudava para tirar 10, mas conseguia 6. Muitas vezes fiquei abaixo da média e tive de me recuperar”, diz.


Tirar uma nota 6 na prova pode ser suficiente para muitos. Outros podem não achar bom, mas se conformam. Para Priscilla, que desde pequena queria ser médica, sempre foi uma frustração. A maioria desistiria. Ela sempre voltava para os livros para tentar entender o que errara, para fazer melhor da próxima vez. Aprendeu a organizar seus estudos e desenvolveu uma disciplina difícil de encontrar em alunos de qualquer idade. Raramente faltava às aulas. Em classe, não era de conversar. Virou frequentadora assídua dos plantões de dúvidas. Depois de passar o dia na escola, chegava em casa e estudava mais uma ou duas horas. Perdeu as contas de quantas vezes deixou de sair com as amigas ou viajar no final de semana para estudar. “Eu tinha duas opções: me entregar à tristeza e me conformar toda vez que tirava uma nota ruim, ou batalhar para conseguir realizar meu sonho de ser médica.”
Perseverança e Autocontrole (Foto: ÉPOCA)
Quem resume bem a escolha de Priscilla é o diretor do Vértice, Adilson Garcia: “A garota é uma guerreira”. Ela nunca mais repetiu o ano. Nem sequer pegou recuperação. Passou no vestibular e está no último ano de medicina. Faz estágio num grande hospital de São Paulo, das 6 às 16 horas, e ainda tem mais um período de estudos à noite, em casa. As amigas vão visitá-la no hospital. No final do ano, Priscilla prestará a prova para residência de anestesia. É a segunda modalidade mais concorrida, com 70 candidatos por vaga (só perde para dermatologia e empata com radiologia). Pergunto a ela se acha que conseguirá. “É claro que sim! Se é anestesia que quero, então é anestesia o que vou fazer.”


O que levou Priscilla para a faculdade de medicina? Que habilidades dessa jovem de 24 anos a colocaram a um passo de realizar o sonho de sua vida? Pais, professores e escolas estão atrás do segredo do sucesso dos alunos há tempos. Nas duas últimas décadas, acreditou-se que bastava ser inteligente e aprender a fazer cálculos, interpretar textos e gráficos, relacionar fatos e analisá-los criticamente. Os vestibulares e as avaliações de desempenho cobram isso. Há um novo movimento de estudos de educadores, psicólogos e economistas que começa a olhar para o sucesso (e o fracasso) dos alunos de outro jeito. Sim, um bom colégio e notas acima da média credenciaram Priscilla a fazer um dos cursos mais difíceis da universidade. Mas ela teria conseguido chegar lá se não tivesse sido disciplinada? Sem a garra de perseguir sua meta? Se tivesse cedido ao medo de errar e de fracassar? Se tivesse desistido diante de obstáculos? A resposta é não. Há evidências cada vez mais fortes de que certos traços de caráter e personalidade, como persistência e autocontrole, são tão determinantes para a vida estudantil e profissional quanto saber português e matemática. São fatores que também ajudam a melhorar as notas dos alunos. Essa nova visão de educação pode mudar a forma como famílias orientam os jovens e escolhem as escolas. Além de importantes, esses traços podem ser ensinados e desenvolvidos na sala de aula, com as aulas de física, biologia e todas as demais.
Há vários jargões científicos para definir essas habilidades. Na psicologia, elas são estudadas como “traços de personalidade” ou “de caráter”. Os economistas que estudam educação as chamam de “habilidades não cognitivas”. Os educadores, de “características socioemocionais”. No mercado de trabalho, viraram as “habilidades do século XXI”. Por trás desses rótulos, está um grupo de fatores, entre eles personalidade, atitudes, comportamentos e crenças dos alunos, que não podem ser medidos pelos testes de Q.I. ou pelas avaliações educacionais tradicionais. É o jeitão da pessoa. Não há uma lista definitiva desses fatores, mas eles podem ser agrupados assim: perseverança (perseguir uma meta, ser disciplinado e resiliente), autocontrole (não ceder a impulsos, como ligar a TV na hora de estudar), extroversão (não ficar apenas no campo das ideias, conseguir realizar o que planeja), curiosidade (estar aberto aos erros, sem medo de assumir riscos), protagonismo (acreditar que, com esforço, é possível mudar o que está ruim) e cooperação (habilidade de trabalhar em equipe).
