By Olga, 7 de agosto de 2014
A violência contra as mulheres na internet é um grave questão, com reais consequências na vida offline. Já falamos sobre isso aqui mesmo na OLGA quando entrevistamos Marta Trzcinska, advogada norueguesa especialista em direitos das mulheres. “É um problema de saúde pública, é um problema para a democracia e deve ser tratado seriamente como um crime”, afirmou Marta sobre as práticas de assédio no ambiente virtual. Para o youPix 2014, montamos uma mesa com especialistas sobre o tema. Uma delas era Nana Queiroz, que criou a campanha Não Mereço Ser Estuprada e, mesmo assim, recebeu ameaças. “Uma delas dizia ‘prepara o Hipoglós! Vou meter meu pau tão forte em você que minhas bolas vão sair pela sua boca'”, conta. O usuário foi denunciado por Nana para a Polícia Federal e, ao ser localizado pelas autoridades, disse: “o problema é que ela não tem nenhum humor”.
Violência e assédio online é costumeiramente visto como “brincadeira”, “piada”. Não é. Esses abusos afastam as mulheres de suas atividades — por medo, por vergonha — e as isolam do seu direito de livre expressão. E apesar da internet ser sim um espaço belicoso para todos que a navegam, há uma enorme diferença na forma com que homens e mulheres são atingidos por essa questão problemática. Em 2006, pesquisadores da Universidade de Maryland criaram vários perfis falsos em salas de bate-papo. Usuários com nomes femininos receberam, em média, 100 mensagens violentas e de cunho sexual por dia. Usuários com nomes masculinos, apenas 3,7.
O próprio youPix publicou ontem, quarta (7), a matéria Ofensas, machismo e estereótipos: a difícil vida das mulheres no YouTube com os variados tipos de abordagem que as internautas recebem. Anita Sarkeesian e Caroline Criado Perez viraram vítimas cujos casos chamou a atenção do mundo todo. Ambas receberam ameaças de estupro e até de morte por simplesmente se proporem a criar projetos feministas. A primeira gravou programas no YouTube para falar sobre as características machistas dos videogames. A segunda criou uma campanha para que o Bank of England colocasse uma figura feminina em uma das notas de Libra.
No entanto, as mulheres nem precisam ser autoras de projetos feministas para virarem alvos de agressão. Qualquer exposição na net pode resultar em xingamentos, críticas tresloucadas à aparência e, claro, nos mais variados assédios sexuais. Lauren Mayberry, da banda escocesa Chvrches, escreveu um depoimento para o The Guardian sobre a ocasião quando, pela página oficial da banda, tentou abordar o assunto das mensagens sexistas e inconvenientes direcionadas a ela. O que Lauren escutou de volta foram coisas como “Isso não é cultura do estupro. Você vai saber o que é cultura do estupro quando eu estiver te estuprando, vagabunda” e “Sei o endereço da sua casa e vou passar aí para comer sua bunda e você vai amar, sua safada”.
Essa reação ainda mais violenta à uma denuncia não é novidade e já foi até cunhada de a Lei de Watson: “cada vez que você denuncia a violência [de gênero], ela se intensifica”. O mandamento ganhou o sobrenome de Rebecca Watson, que foi ao Twitter reclamar de uma cantada inadequada que recebeu durante uma convenção de ateus e virou vítima de ofensas descomedidas. Até o famoso biólogo evolutivo e ateu praticante Richard Dawkins entrou na briga e, em tom sarcástico, desdenhou da experiência machista que Rebecca viveu.
O custo para a sociedade é imenso: a brutalidade online mina a dignidade das mulheres, deslegitima suas vozes como cidadãs e as reduzem a corpos sexualizados e objetificados. Isso as afasta de discussões online e suprime suas opiniões e contribuições para a sociedade, seja um blog de conteúdo feminista, seja um vlog de moda ou dieta. E apesar da gravidade do problema, ele ainda não é levado a sério pelas empresas de redes socais, a polícia e o poder público.
Hoje, 7 de agosto, é o 8o aniversário da Lei Maria da Penha. Ela foi uma tremenda vitória feminina, mas que trata somente da violência doméstica e familiar, deixando de lado outras formas de abuso que vitimam mulheres. Nesse leque ainda não contemplado pelo poder público estão, entre eles, o feminicídio (o Ministério Público de São Paulo lançará campanha para que o senado inclua o crime no código penal), o assédio sexual (que o código penal enquadra como crime apenas no ambiente de trabalho, ignorando o local público) e a violência online. Esta última encontra dificuldade de ser vista como tal até mesmo pelas próprias empresas de redes sociais, os novos palcos de linchamentos de minorias. Não é clara, por exemplo, a estratégia de combate à misoginia do Facebook, plataforma que agrega muitas páginas sexistas e até mesmo criminosas. Quando denunciadas, a empresa envia comunicados automáticos, às vezes em questões de segundos, negando a retirada do conteúdo. Só as derruba, enfim, quando as denúncias são feitas em massa — tática também utilizada por machistas para tirar páginas feministas. O Twitter também é tão leviano quando se trata dessas questões que, mesmo após as mais violentas denúncias de machismo online, achou por bem, no fim do ano passado, rever a sua política do botão block. Ou seja, as pessoas bloqueadas ainda poderiam ler a timeline do usuário que as bloqueou. A resolução foi revertida em questão de dias, mas tratou-se de uma afronta às feministas que, por anos, tornam pública e conhecida a violência que ali vivem.
Enquanto as autoridades não tomam uma atitude, as mulheres podem se unir para revidar. Em primeiro lugar, saiba como agir se você for vítima de violência online. E, se vir alguém sofrendo essa violência em algum lugar da internet, junte-se, instrua, explique e, de maneira alguma, encare isso como algo que nunca poderá ser mudado.
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