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sábado, 26 de outubro de 2013

Investigação mostra crianças norte-americanas que ganham armas de fogo de presente de Natal

por Emmanuelle Eyles

Aos 6 anos, eles encontram uma pistola de verdade embaixo da árvore de Natal. Incentivados pelos pais, aos 15 tornam-se instrutores de tiro. Uma sociedade assim, de quem é a culpa quando acontecem chacinas como as que ocorrem em escolas americanas?

Pai e filho O instrutor de tiro Brandon observa o filho Alex (Foto: Alex Quesada)
PAI E FILHO O INSTRUTOR DE TIRO BRANDON OBSERVA O FILHO ALEX (FOTO: ALEX QUESADA)

Às nove horas da manhã do dia 14 de dezembro do ano passado, Adam Lanza, de 20 anos, saiu de sua casa em New Town, em Connecticut, nos Estados Unidos, e pegou o caminho de Sandy Hook, uma escola primária da cidade. Ao chegar lá, para conseguir entrar no prédio, deu umtiro numa porta de vidro. O som do disparo chamou atenção de Dawn Hocksprung, diretora, e de Mary Scherlach, psicóloga do colégio. Ao cruzarem com Adam, as duas foram mortas por mais tiros disparados por ele, que carregava um fuzil Bushmaster. Daí em diante, foi um massacre. No total, 26 pessoas assassinadas – 20 crianças e seis adultos, incluindo a mãe de Adam, morta antes de ele sair para a escola. Para se ter ideia do que a tragédia de Sandy Hook significa, o episódio mais lembrado no histórico de tiroteios em colégios nos Estados Unidos foram as mortes na Columbine High School, em Littleton, Colorado, em 1999. Naquela ocasião, a matança promovida por dois alunos pôs fim à vida de 12 colegas e um professor. Inevitavelmente, a primeira pergunta que surge após situações como essas é o que teria levado os autores dos crimes a fazer algo tão monstruoso. A resposta não é simples, mas certamente tem a ver com uma combinação bombástica. De um lado, uma cultura que incentiva o porte de armas. Do outro, pais que ensinam os filhos a atirar.

Nove meses depois do ataque a tiros em Sandy Hook, o comércio de armas continua indo muito bem nos Estados Unidos. O presidente Barack Obama, que tinha prometido limitar o acesso às armas mais pesadas, até agora não conseguiu fazer nada, pois o Senado rejeitou suas reformas. Desde os debates sobre uma maior rigidez da legislação, aliás, o que se viu foram vendas aumentando. “Neste país, é mais fácil comprar uma arma do que conseguir adotar um cachorro abandonado”, diz, com aparente satisfação, um vendedor de uma loja de armas. “Se a minha cliente quiser um Bushmaster AR-15 [fuzil semiautomático], leva-se apenas três dias para verificar se ela tem antecedentes criminais ou psiquiátricos. Mas, para as outras armas, pode levar na hora.” Estamos em Fort Myers, uma cidadezinha charmosa da Flórida.

“É meu direito como cidadã poder me defender com uma arma”, diz Marylou, 35 anos, secretária de um consultório médico. “Tenho cinco armas e algumas estão carregadas. Uma está em cima da geladeira, outra em cima da mesa de centro, duas carregadas ficam embaixo da cama do meu quarto, que fica fechado a chave, e outra está no porta-luvas do carro”, afirma ela. De acordo com a secretária, a razão para manter esse “pequeno” arsenal é o fato de haver “um assalto por dia em Fort Myers”. “Aqui, dizemos o seguinte: ‘Cada segundo conta e a polícia demora minutos a chegar’. Portanto, não fico esperando que os policiais me defendam”. Segundo ela, que aprendeu a atirar aos 6 anos, as armas fazem parte de sua história e da identidade do país. “Meus filhos sabem se defender. Nós não temos escolha, porque as armas estão em todo lugar na Flórida. Não são elas que matam, e sim os criminosos. Nunca vou me desfazer das minhas, nem que tenha que escondê-las. Também servem para caçar. Com 9 anos, meu filho já matou um cervo, um javali, um jacaré e um peru”.
ESCOLINHA DE TIRO Alex, 7 anos, aprendeu a atirar com os pais, donos de uma escola de tiro voltada a crianças e adultos (Foto: Alex Quesada)
ESCOLINHA DE TIRO ALEX, 7 ANOS, APRENDEU A ATIRAR COM OS PAIS, DONOS DE UMA ESCOLA DE TIRO VOLTADA A CRIANÇAS E ADULTOS (FOTO: ALEX QUESADA)

Desde 2008, quando a Corte Suprema afirmou que o direito às armas portáteis é intocável, os cidadãos favoráveis ao porte passaram a se sentir ainda mais confortáveis. “O direito à legítima defesa faz parte da Constituição do país”, lembra o sociólogo e historiador francês Didier Combeau, autor de Des Américains et des armes à feu, Violence et démocratie aux Etats-Unis (Os norte-americanos e as armas de fogo – Violência e democracia nos Estados Unidos, na tradução para o português).

