- Benedict CareyThe New York Times News Service/Syndicate
Valero Doval/The New York TimesSuprimir dúvidas pode causar arrependimento e, no caso dos casamentos, divórcio
Ele tinha carisma suficiente para fazer com que seus maus hábitos parecessem pequenos, mais peculiaridades do que defeitos. O hálito cheirando a cigarro; o peso extra na barriga; a indiferença a roupas e às aparências --certamente eram coisas menores, corrigíveis com o tempo.
Nos meses que antecederam o casamento, em 1988, mesmo o fato de que ele estava morando com a mãe aos 38 anos parecia de alguma forma explicável, se não ideal.
"Estava na cara", disse Jincey Huck, funcionária do tribunal estadual em St. Louis, sobre o seu primeiro marido, já falecido. "No fundo, eu sabia que estava cometendo um erro, mas queria me casar, queria ter filhos, tudo isso. Fiquei hesitante o tempo todo", disse Jincey, hoje com 51 anos.
Os psicólogos estudam o processo de tomada de decisões há mais de um século, tentando distinguir como os vieses, a emoção e a personalidade afetam grandes e pequenas escolhas. Eles estudaram pessoas que se divertem com jogos de simulação de investimentos. Após obter imagens do cérebro dos participantes enquanto tomavam decisões morais hipotéticas, os psicólogos compararam a precisão de juízos precipitados àquela verificada em momentos de longa deliberação, tentando avaliar o valor dos instintos subconscientes.
Contudo, é muito mais difícil simular em laboratório decisões arriscadas, difíceis de rever, que realmente mudam a vida de alguém, como, por exemplo, mudar-se para o outro lado do país, aceitar um novo emprego, comprar uma casa nova e até mesmo mudar de PC para Mac. A mesma dificuldade seria encontrada em uma tentativa de simular aquela é que talvez a mais importante de todas as decisões: completar o caminho até o altar ou se separar.
"Praticamente todas as decisões importantes da vida real exigem que a pessoa que tem de decidir lide com dez questões fundamentais, que eu chamo de cardeais", disse J. Frank Yates, professor de Marketing e Psicologia na faculdade de Administração da Universidade de Michigan. As pessoas só se sentem realmente confiantes, disse ele, quando começam a lidar com todas essas questões, incluindo os compromissos e a habilidade de tomar as medidas adequadas no momento oportuno.
A maioria das pessoas, é claro, não é especialista na ciência da decisão. Elas decidem com base em suas próprias crenças, caprichos e instinto.
Até que ponto podemos aprender, então, com os sentimentos instintivos --as hesitações, em particular-- quando há tantas possibilidades e tanta coisa em jogo? Um estudo publicado na mais recente edição da Revista de Psicologia Familiar oferece uma resposta: podemos aprender bastante, pelo menos quando se trata de casamento.
"Ter dúvidas antes do casamento não é apenas comum. É algo que prevê uma maior taxa de divórcio no caso das mulheres e mais insatisfação nos casamentos tanto para homens quanto para mulheres, em comparação a recém-casados que consagraram o matrimônio sem ter dúvidas", diz Justin A. Lavner, aluno do doutorado em Psicologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
O estudo, realizado com os coautores Benjamin R. Karney e Thomas N. Bradbury, da UCLA, é o primeiro a examinar a hesitação pré-matrimonial em um grupo de casais ao longo do tempo.
O fato de que a dúvida instintiva pode ser um presságio de problemas parece ser uma verdade autoevidente por definição. No entanto, a maioria das decisões importantes suscita alguma hesitação e nervosismo, e pesquisas sugerem que o que importa é a natureza e a fonte dessas dúvidas, não a sua simples existência. Muitas das dinâmicas psicológicas presentes nas tomadas de decisão pré-marital são semelhantes àquelas que fazem parte de qualquer decisão importante.
"O importante a notar é que a maioria das pessoas que se divorciam não tinham muita dúvida do que quer fazer em relação ao casamento inicialmente, mesmo que a hesitação possa aumentar essa probabilidade", diz Arthur Aron, psicólogo da Universidade Stony Brook. "Ao mesmo tempo, existem fatores --como desentendimentos com os pais da outra pessoa-- que podem parecer menos importantes, mas crescem de importância com o tempo: quando o casal tem filhos, por exemplo".
Várias distrações podem fazer com que seja difícil perceber essas armadilhas. Uma delas é a pressão externa criada por um casamento. "As pessoas se deixam levar pelo casamento e não dão atenção às hesitações, achando que o que estão sentindo é apenas nervosismo", disse Anne Milford, coautora, com Jennifer Gauvain, de "How Not to Marry the Wrong Guy" ("Como não se casar com o cara errado", em tradução literal, publicado pela Editora Random House em 2010), que entrevistou cerca de 200 mulheres que sentiram fortes dúvidas no altar.
"Na maioria das vezes, as mulheres disseram que sabiam que estavam cometendo um erro, mas casaram mesmo assim, muitas vezes porque não tinham ninguém que as ouvisse", disse Milford.
Dois outros elementos que embaçam a tomada de uma decisão são internos, menos conscientes, e podem agir um contra o outro.
Ambos são tipos de idealização. Em uma série de pesquisas, uma equipe liderada por Sandra Murray, da Universidade Estadual de Nova York em Buffalo, mostrou que namorados que iniciaram um relacionamento há pouco tempo têm uma forte tendência a idealizar um ao outro, assim como ocorreu com Jincey, que pensava coisas como "os amigos dele são até legais quando estão sóbrios" ou "ele fica deprimido principalmente porque é muito sensível".
As dúvidas não evaporam; elas são reprimidas e ressurgem mais tarde.
A outra é uma expectativa de felicidade suprema, que muitas pessoas têm.
"As pessoas acham que têm de encontrar alguém ideal, perfeito, sua alma gêmea, que vão amar com toda paixão para sempre e que vai fazê-las felizes pelo resto da vida", afirma Sonja Lyubomirsky, psicóloga da Universidade da Califórnia, em Riverside, e autora de "The Myths of Happiness" ("Os mitos da felicidade", em tradução literal, publicado pela Editora Penguin neste ano).
"É claro, tanto evidências científicas quanto anedóticas mostram que não é isso que normalmente ocorre", acrescenta ela, e esse tipo de pessoa pode facilmente ficar decepcionada.
Estar consciente de ambas essas distorções --e encontrar alguém de fora do frenesi do casamento com quem se possa conversar-- é uma forma de verificar se a hesitação indica um mau presságio.
Outra maneira, diz Yates, é simplesmente se sentar e escrever sobre as dúvidas. "Quando escrevemos sobre um problema de tomada de decisão, ao contrário do que ocorre quando simplesmente pensamos a respeito, ficamos mais confiantes na justeza da decisão que tomamos", ele diz por e-mail. Além disso, segundo têm sugerido os estudos de Yates, essa confiança passa a ficar bem situada.
"Eu realmente ignorei tudo, deixei tudo passar gradualmente", conta Jincey, que hoje está feliz em outro casamento. "O pior veio depois, pois eu sabia que tinha feito algo que eu sabia ser um erro na época".
Nenhum comentário:
Postar um comentário