Adital
No ano de 2001, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) iniciou um trabalho com mulheres estrangeiras em conflito com a lei detidas em presídios da capital do Estado de São Paulo. No início, apenas 40 mulheres estavam detidas e eram atendidas, hoje o ‘Projeto Estrangeiras’ atende a 550 mulheres, que recebem apoio para continuar lutando por sua vida, futuro e liberdade.
Isabela Cunha, membro do Projeto, explicou que o ITTC tem um histórico de atuação com as populações carcerárias, sempre dando preferência ao público feminino, por reconhecer que existe uma maior vulnerabilidade das mulheres. Dentro dessa população, e trabalhando dentro das unidades prisionais, o Instituto identificou o grupo de mulheres estrangeiras.
A história de Maria* se assemelha a de muitas mulheres que hoje estão presas em São Paulo. A jovem tailandesa de quase 30 anos é solteira e tem uma filha. Maria chegou ao Brasil por intermédio de um homem que conheceu pela internet. Após muitos meses de conversa e por acreditar que seu namorado virtual estava apaixonado, a jovem aceitou o convite e decidiu vir ao país para conhecê-lo. O rapaz mandou dinheiro e a passagem, mas quando Maria chegou ele não deu atenção alegando ter muito trabalho. Quando sua partida para a Tailândia estava se aproximando, o homem sugeriu que Maria fosse visitar um amigo seu em Camarões. Ela aceitou, pois queria conhecer muitos países. Assim, no dia da partida, ele lhe entregou uma mala, que, no embarque, Maria descobriu que tinha 10 quilos de cocaína. Atualmente, ela está presa numa penitenciária de São Paulo;
"Essa população é ainda mais vulnerável, pois elas têm demandas diferentes, estão longe da família, não têm muito a quem recorrer, tem dificuldade de comunicação por causa do idioma, os processos são mais complicados que os das brasileiras porque envolvem duas justiças, a federal e a estadual, e elas têm muita dificuldade de compreender toda a lógica do nosso sistema judiciário”, explica Isabela.
O projeto consiste no acompanhamento dos processos e na orientação a respeito do funcionamento da justiça brasileira e está dividido em duas frentes de trabalho: a primeira é acompanhar os casos individuais, ver a situação dos processos e passar para elas, de forma simplificada e em seu idioma, em que situação ele se encontra. A outra frente é a educação em direitos. Nessa etapa, são formados grupos com algumas interessadas e realizadas discussões sobre temas relacionados a direitos e cidadania, a fim de possibilitar o empoderamento das mulheres.
Além do acompanhamento dos processos também é realizado um acompanhamento social. O Projeto proporciona o contato das mulheres com seus familiares, com o consulado, advogados, defensores e toda a rede envolvida em seu caso, além de auxiliar em eventuais casos de problemas de saúde, gestantes, mulheres com filhos dentro das unidades prisionais ou com filhos abrigados no Brasil e no acompanhamento da situação de mulheres egressas do sistema penitenciário.
Cerca de 95% das estrangeiras presas em São Paulo são acusadas de tráfico internacional de drogas. As bolivianas estão em maior quantidade e em segundo lugar estão as sul-africanas. Isabela ressalta que a maioria estava em situação de vulnerabilidade social em seu país, não tinha envolvimento com o tráfico de drogas e veio sem saber que faria um trabalho de "mula” (transporte de drogas).
"Um tema que nós estamos trabalhando é na associação dessa questão das mulas do tráfico de drogas com o tráfico de pessoas. A nossa hipótese é que muitas das mulheres que são mulas são também vítimas do tráfico de pessoas, ou seja, elas não são só essas "criminosas” que traficam drogas, mas são também vítimas, pois as organizações criminosas se aproveitam de uma situação de vulnerabilidade e oferecem um trabalho que, muitas vezes, é forçado, pois muitas delas não sabem o que vão fazer e quando chegam ao Brasil são obrigadas a transportar droga para seu país. E tem que levar a droga, pois seus documentos estão com os traficantes e há casos em que as famílias são ameaçadas”, explica Isabela, ressaltando que esse reconhecimento das mulheres como vítimas ajudaria a reduzir as penas, que hoje são, em média, de seis anos, ou a transformar em penas restritivas de direitos.
Como parte do Projeto Estrangeiras, o ITTC também divulga todas as sextas-feiras perfis de algumas mulheres a fim de sensibilizar quanto à realidade enfrentada por elas, o que passaram e como chegaram até a situação de cárcere no Brasil.
Para conhecer melhor o projeto e ver os perfis das estrangeiras acesse:
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