A psicose em torno da questão da segurança é muito forte nos EUA e fica pior quando os próprios pais ensinam os filhos sobre a importância de saber manusear armas.Eles partem do princípio que, independentemente da idade, é preciso ser capaz de apontá-la ao intruso enquanto se disca o número da polícia. O casal Brandon e Renée, por exemplo, acaba de abrir uma escola de tiro, a Caliber Firearms Academy, para crianças e adultos. Instrutores do National Rifle Association (NRA), eles pedem que o filho de 7 anos mostre à reportagem de Marie Claire como se faz para empunhar uma pistola, soltar a trava de segurança, colocar o dedo no gatilho e atirar com os braços estendidos e as pernas levemente afastadas e flexionadas. Alex faz sua demonstração com alegria. Ao terminar, ele pega seu livro de colorir, pousa a arma ao lado e desenha enquanto canta uma musiquinha.

Na escola do casal, os cursos de informação direcionados a menores de idade são grátis. Se depois eles quiserem aprender a usar armas de fogo, precisam pagar. “Não é que eu goste especialmente de armas, mas elas fazem parte da minha vida desde sempre”, diz Renée. Para Brandon, seu marido e sócio, 90% dos adultos possuem uma arma – legal ou ilegalmente. “Quando dois carros batem na rua, ninguém para por medo que a coisa descambe para a violência. No domingo, o nosso padre anda com uma arma embaixo da batina. E alguns fiéis especialmente vão armados à igreja porque os criminosos começaram a atacar templos. Infelizmente, o mesmo vale para as escolas: se os professores tivessem armas, seria mais difícil alguém entrar e sair atirando em todo o mundo.”
AUTODEFESA George e Jordan têm 22 armas e saem juntos para atirar (Foto: Alex Quesada)
AUTODEFESA GEORGE E JORDAN TÊM 22 ARMAS E SAEM JUNTOS PARA ATIRAR (FOTO: ALEX QUESADA)
A Flórida acaba de ultrapassar a marca de um milhão de licenças de porte de armas ativas. As escolas de tiro e os centros de tiro recreativo não param de surgir. “As mães que criam os filhos sozinhas representam 60% da minha clientela”, diz Ken, um dos muitos instrutores de tiro que trabalham no estado. Uma dessas mães é Krystel. Ela quer que o filho de 8 anos aprenda a atirar. “Ele costuma ser convidado a festas de aniversário onde há armas de fogo largadas pelos cantos. Não quero que se sinta intimidado caso uma outra criança vier ameaçá-lo, mesmo de brincadeira”, conta ela. Brittany, que também é aluna de Ken, vai mais longe. “Quero que meu filho seja capaz de sacar uma arma e defender a nós dois se necessário.” Outro dos pais que incentivam os filhos a usar armas de fogo é George.Ofilho dele, Jordan, de 15 anos, já faz estágio como instrutor na NRA. O dia em que encontraram com a reportagem de Marie Claire era um sábado de sol eeles resolvem tirar suas 22 armas do cofre do quarto para dar uns tiros em um centro de tiro recreativo a céu aberto.
Nove crianças morrem todos os dias nos EUA devido a acidentes com armas. “Elas [as armas] são responsáveis por 30 mil mortes por ano, das quais 55% são suicídios e 41%, homicídios. Não é com treinamento que isso vai acabar”, diz Caroline Brewer, da Brady Campaign to Prevent Gun Violence (Campanha Brady para Impedir a Violência Armada), movimento antiarmas formado por vítimas de disparos e por pessoas próximas delas. “Esses pais são irresponsáveis”, diz Brewer.
No criado-mudo de Marylou há duas sempre carregadas (Foto: Alex Quesada)
NO CRIADO-MUDO DE MARYLOU HÁ DUAS SEMPRE CARREGADAS (FOTO: ALEX QUESADA)
Mães solteiras, como Brittany, são maioria na the Gun school. Ela assiste às aulas de seu filho, nico Jones, de 8 anos (Foto: Alex Quesada)
MÃES SOLTEIRAS, COMO BRITTANY, SÃO MAIORIA NA THE GUN SCHOOL. ELA ASSISTE ÀS AULAS DE SEU FILHO, NICO JONES, DE 8 ANOS (FOTO: ALEX QUESADA)

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