Extroversão e Protagonismo (Foto: ÉPOCA)
Essa lista foi montada pelo Instituto Ayrton Senna (IAS), entidade que há dois anos trabalha em parceria com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável pelo principal índice de qualidade na educação internacional, o Pisa. Juntos criaram uma prova para medir tais habilidades. Ela foi aplicada em larga escala pela primeira vez no mundo em 55 mil estudantes da rede pública de ensino do Rio de Janeiro, no início de outubro. “Teremos um time de especialistas internacionais para ajudar a avaliar os resultados”, diz Tatiana Filgueiras, responsável pela área de avaliação do IAS. A prova será usada pela OCDE para avaliar estudantes de outros países. “Todo mundo sabe que saber fazer contas e interpretar textos é importante”, afirma Koji Miyamoto, diretor do Centro de Inovação em Educação da OCDE. “Mas, sem essas características, não há como garantir que os alunos de hoje terão sucesso no futuro.”


Vestibulares e avaliações de sistemas de ensino, no Brasil e no mundo, medem a capacidade intelectual do aluno. Suas notas são usadas como critério quase exclusivo para definir quem é bom. Isso fortaleceu a ideia de que um aluno bem preparado para a faculdade e para a carreira é aquele que acumulou conhecimento. Mas cresce uma sensação incômoda entre educadores e nos responsáveis pela contratação de jovens recém-formados: falta alguma coisa, mesmo naqueles alunos preparados intelectualmente. “Eles chegam ao mercado de trabalho sem algumas características cruciais, como capacidade de assumir riscos, terminar uma tarefa, conseguir concretizar uma ideia”, afirma Mariciane Gemin, presidente da Asap, empresa especializada em recrutar jovens profissionais e trainees para grandes empresas.
Esse tipo de lacuna na formação do jovem pode comprometer a continuidade dos estudos, não importa quão inteligente ele seja. Fundado em 1999, o Ismart é um instituto que recruta bons alunos da rede pública e financia seus estudos em escolas particulares de alto nível, até a faculdade. Para selecionar esses bolsistas, avaliavam sua capacidade intelectual. “Percebemos que apenas isso não bastava para manter o aluno no programa”, afirma Maria Amélia Sallum, presidente do Ismart. O programa de estudos é puxado. Se o aluno não tem motivação e não consegue superar situações complicadas, a desistência é quase certa. “Na prova de seleção, passamos a avaliar também o potencial dos candidatos para desenvolver essas características”, diz Inês Boaventura, psicóloga responsável pela seleção do Ismart. Uma equipe ajuda a desenvolver as boas características de personalidade entre os aprovados. Juliana Miranda, de 18 anos, foi selecionada quando estava no 8º ano. Era boa aluna, mas não tinha o hábito de estudar em casa. “Não precisava, conseguia ir bem só acompanhando as aulas”, diz. Sua rotina mudou drasticamente com o programa. Pela manhã, assistia a aulas no Colégio Santo Américo, um dos mais concorridos de São Paulo, para eliminar defasagens de aprendizado antes de entrar no ensino médio. À tarde, ia à escola regular, perto de sua casa, no bairro do Capão Redondo, periferia de São Paulo (a uma hora e meia de ônibus do Santo Américo). Como passou a ser cobrada mais do que estava acostumada, Juliana começou a estudar em casa, à noite. Quando entrou para o ensino médio, no Santo Américo, suas notas sofreram um baque. Ela estava habituada a fazer provas com consulta e com professores menos exigentes. “Consegui recuperar, mas isso exigiu de mim um esforço a que eu não estava acostumada.” Nos seis anos como bolsista, Juliana poderia ter desistido 1 milhão de vezes. Foi adiante e está no primeiro ano na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Caráter se aprende na escola (Foto: Letícia Moreira/ÉPOCA (2) e Na Lata)
Os atributos do caráter de Juliana que a ajudaram a chegar à faculdade são universais. Pesquisas fornecem evidências de sua influência. A mais famosa delas, do economista americano James Heckman, Prêmio Nobel em 2000, envolveu alunos de uma escola de ensino médio. Havia três grupos: os que ficaram na escola até o final e se formaram; os que abandonaram a escola, mas fizeram um curso para recuperar defasagens e conseguiram passar na prova de equivalência do colégio e ganhar um diploma; e aqueles que abandonaram e não se formaram. Todos foram acompanhados até a vida adulta. Heckman descobriu que, apesar de os alunos dos dois primeiros grupos terem um diploma na mão, os adultos que fizeram a prova de equivalência – e não frequentaram a escola – ganhavam menos e estavam mais desempregados. A conclusão é que, dentro da escola, aconteceu alguma coisa que não tem nada a ver com a capacidade intelectual de conseguir um diploma. Os alunos que a frequentaram aprenderam algo mais.
