E também revelam bem cedo as semelhanças com os pais
ISABEL CLEMENTE
24/08/2014
Conhece a história daquela mãe que botou o filho pra dormir numa noite fria usando pijama de flanela com carrinhos? Deu-lhe um beijo de boa noite, ajeitou o travesseiro de sapinho e acordou de manhã assustada ao ouvir o marido conversando com outro homem na sala achando que a casa tinha sido invadida. Ela custou a perceber mas seu bebê tinha crescido. Todos estamos sujeitos a isso.
Histórias espantosas vêm sendo registradas há décadas no livro dos recordes infantis, uma publicação particular em que algumas famílias anotam o máximo do desempenho dos filhos nas categorias mais disparatadas: bobagens por segundo; tagarelice em lugar barulhento; implicância criativa; machucados no mesmo joelho; despertar cedo; propostas absurdas num curto espaço de tempo; idas à emergência; e por aí vai. É bom esclarecer que nenhum desses casos fica sujeito a checagem de comissões internacionais. Quem valida os absurdos presenciados por uma família é a própria família e os amigos próximos. Eles ajudam a levar adiante as crônicas familiares inesquecíveis.
No quesito crescimento, a disputa é das mais acirradas. Que pai ou mãe não se espanta com o crescimento dos filhos nos primeiros meses de vida? Competem por isso.
Mãe 1: Imagina que meu filho dobrou de peso no primeiro mês!
Mãe 2: E o meu que triplicou em dois meses?
Mãe 3: Tiago perdeu todos os sapatinhos de recém-nascido nos primeiros 15 dias...
Mãe 1: Realmente impressionante...
Mãe 2: Ô.
Há provas e exageros por toda parte. Quem consegue decorar quanto os filhos calçam se os pés deles mudam a cada trimestre? E a altura? Um amigo começou a marcar com um lápis na parede a altura da filha mas desistiu porque tinha rabisco demais. "Quando ela parar, eu vejo aonde chegou". Muito sensato.
Uma família programou ir à Disney com seis meses de antecedência para levar os filhos, quando o menor dos três ainda media 1m20, dez centímetros abaixo do exigido para frequentar muitas atrações radicais, desejo principal do garoto.
"Não seria melhor esperar ele crescer um pouco?", sugeriu alguém.
"Tenho certeza que até lá ele terá crescido tudo e mais um pouco. Já vi isso acontecer duas vezes antes", respondeu a mãe, uma dessensibilizada que não se espanta com mais nada.
Outro dia emprestei um casaco meu para a filha de 8 anos ir à escola porque o dela, comprado dois meses antes, tinha ficado pequeno e teve de ser doado à irmã que, aos cinco, está se achando quase adolescente por vestir "oito anos".
"Letícia, não é possível! Esse casaco é novo. Veste para eu ver?"
Ela vestiu e a manga ficou a cinco centímetros do pulso.
"Eu num te disse?", disse a menina, triunfante.
Nesse ritmo não sei onde vamos parar.
O rápido crescimento infantil virou um dogma, muitas vezes usado contra nós por pessoas mal intencionadas.
Vendedora: Eu não tenho este vestido no modelo para quatro anos, mas a senhora pode levar o de dez então.
Mãe: Mas minha filha vai fazer dois...
Vendedora: Crianças crescem muito rápido. Acredite em mim. No próximo inverno já vai caber.
De uma hora pra outra nossos filhos perdem o jeito e os traços de bebês. Deixam pra trás brinquedos fofinhos, músicas ternas. Não querem certas brincadeiras mas ritmos agitados. Sinto que Peppa, o desenho animado da porquinha adorada pelos pequenos, é o último bastião da minha casa. A filha mais velha não aguenta a família de quatro porquinhos rindo de tudo a toda hora mas eu faço questão de assistir, quando posso, ao lado da menor, a única que ainda guarda um jeito levemente desengonçado para correr, capaz de fugir do banho pelada e de inventar conjugações inéditas para os verbos que vai usar.
Não é mais toda noite que minhas filhas correm para a porta ou pulam no meu colo. Isso acontece só de vez em quando. Sou mais recebida por discursos e abraços até porque a criança mais velha precisa me avisar antes que vai saltar para eu me preparar ou caímos as duas no chão. Ainda que seus pesos corporais somados não tenham superado o meu, minhas filhas têm força e velocidade suficientes para me derrubar. Carregar uma em cada braço como eu fazia até anteontem é uma audácia exibicionista para eu botar no meu livro dos recordes com direito a duas horas de fisioterapia depois.
De uma hora pra outra, e não sei bem quando, elas foram abandonando certas preferências ("Você gostava tanto do meu mingau mágico...", digo. "Manhê" é a minha resposta.) Percebo um tom adulto querendo brotar de certos questionamentos que, mesmo exalando inocência, chegam mais elaborados e críticos.
À medida que crescem, os filhos também vão revelando traços físicos e psicológicos muito parecidos com os nossos. Entra em cena o capítulo semelhança paterna e materna. Quem se parece mais com quem? Lá em casa eu começo a perceber isso com mais clareza. Ora é um trejeito do pai ou uma palavra que ele usa mais que ganha vida nas crianças, ora é uma expressão ou uma maneira minha. Mas tem o físico também. A confusão é geral. Tem gente que acha as duas a minha cara, outros enxergam só "o pai". Mas ele mesmo outro dia me disse "olhei Letícia assim de lado e vi você" sobre a mais velha.
Minhas filhas crescem tão rápido e estão tão parecidas comigo que outro dia meu marido ficou 40 minutos conversando com nossa caçula achando que era eu.
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