Refugee camp 629x446 Refugiadas sírias não têm nada para festejar
As mulheres são as mais vulneráveis nos acampamentos para refugiados. Foto: Rebecca Murray/IPS
por Rebecca Murray, da IPS

Sidon, Líbano, 21/10/2013 – O mundo islâmico realizou esta semana uma de suas festividades mais sagradas, a Eid al Adha (Festa do Sacrifício), que inclui grandes reuniões familiares, comida abundante e troca de presentes. Nessa solenidade, na qual se recorda a disposição de Ibrahim (na Bíblia, Abraão) de imolar seu filho Ismael em honra de Alá, são sacrificados cordeiros e reses, e sua carne é doada aos pobres. A festa aconteceu entre os dias 15 e 17 deste mês.
Contudo, enquanto a maioria dos muçulmanos festejava, o desespero era palpável entre as refugiadas sírias do acampamento de Ein al Helwih, na localidade costeira libanesa de Sidon. Ali funciona um centro comunitário, dirigido pelo Conselho Dinamarquês para os Refugiados, onde essas mulheres recebem apoio psicológico. “Não quero sair de casa”, dizia entre soluços Fatima, de 32 anos e mãe de quatro filhos, que fugiu da cidade síria de Aleppo depois que vários membros de sua família morreram na guerra civil, que também destruiu o negócio de seu marido há um ano.
Fatima agora está alojada com outras famílias em uma escola do acampamento, o maior do Líbano, criado há mais de 60 anos para abrigar originalmente palestinos. Porém, a família de Fatima tampouco encontrou tranquilidade nesse lugar, cenário em junho de um enfrentamento entre o exército libanês e os partidários de um clérigo sunita agitado. Vivem em um ambiente hostil e congestionado, e devem passar por numerosos postos de vigilância para irem de um lugar a outro.
“Tenho pena dos palestinos, porque vivem em más condições, e sei o que sua situação é pior”, afirmou Fatima, que acaba de vender dois cobertores por US$ 15, uma decisão que lamenta devido à aproximação do inverno boreal. Mas, não teve opção, já que estava desesperada por dinheiro. “Meus filhos não têm sapatos, e não posso comprar. Seus professores dizem que devem usar sapatos decentes. Meu filho está psicologicamente destroçado. Senta-se sozinho na escola enquanto as outras crianças brincam juntas. Antes, não era assim”, explicou.
Fatima não celebrou Eid. “Antes tínhamos o costume de nos presentearmos com muitas coisas. Por isso que agora não penso em sair” para festejar, disse entre suspiros de resignação. “Ser refugiada de nosso país nos envelheceu”, afirmou. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) informou que há quase 790 mil sírios nestas condições no Líbano. No entanto, Beirute assegura que o número real supera o milhão, o que representaria um quarto da população libanesa.
As mulheres, como as que vão ao centro comunitário, são as mais vulneráveis. A assistente social Almaza Elchami tenta dar-lhes um pouco de consolo quando as visita. “Há algumas semanas começou a chover e as mulheres se puseram a chorar”, contou Elchami. “Se deram conta de que o inverno se aproximava, com frio e chuvas. Seus filhos não têm o que vestir. Em geral, suas casas não têm portas nem janelas. A chuva foi uma lembrança do que deverão enfrentar”, apontou.
Para mulheres com Asma, mãe adolescente que fugiu dos bombardeios de Damasco, viver em um acampamento para refugiado significa uma grande pressão emocional. Seu marido ainda não encontrou trabalho, e ela deve cuidar do filho de um ano. Quarenta famílias dividem dois vasos sanitários e dois chuveiros. Os homens impõem rígidas regras de privacidade em meio a esse ambiente caótico. “Temos muitas brigas por causa dessa situação. Os homens querem controlar cada lugar que vamos”, contou Asma.
Hillary Margolis, especialista em direitos das mulheres na organização internacional Human Rights Watch, disse que essas condições aumentam as probabilidades de as refugiadas sofrerem violência. “Há um verdadeiro sentimento de frustração e tristeza porque perderam suas vidas e suas casas. Não há muitas oportunidades de emprego ou de educação, por isso não têm muito que fazer. Tudo isso ajuda para que haja mais violência”, destacou.
A pobreza obriga algumas refugiadas a mendigar. Outras oferecem sexo em troca de produtos ou serviços. Tudo isso faz com que se espalhe no Líbano o estereótipo que vincula as mulheres sírias com a prostituição. Margolis ressaltou que quase todas as mulheres com as quais falou têm medo de sair de suas casas e serem assediadas “por seus empregadores, pelos donos de suas terras ou publicamente nas ruas”. Com ela concordou Elchami. “Estão sofrendo muito assédio”, pontuou.
Na semana passada, as mulheres do acampamento se reuniram no centro comunitário para discutir como celebrar Eid, mas não encontraram muitas alternativas. “Meus filhos não vão à escola esse Eid, e não temos para onde ir”, lamentou Fatima. “Esses são momentos para estar em casa com a família. Por isso, para mim, essa data representa uma ferida aberta, e dói uma e outra vez”, enfatizou. Envolverde/IPS