Curiosidade e Trabalho em equipe (Foto: ÉPOCA)
A descoberta de Heckman não só é o ponto de partida para as pesquisas que relacionam as tais “habilidades não cognitivas” ao desempenho. Mas também para a ideia cada vez mais comum de que personalidade pode ser aprendida na sala de aula. “O aprendizado acontece com a costura de fatores cognitivos e outros fatores: como nos sentimos, quais as nossas crenças, o que nos motiva, como interagimos com outras pessoas”, afirma Camille Farrington, da faculdade de educação da Universidade de Chicago e pesquisadora de consórcio entre a faculdade e a rede de escolas públicas do Estado para aproximar as pesquisas acadêmicas da sala de aula. Camille e seus colegas foram olhar as pesquisas mais recentes sobre o assunto e montaram um modelo de como esses fatores podem ser moldados em sala de aula. Concluíram que isso acontece de três formas. Primeiro, alguns fatores podem ser explicitamente ensinados. Os estudantes podem aprender estratégias de como administrar seu tempo e organizar o trabalho escolar. Um segundo jeito é o professor estabelecer expectativas claras sobre o que ele espera do aluno, acompanhar de perto a tarefa cumprida e ajudar sempre que houver necessidade. Terceiro, os professores podem criar ambientes em que o aluno se sinta capaz de aprender e acredite que é capaz. “Se tiverem esse tipo de comportamento em relação aos estudos e esse tipo de mentalidade, os alunos podem aprender como se comportar de forma perseverante ou resiliente”, afirma Camille.


Foi na escola que Adriano Lima, de 24 anos, aprendeu a encarar de forma diferente sua jornada acadêmica. Filho de pais que não estudaram e morador de uma das regiões mais pobres da periferia de São Paulo, ele poderia ter se entregado, como a maioria de seus colegas de classe, ao preconceito segundo o qual não importa o esforço que faça, sua origem o impediria de ir adiante. Sua escola, no Jardim Ângela, participava de um programa do IAS. Foi proposto um projeto: Adriano e alguns colegas reformariam a área verde da escola. Fazer parte de algo, trabalhar em equipe aos poucos transformaram o jeito tímido e desconfiado de Adriano. Não demorou para ele passar a ser visto como líder do grupo. Foi escolhido para representar o projeto em encontros estaduais e nacionais, onde orientava outros estudantes do programa. “Quando percebi que passei a ser exemplo para meninos mais novos do que eu, minha percepção do que sou capaz de fazer mudou”, diz. Adriano quis fazer faculdade e se formou em administração. Quis fazer pós-graduação e está acabando o curso neste ano. Quis trabalhar numa grande empresa de seguros, onde fizera um estágio quando era mais jovem. Foi contratado como analista. Ele está onde planejou estar. De sua turma da escola, cerca de 40 colegas, apenas cinco entraram na faculdade. Ele e mais uma amiga fizeram pós-graduação.
Casos como o de Adriano são isolados. Bons professores e boas escolas sabem há décadas que esses traços de personalidade ajudam a formar jovens mais competentes e felizes. O desafio atual é organizar esse tipo de ensino. A escola estadual de ensino médio Chico Anysio, no Rio de Janeiro, é pioneira nisso. Criada neste ano, atende a alunos do 1o ano do ensino médio em tempo integral. Uma vez por ano, os professores avaliam os alunos nas seguintes habilidades: energia, garra, autocontrole, otimismo, gratidão, inteligência social e curiosidade. Quando estive lá, em setembro, vi a professora de química sentada com um grupo de alunos no pátio, conversando sobre dificuldades na hora de estudar. Uma das estudantes não conseguia chegar em casa, depois de passar o dia na escola (a saída é às 17 horas) e mais três horas dentro de um ônibus, e fazer lição. Estava cansada demais. Orientada pela professora, traçou um plano: adiantar a lição de casa na escola. Se deu certo ou não, elas descobririam na semana seguinte e, se fosse o caso, pensariam numa nova estratégia.
Há algumas ressalvas a essa abordagem. Primeiro, educadores se preocupam se países como o Brasil, onde as escolas públicas não conseguem nem ensinar português e matemática, têm condições de cobrar que os professores também ensinem os bons traços de personalidade. Outros educadores criticam a ideia de medir personalidade. “É ingênuo acreditar que uma prova trará evidências científicas”, diz Teresa Rego, da faculdade de educação de São Paulo. Mas compreender o poder dessas habilidades pode dar instrumentos para melhorar o ensino nas escolas particulares e públicas. E talvez até melhorar as notas de português e matemática. Como comprova o exemplo dos bons alunos, ninguém tira nota alta sem ter curiosidade, protagonismo e persistência.