10449452376 e01387861c z 629x419 300x199 “Um dia ali é como cem anos”
O enclausurado Centro de Internação de Estrangeiros de Málaga, no bairro de Capuchinos. Seus muros testemunharam abusos sexuais contra várias internas, supostamente cometidos por cinco policiais. Foto: Inés Benítez/IPS
por Inés Benítez, da IPS
No dia 30 deste mês será realizada a segunda audiência do julgamento contra cinco policiais espanhóis pelo abuso sexual de várias internas, supostamente cometido em 2006 no CIE de Málaga, que funcionava em um antigo quartel militar, fechado por estar em mau estado, em junho de 2012. “As encarregadas da limpeza encontraram preservativos e garrafas de álcool. Há imagens de policiais sem camisa abraçados a internas”, detalhou à IPS o advogado da acusação popular, José Luis Rodríguez.
Esses fatos, julgados sete anos depois, são “a ponta do iceberg”, advertiu Rodríguez, especialista em imigração da organização não governamental Andaluzia Acolhe. Assim se revela “a sensação de impunidade absoluta desses policiais”, incentivada pela “falta de transparência, de regulamentação e pelo descontrole” imperantes nos CIE, detalhou. Quatro das seis denunciantes foram expulsas no mesmo ano dos fatos.
“O que teria acontecido se as vítimas fossem espanholas?”, questionou a marroquina Hakima Soudami, mediadora intercultural na organização Accem, que oferece assistência a imigrantes e refugiados. Para Pernía, esta é uma história que ainda “não foi ouvida” pela sociedade espanhola. Também o medo faz sua parte. Uma mulher que esteve detida no CIE de Málaga e depois libertada se negou a contar sua história à IPS por medo.
Segundo a Lei de Estrangeiros, os CIE são estabelecimentos “de caráter não penitenciário, para detenção e custódia à disposição da autoridade judicial de estrangeiros sujeitos a um processo de expulsão”. Ninguém pode permanecer ali por mais de 60 dias. Há sete centros em funcionamento, com capacidade para alojar 1.526 pessoas, disseram à IPS fontes do governo. Em 2012, entraram 11.325, das quais “4.390 ficaram em liberdade esse ano”, segundo um comunicado do Ministério do Interior ao parlamento, no dia 17.
As mulheres ali “comem mal e adoecem”, diz a nigeriana Jennifer, que vive neste país e é casada com um espanhol. As imigrantes “têm negado o direito básico à saúde dentro de uma instituição do Estado, o que pode desembocar na morte”, disse à IPS a ativista Paloma Soria, coordenadora do informe Mulheres nos Centros de Internação de Estrangeiros: Realidades Entre Grades, divulgado em 2012 pela não governamental Women’s Link Worldwide.
A morte foi o que encontrou a congolense Samba Martine, de 34 anos, no CIE de Aluche, em Madri, no dia 19 de dezembro de 2011. Como as autoridades não tinham seu histórico médico, não recebeu o tratamento antirretroviral que necessitava e só foi levada a um hospital no dia em que morreu. O escândalo “não serviu para que fossem tomadas medidas que evitem a repetição da tragédia”, afirmou no dia 11 deste mês em um comunicado a Campanha pelo Fechamento dos CIE, que reúne cerca de 30 associações da cidade de Valência, no sul do país.
“Não são realizados exames periódicos em caso de gravidez, nem se informa às mulheres a possibilidade de interrupção voluntária”, permitida pela lei, afirmou Soria. Para ela, é “loucura” esses direitos serem negados. Em agosto de 2006, uma brasileira com gravidez de alto risco, que foi testemunha dos abusos policiais um mês antes no CIE de Málaga, sofreu um aborto enquanto estava detida à espera de sua expulsão.
Algumas imigrantes chegam à Espanha como vítimas do tráfico. Mas são levadas aos CIE e depois deportadas sem que o caso seja identificado, disse à IPS a presidente da organização Andaluzia Acolhe, Silvia Koniecki. É preciso “uma fiscalização efetiva desses centros por parte das organizações não governamentais para acabar com esses graves problemas”, ressaltou.
A marroquina Soudami se esforça para conter a emoção enquanto conta: “as imigrantes são alvo de desgraças desde a origem. Fogem das guerras e da pobreza. Algumas perderam toda sua família e percorreram longos caminhos a pé com seus filhos. Procedem de Nigéria, Serra Leoa…, demoram anos e sofrem maus tratos antes de poderem pagar a viagem em balsas e acabar em um CIE, caso sobrevivam à travessia”. Soudami vive em Málaga há 15 anos. Como parte de seu trabalho, conheceu mulheres detidas no CIE e sentiu “asco” ao ver o tratamento que recebem das autoridades.
Denúncias de má e escassa alimentação, desinformação e falta de tradução para quem não fala espanhol figuram em um informe da Women’s Link Worldwide. Em vários centros visitadosn, as mulheres tinham menos tempo do que os homens no pátio e seus espaços comuns eram menores. No CIE de Valência são obrigadas a limpar os locais onde ficam, enquanto para os homens havia um serviço de limpeza, contou Soria.
O governo aprovou no ano passado um anteprojeto de Real Decreto para regular temporariamente os CIE, mas que não inclui “modificações importantes”, segundo o jurista Rodríguez. As organizações de direitos humanos reclamam, por exemplo, que a vigilância fique a cargo de pessoal civil e não policial.
Em 2010, uma nigeriana menor de idade internada no CIE de Málaga, com longa história de abusos e maus tratos sofridos até chegar à Espanha, foi deportada, contrariando as recomendações de várias organizações. “Prevalecem as políticas migratórias diante dos direitos humanos. Há uma terrível desumanização”, destacou.